O famoso pessimismo da ficção científica

Não é a primeira vez que me deparo com esse mito, que a ficção científica é pessimista. Já vi textões e muita gente desistir de ler livros de ficção científica porque acreditam que o único assunto é desgraça, distopias, morte, dominação. E a primeira coisa que a gente pensa é: temos tão pouca confiança em nós? Não conseguimos mais enxergar o futuro como algo positivo?

O famoso pessimismo da ficção científica

Já falei algumas vezes - aliás várias - que prever o futuro é bastante complicado. Nem é obrigação da ficção científica em prever e não podemos desmerecer o gênero por conta disso. Podemos apenas abordar tendências que podem - ou não - se confirmar e isso depende de uma série de fatores, o mais importante deles: o que se quer fazer de seu enredo. O certo é que sempre vamos errar se tentarmos brincar de adivinhação. Na ficção científica é impossível escrever um enredo sem pensar em algumas coisas que acontecerão. Por sua vez, o autor também não pode fugir muito da realidade para não parecer inverissímil demais.

No entanto, o famoso conflito entre otimismo X pessimismo dentro da ficção científica não é tão simples assim de delinear. O otimismo costuma ser refletido nos enredos utópicos e o pessimismo vem com o enredos distópicos. Enquanto os utópicos são descartados como inverossímeis, irreais e até bobos, os distópicos são descartados por serem desgracentos demais.

Gottfried Wilhelm Leibniz primeiro definiu o otimismo como a ideia de que nosso mundo é o melhor de todos os mundos possíveis, porque ele foi escolhido pelo Criador entre todos os mundos possíveis. Quando a ficção científica adota esse otimismo nós temos enredos positivos, até utópicos, que confiam na ciência e na tecnologia para resolver as mazelas atuais, como fome, miséria, guerras, a cura de todas as doenças. Ele nos passa essa impressão que o futuro brilhante está a um passo de distância. Star Trek é o melhor exemplo de otimismo sci-fi.

O enredo utópico tem a função de catalizar as mudanças. Na ficção científica, essas mudanças moldam enredos futuros, porém nem sempre elas apresentam argumentos ou processos transformadores plausíveis que possam se tornar uma ação real. O Ceifador, de Neal Shusterman, por exemplo, nos fala de um mundo onde a morte e as doenças foram eliminadas, onde o ser humano é imortal, mas não nos diz como. É aí que muita gente classifica FC apenas como escapismo. O tal escapismo pode reforçar as convicções do leitor e isso pode ser tanto bom quanto ruim.

Já o pessimismo acaba sendo sinonimizado com derrotismo, onde só podemos esperar o pior, que nada vai melhorar, uma definição que é normalmente atribuída por aqueles que o desabonam. Quem não curte um pessimismo é o primeiro a defini-lo. Mas vários filósofos, até mesmo Buda, nos deram importantes lições a cerca do pessimismo, de ver o corpo meio vazio, pois nós já nascemos em sofrimento. A cada respirada mais próximos ficamos da morte. Um escritor pode e deve se valer do pessimismo e ir além dele, quando percebe, descreve e se utiliza da complexidade da vida, do universo e tudo mais para querer nos comunicar algo.

O pessimismo atribuído aos enredos distópicos, em geral, servem de crítica, que pode conter um espelho para o tempo presente e assim, por suas características e defeitos, ajudar a propor alternativas. Se a ficção científica se afastou do tecno-otimismo da idade dourada, em direção a um tom mais cético e ambíguo, isso não passa de um reflexo de nossos tempos. Na era de ouro pós-Segunda Guerra, o mundo carecia de visões positivas e brilhantes da raça humana, de mundos que deram certo, já que o nosso tinha saído de sua segunda grande guerra em menos de 50 anos. Tecnologia pode sim mudar vidas, mas dificilmente muda quem nós somos.

Curiosamente, não acredito que a ficção científica perdeu o otimismo. Se um escritor faz uma distopia criticando um regime, uma política, uma condição social é porque ele espera que esses problemas se resolvam. A safra farta de distopias e enredos pós-apocalípticos são reflexos das intensas transformações pelas quais o mundo passou desde os anos 80, momento em que o próprio cyberpunk surgiu com força. O escritor é uma testemunha de seu tempo e vai acabar se servindo dessas transformações.

No mais, a ficção científica não é pessimista. É um lugar do possível e do impossível, do bizarro e da alteridade, de você ir onde jamais esteve. E ela vai ser otimista, pessimista, realista, vai viajar na maionese e te tirar do lugar comum o quanto for necessário. O que podemos fazer é aproveitar a viagem e aprender.

A ficção científica é útil não por antecipar o que está por vir. Essas histórias são importantes porque reestruturam nossa perspectiva sobre o mundo.

Eliot Peper

Até mais!

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