Esse não só é um mito muito comum como apareceu em um comentário pelo blog. Depois do incêndio do Museu da Língua Portuguesa, teve gente fiscalizando o pesar dos outros que estavam tristes pela perda do patrimônio paulistano. Gente reclamando, gente tomando conta dos comentários alheios, gente achando que só quem lê muito pode lamentar. Mas ó só, você não só não é melhor do que ninguém por ler muitos livros, como tem muita gente que lê bastante, mais até que a média nacional, e continua tapada. Então, está na hora de parar com isso.
Ler é uma competência da linguagem. Mais do que isso, é também uma obrigação. Você precisa saber ler as placas de trânsito, a bula do remédio, a receita médica, o recado na geladeira, a apostila do concurso, as questões do ENEM, este post, o jornal, um tuíte, um textão no Facebook. Ler é necessário no dia a dia, inclusive na internet.
Mas ler livros é um hobby. Se a pessoa estipulou ler 100 livros num ano, ou 500, é porque ela sente prazer na leitura e, principalmente, tem tempo, coisa que nem todo mundo tem. Assim como tem gente que tem prazer no aeromodelismo, ou colecionando selos. A pessoa lê livros, seja ficção, não-ficção, porque gosta. Ponto final.
A prática da leitura é uma construção social que muda de acordo com a época. As histórias eram de cunho puramente oral por gerações, até o estabelecimento da escrita que se deu em diversas plataformas: pedra, tábua de argila, papiro, pergaminho, papel, e-ink. Como a produção de muitos destes materiais era lenta e cara, muitas vezes, a leitura era restrita a poucos letrados, como sacerdotes e escribas, que liam coletivamente. A leitura era algo feito em voz alta, atingindo assim um grande número de pessoas. Muitas vezes, decorar os trechos orais era a forma de educação de crianças e jovens, como nas escolas da Grécia Antiga.
A leitura individual e silenciosa apareceu na Idade Média, com os monges copistas em seus mosteiros e casas paroquiais. Os manuscritos criados por eles eram de grande beleza, com iluminuras e cópias minuciosas, que requeriam um ambiente silencioso e muita atenção para os trabalhos. Ainda eram livros e códices muito caros e de acesso de poucos, panorama que mudou com a invenção da imprensa, no século XV, por Gutenberg.
No século XVIII, com o advento do romantismo literário e das feiras de livros em várias cidades europeias, a prática da leitura tornou-se um hábito realmente popular e com grande impacto na sociedade. Basta dizer que a leitura de panfletos políticos e escritos filosóficos dos iluministas mobilizou, em grande parte, os burgueses da França à ação revolucionária de 1789.
História da Leitura
Se você lê muito pra depois sair vomitando senso comum, a leitura não te fez bem algum. Se você se vangloria de ler muito para depois bancar o superior para cima das pessoas por causa disso, a leitura não te fez bem algum. Se você se vangloria de ler em inglês um título que não foi traduzido e a geral está louca atrás, a leitura não te fez bem nenhum. Você pode ler um livro por mês com qualidade, ou pode ler um por semana. Você pode ler ebooks pelo seu celular dentro do ônibus voltando para casa, ou pode ler na rede, de frente para o mar, tomando água de coco. A quantidade nunca vai dizer se você é inteligente ou mais esperto que os outros. Ler muito apenas me diz que você gosta de ler. Ostentar que é uma pessoa que lê muito, com um monte de livros no Skoob ou no Goodreads, que lê livros importados e ebooks não é um índice de inteligência, nem de moral. Podemos aprender muito com a leitura, mas esse tipo de comportamento mostra que ela não está funcionando.
Não sei como nem porque esse mito se espalhou de tal maneira. Acho que é apenas uma forma diferente de ostentação, como era com o Instagram quando ele era apenas para iPhone. Quando entrou para Android, teve gente dando cria porque agora teria "foto de pobre dentro do ônibus" nas redes. Simples: não siga. Você não vai ver essas fotos e vai permanecer na sua bolha privilegiada.
A leitura deveria nos tornar mais humildes devido ao vasto conhecimento produzido pelas atividades humanas, pois nem mesmo vivendo uma vida inteira conseguiríamos ler e consumir tudo o que é feito e publicado. Deveríamos reconhecer o privilégio que é poder ler, interpretar, apreender e se divertir com um texto, um livro, ou um tuíte, pois cerca de 770 milhões de pessoas no mundo não sabem ler nem escrever, sendo que 64% destas pessoas são mulheres. Infelizmente não é o que acontece com muita gente. Para essas, um caminhão de livros não faria diferença.
Até mais.
Leia mais:
A história da leituraOstentação literária
Leitura vs. Escrita: É preciso ler muito para escrever bem?
Eu acrescentaria que ler um livro toma tempo e a quantidade de livros que você lê num dado período informam quanto tempo você tem, ou seja, tempo em que não está trabalhando ou cuidando de alguém, tempo que você pode gastar lendo um livro. Ócio pode ser um símbolo de status.
ResponderExcluirExceto ê se você fica duas horas dentro do ônibus pra ir trabalhar. Com quatro horas por dia sem fazer nada, preso no coletivo, dá pra matar dois livros por semana tranqüilo!
Lady, cara to encantada com o seu blog! Queria dizer que matei muita aula de geografia kkkkkkkkkk.... Mas seu blog é um amor... sério! Só não consegui achar a opção pra te seguir, queria ter na minha TL seus posts :(. Então, concordo com tudo o que disse! É igual aquela frase "você não é melhor do que ninguém só porque tem isso ou aquilo", todo mundo generaliza. Acho que ler agrega muito no nosso dia a dia, não nos tornamos maquinas. É tão bom sentar em uma roda e falar de um assunto e de repente lembrar de algum fato de um livro que lemos, ou até mesmo em acontecimentos na nossa vida. Adorei!
ResponderExcluirBjo bjo
www.adrielibertelli.com
Ler muito sempre foi um sinal de status intelectual, não é de hoje. As pessoas usam como se fosse um elogio, "Fulano lê muito!" - implícito aí que Fulano é uma pessoa culta e inteligente.
ResponderExcluirÉ muito parecido quando vejo gente compartilhando uma citação, creio que atribuída a Jorge Luis Borges (e vá saber se é dele mesmo), dizendo que quem viaja muito abre seus horizontes. Não mesmo, conheço gente viajada que tem horizontes bem fechadinhos... Livros, viagens, são instrumentos que PODEM te fazer crescer, aprender, se elevar. Mas aí tem um componente da equação que é fundamental pra que isso realmente ocorra: você mesmo. Excelente texto, obrigada por compartilhar!
Sempre tem um humano usar algo para dar status, é o diferentão né.
ResponderExcluirAcho chato, leio muito, mas leio porque amo, as pessoas sempre dizem que sou muito inteligente, ligando isso ao ato de ler, acho engraçado quando digo que leio Gibis da Turma da Mônica também ¬¬
Sinceramente meu único desejo e que leiam mais pra eu alguém pra discutir sobre um livro.
Gostei do seu post exemplificativo, parecia que eu estava na aula _faço Letras_ adorei, parabéns!!
um xero
Realmente, ler muitos livros só para ostentar e dar uma de superior não adianta nada!
ResponderExcluirTemos muito que aprender com leitura, e não me restrinjo aqui apenas a livros físicos, há e-books, blogs, jornais, sites, enfim, um universo para desbravar! E ficar "se achando" mostra que muita leitura não significa necessariamente que a pessoa aprendeu com ela.
Gostei do novo "look" do blog!
Abraços
Marina
Ah, só voltei para dizer que adorei seu "Antes de comentar" , rs! É isso aí!
ResponderExcluirHahahaha, obrigada!
ExcluirMuito bom argumento!
ResponderExcluirDescobri seu blog semana passada e to adorando!
Bem vinda! =D
ExcluirOlá! Foi uma grata surpresa perceber o meu post linkado neste seu artigo. Desnecessário é dizer o quanto acho importante este assunto e a necessidade de chamar pessoas a buscarem 'ser' ao invés de 'parecer'. Essa sacudida mental é essencial! A vida está cheia do apelo pelo aparentar que chega a dar pena, ou ainda, medo.
ResponderExcluirGrande abraço!
Esse texto me emocionou profundamente. Sempre li muito, passei boa parte da infância ou internada ou sem poder brincar por causa das crises de asma frequentes e medicamente maltratadas; lia para conter o desespero, para fazer algo que não fosse dormir. Descobri outros mundos, outros modos de ser e de pensar. Conjugada à pobreza - eu lia na biblioteca pública, adorava ir para lá -, à minha saúde sempre deteriorada, foi a leitura que me tornou mais humana, mais atenta ao sofrimento alheio e a modos de solucioná-lo. Não me vejo como uma pessoa melhor do que as outras; acho apenas que minha mente é menos empedernida, em boa parte porque me permito sê-lo. Gosto de ver que outras pessoas possuem visões semelhantes. Continuo sua fã.
ResponderExcluirNossa, que texto! Acabei de conhecer seu blog e não me contive aqui. Eu gosto muito de ler, leio desde os 4 anos (nessa época eu lia gibis da turma da Monica) e através dos livros que aos 6 anos eu pegava emprestado com as professoras eu vivi muitas aventuras. Ler me ajudou a pegar gosto pela escrita, me fez conhecer palavras, me deu sonhos e curiosidade. Porém nos últimos anos tenho lido menos por causa justamente da falta de tempo, mas continuo lendo os livros pelos quais me interesso, tendo inclusive realizado uma vontade antiga de escrever uma resenha recentemente.
ResponderExcluirInfelizmente muitas pessoas têm levado a vida de forma que só dão valor à quantidade. Lêem vários livros sem sequer compreendê-los, somente para postar mais fotos de livro nas redes sociais e ostentar as leituras do mês. Não aprenderam nada com os livros que leram.
Parabéns pelo texto!
Um beijo!
Excelente texto. Excelente.
ResponderExcluirEu muito já fui acusada de achar que sou melhor do que os outros porque eu leio. Eu acho interessante, porque as pessoas que me acusaram disso nunca me conheciam o bastante para saber o que ou o quanto eu leio. Só sabiam, assim, por cima, que ler é o meu hobby #1, preferido acima de beber na rua com desconhecidos. É claro, isso deixou de acontecer depois que eu saí do ensino médio (e voltou a acontecer quando eu fui trabalhar numa startup porque pessoas do mundo corporativo são especiais.).
ResponderExcluirMeu problema é com quem julga o que ou quanto uma pessoa lê, assim como com qual velocidade ou em que situação ela o faz. Lendo, para mim, está maravilhoso. Se quiser debater alguma leitura em comum, então, virou amigo instantâneo.
Agora, sobre qualidade vs. quantidade. Ai, gente, um nunca impediu o outro.
Gostei muito do post. E toca na diferença entre mérito e privilégio. Por algum motivo, as pessoas confundem isso.
ResponderExcluirQue texto maravilhoso! Como eu queria ter tido essa frase (do titulo)pra fulaninhos.Ano passado terminei o ensino médio e precisávamos de alguém que escrevesse nosso discurso de formatura. Todos optaram por uma menina apenas pelo fato de ela ler muitos livros (500 por ano) Mas no fim adivinha? A boazona não consegui escrever nada.Logico que nem comentei a respeito, não sou ninguém para julgar.Mas é isso, claro exemplo que se gabar por ler muito, não te deixa mais inteligente, até piora a situação do seu cérebro hahaha
ResponderExcluirBjoo, Bia do Julieta ao contrário > http://julietaaocontrarioo.blogspot.com.br/
Escrita lúcida, leitura lúcida. Esse tipo de leitura, sim, nos acrescenta. Assino embaixo, me identifico.
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