Tem gente que cai de paraquedas no blog e vem me acusar de uma coisas completamente sem sentido. Outro dia comentei no Facebook que um destes paraquedistas praticamente me acusou de ~heterofobia~ porque eu questionava a ausência de personagens homossexuais na FC e em Star Trek. Ele teve ainda a capacidade de me perguntar "qual era o problema de ser hetero?". Por isso que eu digo que o tema não estará nunca esgotado enquanto existirem pessoas com esse tipo de mentalidade reducionista e preconceituosa.
A FC é, há muito tempo, dominada por autores e roteiristas masculinos, brancos e heterossexuais. E quem discordar de mim, pode olhar para os escritores laureados e para os filmes de sucesso e veja quantos negros, trans*, mulheres ou gays existem nas franquias, especialmente nos papéis principais. Este ano, Lupita Nyong'o foi adicionada ao elenco do novo Star Wars. É a segunda negra da franquia em 37 anos. A primeira, Femi Taylor, aparece em O Retorno de Jedi, coberta por tinta verde, enquanto dançava para Jabba. O padrão se repete em Guardiões da Galáxia, um filme que adorei, que têm um dos grupos mais heterogêneos da FC, mas que mantém um homem cis hetero como líder e uma negra pintada de verde. Outros personagens coloridos do filme também são, originalmente, negros.
Guardiões da Galáxia, o filme. |
O filme Her, um ótimo filme, por sinal, com críticas pertinentes à sociedade moderna, em uma Los Angeles do futuro, não tem um personagem negro sequer. Star Trek, nos anos 60, revolucionou muita coisa trazendo um asiático, um russo e uma negra para a ponte da Enterprise, mas a nave ainda era comandada por um trio branco e heterossexual. E o pior, Uhura praticamente faz trabalho de secretária na série inteira, mesmo que sua presença tenha sido de extrema importância para gerações de meninas negras que viraram atrizes e astronautas.
Vejamos alguns números baseados nos 100 filmes de FC e fantasia de 2014 que mais renderam:
- 14% tem protagonistas femininas
- 8% tem protagonistas negros, nenhum deles mulher, sendo que 6 são com Will Smith e um era uma animação (Aladdin)
- 0% de personagens da comunidade LGBT
- 3% dos vilões são negros
- 1% dos protagonistas tinham alguma deficiência física
Dispensa apresentações. Mas são todos brancos, cis e heteros. |
Olhando para o futuro da humanidade retratado nos filmes e livros percebe-se que, ao que tudo indica, uma guerra racial violenta explodiu e deixou apenas homens brancos cis hetero como líderes, heróis, vilões, capitães, guerreiros e salvadores da galáxia. E isso é péssimo, pois em se tratando de ficção científica uma de suas maiores virtudes é a POSSIBILIDADE. É neste gênero que podemos criar mundos onde os padrões e normas culturais opressoras possam cair por terra para que possamos mostrar um lugar que realmente inclua todo mundo. É aqui que podemos e devemos fazer críticas entrelaçadas aos enredos que criamos. Star Trek é um reflexo de sua época, ao tratar da discriminação de gênero e de raça. Battlestar Galactica, em sua nova versão, tratou fortemente de direitos civis, políticas de estado, xenofobia e genocídio.
É por isso que muitas vezes eu fico frustrada com a FC, pois justamente essa possibilidade ilimitada está totalmente amarrada aos padrões e normas culturais opressoras que queremos derrubar. Os filmes e livros continuam ignorando as mulheres, os negros, os gays, os trans*, mesmo em enredos onde eles existam. Katniss Everdeen é descrita mais como uma indígena do que uma caucasiana nos livros, e ainda assim a escolha da atriz Jennifer Lawrence deixa nítida essa diferença. É também frustrante perceber que a globalização deveria ter tido um efeito contrário, o de exaltar e representar as minorias, o que não aconteceu.
Muita gente pode dizer que, no futuro, raça e etnia não importam. Só que nós não vivemos neste futuro, vivemos? Vivemos em um mundo onde cor, orientação sexual, gênero, tudo isso é usado para rotular pessoas e até estabelecer se devem viver ou não, se podem sair na rua ou não, se serão estupradas ou não. Dizer que no futuro estas questões não importam é apagar a questão, tratando-a como irrelevante, quando elas são muito, mas muito relevantes.
Mesmo com todos os problemas de Star Trek, o mundo de Roddenberry conseguiu o que poucas franquias alcançaram: pessoas de diferentes mundos, cores e gêneros convivendo e trabalhando juntas, justo em uma época de grande preconceito e discriminação na sociedade norte-americana dos anos 60. Foi possível mostrar para aquela geração e paras as futuras que todos teriam espaço no futuro da humanidade. E se nós vemos um filme ou livro onde apenas personagens brancos são os protagonistas, fica claro para o restante da humanidade que não há lugar para eles neste futuro.
Para muitos dos espectadores e leitores brancos e masculinos, qualquer papo de inclusão parece ser uma chatice. Quando já se é bem representado, a falta dela nunca foi sentida. Mas pensar sob o ponto de vista de descendentes de indígenas - exterminados e hoje minoria em seus países de origem - ou de negros - arrancados de sua terra natal e trazidos à força para um novo continente como mão-de-obra escrava e oprimida - se faz necessário para entender porque representá-los é tão importante. Se Whoopi Goldberg se sentiu inspirada a ser o que quisesse na vida por ver Uhura na ponte da Enterprise, o que mais a ficção científica pode fazer por gerações que se sintam representadas em telas e páginas?
Comandante Chakotay, descendente de nativos americanos, personagem inspirado no pioneirismo de Uhura, em Star Trek. |
O comandante Chakotay, de Star Trek Voyager, é o único indígena de toda a franquia, um passo importante para a representatividade de um povo historicamente excluído e ignorado das produções artísticas. Este é um bom exemplo de representatividade e diversidade, mas onde estão os outros? Se sentir representado, certamente, inspirará futuros escritores e roteiristas a escrever sobre si mesmos, trazendo visões de um futuro e de uma ficção científica mais plural e inclusiva.
Até mais!
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