Frankenstein é um dos meus livros favoritos e uma obra seminal para a ficção científica. Escrito pela adolescente Mary Shelley em 1818, a obra foi além de seus limites literários ao tornar-se um arquétipo para centenas de produções que viriam. Você reconhece esse arquétipo de criatura que se volta contra seu criador em diversas obras. Adaptado para as mais diferentes mídias, o talentoso diretor deu à obra sua visão e o filme estreou na Netflix. O longa foi aplaudido por cerca de 14 minutos em sua estreia no Festival de Veneza, em agosto de 2025 e eu estava bem ansiosa para assistir também.

Produzido, escrito e dirigido por Guillermo del Toro, o filme é estrelado por Oscar Isaac, Jacob Elordi, Mia Goth, Felix Kammerer, David Bradley, Lars Mikkelsen, Christian Convery, Charles Dance e Christoph Waltz. Sonho antigo do cineasta, seu longa é um espetáculo gótico que discute a natureza humana e quem é o verdadeiro monstro do enredo. Para muitos, acostumados à imagem de Boris Karloff como a criatura, ela é sinônimo de Frankenstein, quando, na verdade, é Victor o monstro terrível. Sendo justa com Mary Shelley, ela deixa na mão do público a decisão de categorizar quem é de verdade o ser monstruoso e del Toro segue na mesma linha, porém humanizando tanto Victor quanto o ser que ele criou.
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Victor, vivido por um brilhante Oscar Isaac, é mais que um médico ambicioso e sem escrúpulos, ele é um artista incompreendido, que se sente injustiçado por ninguém enxergar o brilhantismo de sua obra. O público parece incapaz de compreender sua arte e ele, com seu orgulho doentio, decide provar sua genialidade com a ajuda de um ricaço, vivido por Christoph Waltz, que também tem seus próprios objetivos ao injetar recursos nos projetos de Victor.
Com duas horas e meia de duração, o longa dá espaço para que tanto Victor quanto sua criatura contem suas versões da história. Em espetáculo visual de cores, sombras e luzes, o diretor contou com antigos colaboradores: o compositor Alexandre Desplat (Pinóquio), o diretor de fotografia Dan Laustsen (A Forma da Água), o diretor de arte Brandt Gordon (A Colina Escarlate) e a figurinista Kate Hawley (Círculo de Fogo). Ao contrário de tantos filmes escuros e sombrios, del Toro usa os jogos de luz a seu favor, onde cada expressão dos atores, cada movimento de Victor, cada figurino se destaca.

A criatura se distancia das figuras costuradas a esmo e com cicatrizes grotescas. Jacob Elordi, mesmo oculto por camadas generosas de maquiagem, entrega uma atuação melancólica e pura, solitária em sua existência à margem da sociedade, entregando uma sensibilidade que não vimos em nenhuma outra adaptação da história. Seu corpo é a expressão da arte de Victor, com linhas sinuosas demarcando músculos e junções dos membros. Enquanto trabalha em sua criação, Victor tem a habilidade de um açougueiro, montando parte por parte de um ser que nunca pediu para nascer e que depois enfrenta a ignorância, o medo e a violência de seu criador.
Del Toro toma liberdades artísticas no longa. Ele segue a linha principal, é claro, contando a história de Victor e sua criação, mas introduz elementos novos. Mia Goth está brilhante em seu papel de Elizabeth, uma jovem sensível e inteligente, noiva de William Frankenstein e por quem Victor acaba nutrindo uma paixão secreta. No livro de Shelley, ela é a irmã adotiva dos Frankenstein. É ela quem se conecta com a criatura em seus primeiros dias, um ser tímido, que está aprendendo a andar, conhecendo o mundo restrito do laboratório. E ela também o defende perante um arrogante Victor. Se a criatura foi feita em laboratório, então ela é mais pura do que aqueles que nasceram sob o peso do pecado original. Victor acha essa ideia descabida e continua seu tratamento bruto contra a criatura.

Elizabeth não tem medo da criatura. Ao invés de sentir um horror pelo o que vê, ela sente compaixão e uma identificação imediata, vendo a pureza além de todas as cicatrizes, uma inteligência que ainda está desabrochando, enquanto Victor apenas vê um animal bruto e sem alma. Se originalmente, Frankenstein pode ser descrita como uma história de vingança e ódio mútuos, del Toro entrega um enredo de beleza, amor e redenção, um enredo esperançoso em meio a tanta dor da criação.
Algumas resenhas do filme se mostraram surpresas com a humanização da criatura e a identificação de Victor como um ricaço, cheio de ideias perigosas, que está disposto a tudo para realizar sua obra. Provavelmente são pessoas que apenas assistiram aos filmes de terror, que exaltava a bizarrice da criatura, mas se desviava do trabalho de Shelley. Del Toro conseguiu se aproximar do livro, mesmo tomando liberdades criativas com relação aos personagens e seus relacionamentos, criando uma obra que emociona.
O longa está disponível na Netflix. Já viu??
Até mais!
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