Resenha: Afrofuturism, de Ytasha L. Womack

Este é, provavelmente, um dos livros mais importantes da década e um dos livros de referência quando o assunto é afrofuturismo. Ytasha faz uma análise deste movimento que abraça diversas vertentes artísticas, ressaltando suas origens, os principais expoentes e sua importância absolutamente atual.



O livro
Ytasha L. Womack faz uma introdução poderosa logo de cara. Fã de Star Wars e de ficção científica, mesmo quando criança, ela não pode deixar de notar a falta de personagens negros de liderança com os quais se identificar na cultura pop, ainda incipiente na época. Questionava por que Lando era apenas um coadjuvante, orbitando Han Solo, questionava se a face de Darth Vader, com a poderosa voz de James Earl Jones seria negra como sua armadura.

Resenha: Afrofuturism, de Ytasha L. Womack

Não é surpresa para ela que com o mundo se tornando cada vez mais miscigenado e diverso, a falta de diversidade e representatividade nos enredos futuristas e de FC & Fantasia o Afrofuturismo tenha se estabelecido com força. Mesmo já existindo sem ter um termo próprio para designá-lo, o movimento se estabelece a partir do momento que qualquer fã de ficção científica, fantasia, quadrinhos, trekker ou fã de ciência passa a se questionar sobre a ausência de negros e de outros grupos minoritários (no inglês ela usa muito "people of color", que em português tem tom pejorativo).

O homem negro que salva o dia em A Noite dos Mortos Vivos é morto por policiais sorridentes. O homem negro que pousou com Charlton Heston no original Planeta dos Macacos foi rapidamente capturado e empalhado em um museu. Um cientista negro excepcional quase iniciou o fim do mundo em O Exterminador do Futuro 2. (...) o personagem negro nestes filmes surge como um tipo místico e silencioso ou quem sabe um cientista assustador, mas é bem óbvio que nas interpretações artísticas do futuro pelos padrões da cultura pop, negros não são um fator a se considerar.

Página 7 (tradução livre)

O Afrofuturismo é, segundo a curadora de arte Ingrid La Fleur, uma maneira de imaginar futuros possíveis pelas lentes da cultura negra. É um meio de encorajar a experimentação, reimaginar identidades e ativar a libertação. Ele redefine a cultura e as noções de negritude, tanto nos dias atuais quanto para o futuro. Ytasha ressalta produções como Matrix, O Livro de Eli, trilogia Blade e os filmes de Will Smith para mostrar como as narrativas estão se transformando quando os negros assumem o protagonismo.

Ficção científica é íntima do afrofuturismo pela forma como a Diáspora Africana retrata os primeiros seres humanos raptados por alienígenas. É uma metáfora para a invasão de um povo tecnologicamente superior, que sequestra um povo nativa, o escraviza e envia para outra terra já bem visitada pelos afrofuturistas, quase todos eles descendentes destes africanos brutalmente escravizados.

Enquanto os primeiros capítulos são mais introdutórios, Ytasha se aprofunda em diversas análises, indo de ciberfeminismo às novas tecnologias, viagens no tempo e especula sobre o futuro da cultura pop e do afrofuturismo. Não é apenas na ficção científica, fantasia, livros e filmes que ela discorre, mas também sobre exposições e intervenções de arte, música e até cosplays. Quem procura um livro que possa lhe dar a base sobre o movimento e ainda possa trazer referências e fontes, com certeza é este aqui.

É um livro curto, mas que demorei para ler justamente pela importância do assunto. É uma pena que não há uma tradução para o português, mas fica aí o apelo a alguma editora que se disponha a trazer o livro para cá. A brochura não é costurada, ela é colada e como manuseei muito nesses meses, algumas páginas estão quase se soltando. Quem sabe em uma nova edição, ela venha melhor.


Ficção e realidade
Pantera Negra pode ser o primeiro blockbuster afrofuturista do cinema, mostrando um país africano que não é descrito por suas guerras ou por seu povo definhando de fome, sim por sua excelência tecnológica, por seu avanço científico. É pegar o estereótipo sobre todo um continente e mostrar as possibilidades. Ficção é isso, possibilidades. E se autores se mantém reproduzindo estereótipos, sem imaginar as tantas visões que um determinado cenário pode ter, para que ela serve?

Sempre ouvi que ficção científica e fantasia são "escapismos". Como se não fossem coisa série de verdade. Mas é justamente nestes cenários que podemos extrapolar a realidade, ser protagonistas onde antes éramos coadjuvantes. Foi na ficção científica que eu vi uma mulher sendo capitã de uma nave estelar. Quando filmes que contrariam o status quo surgem, há uma reação conservadora imediata. Veja o caço de Caça-Fantasmas e Mad Max Estrada da Fúria, com mulheres protagonistas. Veja o sucesso de Mulher Maravilha, superando as modestas expectativas do estúdio. São movimentos como o afrofuturismo e a resistência de grupos minoritários que acabam impulsionando a cultura pop que amamos e da qual fazemos parte para mudar. E precisamos resistir ainda mais para a mudança continuar. Falta muita estrada ainda.

Ytasha L. Womack

Ytasha L. Womack é escritora, cineasta, bailarina e futurista. Começou a carreira como jornalista, hoje dando palestras pelos Estados Unidos a respeito do afrofuturismo.

Pontos positivos
Afrofuturismo
Bem pesquisado e bem escrito
Análises sobre cultura pop
Pontos negativos

Brochura
Não tem em português

Título: Afrofuturism- The World of Black Sci-Fi and Fantasy Culture
Autora: Ytasha L. Womack
Editora: Lawrence Hill Books
Páginas: 213
Ano de lançamento: 2013
Onde comprar: Amazon


Avaliação do MS?
Ytasha L. Womack criou um livro de referência para qualquer pessoa interessada em afrofuturismo. Um livro essencial, de extrema importância pelas análises que carrega e pela forma como enxerga a cultura pop e seu futuro. Infelizmente não está em português, mas para quem tem o privilégio de ler em inglês, é uma aquisição importante para a estante e aquela obra que a gente deve reler de vez em quando.

Até mais!

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Comentários

  1. Hum... Acho que vou arriscar comprar ele no Kindle. Semana passada terminei de ler o meu primeiro em inglês, o Collapsing Empire, do Scalzi, por causa do texto aqui do site. Como correu tudo surpreendentemente bem, estou motivado...rsrsrs Acho que esse vai ser top tb, me pareceu que é algo do tipo do que vc fez no Anticast, né Capitã!

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