Resenha: A Cor Púrpura, de Alice Walker

Este foi um dos melhores livros que já li na vida. Também um dos mais difíceis, um dos mais maduros, um dos mais sofridos. As cartas de Celie para Deus contam uma vida onde seus desejos sempre foram ignorados, seu bem-estar, suas opiniões. Vemos Celie se conhecer e amadurecer, vemos uma mulher em uma jornada incrível e de muito ensinamento. Tem tanta coisa em A Cor Púrpura que sei que não conseguiria abordar tudo.





O livro
Celie é uma mulher negra, semianalfabeta, que mora no sul dos Estados Unidos, em um período que vai de 1900 a 1940. Escrito na forma de cartas para Deus, Celie narra sua vida sofrida para ele e depois narra para sua irmã. Tudo o que acontece ao seu redor, a convivência com o marido e os filhos dele, suas percepções e a tristeza que carrega, tudo é passado para o papel.

Resenha: A Cor Púrpura, de Alice Walker

Estuprada pelo pai (que depois se revela seu padrasto), separada dos filhos e depois forçada a se casar com um viúvo violento, Celie se vê como uma pessoa sem valor. Acostumada com o desprezo das pessoas, Celie segue com sua rotina, fantasiando com a cantora de cabaré, Shug Avery.

Ora, dona Celie. Do jeito que você fala parece que ele vai ao banheiro em você.
É assim queu me sinto, falei.
Ela parou de rir.

Página 98

Quem vai tirar Celie dessa rotina triste e abusiva é a amante do sinhô Albert, o viúvo com quem ela foi obrigada a casar, Shug Avery. Shug chega doente à casa dele e é Celie quem cuidará dela e restituir sua saúde. A conversa e a convivência entre as duas faz Celie florescer. Ela descobre que pode ser bonita, descobre sua sexualidade e se descobre apaixonada por Shug.

Shug não se define pelos estereótipos definidos pela sociedade, ela não se limita pela visão tradicional da mulher. Não apenas Shug, mas Sofia, que casou com o filho mais velho de Albert, Harpo, e que não tolerava abusos e desrespeitos, o que acabou levando-a para a cadeia após desafiar uma branca. A convivência com essas mulheres faz Celie ver coisas que antes não veria e a faz aprender muito também.

E você sabe como são os branco, num deixam ninguém em paz. Quando eles querem muito uma coisa, eles num sossegam até conseguir, mesmo se isso for matar você.

Página 307

Celie passa a enxergar a opressão a que é submetida, a injustiça de sua condição e que sua voz importa. Quando ela finalmente consegue se erguer e enfrentar o sinhô, Albert fica inconformado. Como ela ousava erguer a voz contra ele? Quem ela era?

Tem tantas coisas nesse livro, tantas discussões, tantas opressões sobrepostas nas pessoas, que nem sei se dá para abordar tudo. A começar pelo racismo. A irmã de Celie vai para a África com missionários e bate de frente com as imposições que os brancos cristãos colocaram nos povos que lá residiam. Sofia sofre nas mãos dos brancos e se sente uma escrava nas mãos deles.

Temos também violência contra a mulher e as inúmeras vezes em que Celie apanhou de Albert, a forma como ele a diminuía porque não podia ter Shug Avery. Celie se descobre lésbica e apaixonada por Avery e a relação das duas cresce e evolui muito, o que não vimos no filme, que reduziu o relacionamento das duas a apenas uma cena, o que gerou inúmeras críticas na época em que foi lançado pelos movimentos negro e LGBT.

A nova edição da José Olímpio está muito bonita, com uma capa que faz referência à casa de Celie e na cor púrpura. Como Celie não sabia escrever muito bem, alguns leitores podem estranhar os erros, porém isso enriquece a narrativa, pois nos sentimos íntimos dos pensamentos da protagonista e sofremos junto com ela, aprendemos, amamos junto de Celie.

Cena da adaptação para o cinema, de 1985



Ficção e realidade
O filme A Cor Púrpura, de 1985, conta com Whoopi Goldberg como Celie. Sua atuação foi incrível, mas o filme sofreu várias críticas pela forma como reduziu o relacionamento de Shug e Celie. Enquanto no livro elas chegam a morar juntas, o filme reduziu a relação delas a praticamente uma cena e a descoberta da sexualidade de Celie desapareceu.

Ainda assim, Lupita Nyong’o, em um discurso, disse que foi por causa de Whoopi em A Cor Púrpura que ela se viu representada, se sentiu alguém, pois via uma mulher que se parecia com ela em posição de destaque, o que lhe deu esperanças e, posteriormente, a própria Lupita se tornaria uma figura poderosa de esperanças para outras mulheres. Viu só como representatividade importa?

(...) o Deus pra quem eu rezo e pra quem eu escrevo é homem. E age igualzinho aos outro homem queu conheço. Trapaceiro, isquecido e ordinário.
Ela falou, Dona Celie, é melhor você falar baixo. Deus pode escutar você.
Deixa ele escutar, eu falei. Se ele alguma vez escutasse uma pobre mulher negra o mundo seria um lugar bem diferente, eu posso garantir.

Página 227


Alice Walker

Alice Walker é uma escritora, poeta e ativista feminista norte-americana.


Pontos positivos
Celie e Shug
Bem escrito
Personagens bem descritos
Pontos negativos
Estupro
Racismo
Violência contra a mulher

Título: A Cor Púrpura
Título original: The Color Purple
Autor: Alice Walker
Tradutoras: Betúlia Machado, Maria José Silveira e Peg Bodelson
Editora: José Olímpio
Páginas: 336
Ano de lançamento: 2016
Onde comprar: Amazon


Avaliação do MS?
A Cor Púrpura não é uma história bonita, pois é uma história de violência, estupro, opressão e racismo. É uma história de auto-conhecimento, de aceitação e amor próprio. Infelizmente, muitas mulheres negras se identificam com a história de Celie, pois ela se repete ainda hoje. Ler A Cor Púrpura me ensinou muita coisa, me fez enxergar privilégios transparentes e me fez sair da zona de conforto. Um livro essencial em qualquer estante.

Até mais!

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Comentários

  1. Vi o filme. Gostei. Comecei a apreciar mesmo quando começou a resistência, como quando ela cospe no copo do marido, e mexe com o dedo para disfarçar.
    Mesmo assim, pensei na época que o afeto, o amor, foi muito rápido (embora já fosse uma grande conquista para quem nunca teve nada).
    Penso em ler o livro.

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  2. Que profundo! Estou impressionada. Apesar de ser um livro dramático, até pesado, acho interessante poder observar o mundo através dos olhos de outras pessoas. Nem sempre é algo que estamos acostumados, nem sempre é algo bonito mas se queremos transformar o mundo em um lugar melhor devemos conhecer os problemas dele. Gostei muito mesmo da sua postagem. Estou morrendo de vontade de ler o livro e assistir ao filme.
    Beijinhos ♥

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