Deep Space 9: representatividade e diversidade

Deep Space 9 é a série mais subversiva e obscura de todos os spinoffs de Star Trek. É também a única que não é situada em uma nave. A missão aqui é em uma estação espacial cardassiana, a antiga Terok Nor, depois que o bajorianos se libertaram da ocupação de Cardassia. A Federação de Planetas Unidos foi, então, convidada pelo governo provisório de Bajor para administrar conjuntamente a estação, que foi renomeada para Deep Space 9.



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Estação Deep Space 9

Deep Space 9 foge do padrão de Star Trek, o que fez muita gente torcer o nariz, inicialmente. Também houve acusações de plágio tanto do lado de Star Trek quanto do lado de Babylon 5, de J. M. Straczynski (um dos criadores de Sense8). Dizem as más línguas e os fóruns, que a ideia de DS9 foi plagiada de B5, que por falta de verbas e apoio, estreou depois de DS9. Porém, as semelhanças morrem aí. São universos completamente diferentes, com pegadas diferentes. E não havia nenhuma animosidade entre as produções, tanto que Majel Barrett Roddenberry, esposa de Gene Roddenberry, fez uma participação especial em B5, como Lady Morella e Walter Koenig interpretava o vilão, Alfred Bester recorrentemente.

Dados técnicos:

  • Tipo: estação orbital
  • Classe: Nor
  • Propriedade: Governo Provisório de Bajor
  • Operador: Milícia bajoriana e Frota Estelar
  • Status: Ativa (2376)
  • Tripulação: 300 a 2000 pessoas entre bajorianos e membros da Frota Estelar
  • Capacidade máxima: 7000 pessoas
  • Instalações de atracação: 6 docas grandes, 3 médias, 9 pequenas e 6 plataformas de pouso
  • Armamento: 48 bancos phaser (rotatórios); emissores phaser estacionários; 3 emissores móveis; 48 lançadores de torpedos, 5000 torpedos de fótons (reabastecidos em 2372)
  • Defesas: escudos defletores
  • Propulsão: propulsores de impulso
  • Massa: 10,1 milhões de toneladas
  • Tamanho: 1451,82 metros


Sua missão conjunta a Bajor era assegurar a calmaria na região depois da libertação de Cardassia e de montar guarda no wormhole que, segundo a religião de Bajor, foi construído pelos profetas e que liga ao quadrante gama da galáxia. Logo no episódio piloto, a Frota Estelar descobre o wormhole e a estação é rebocada da órbita de Bajor para mais perto dele.

Assim como Star Trek Voyager, DS9 marca uma revolução na forma como tratou diversos aspectos da raça humana, muito mal ou quase não tratados nas duas séries anteriores.

Negro no comando
Star Trek tem por tradição, desde a tenente Uhura, em mostrar negros em posição de destaque, mas até o comandante Sisko chegar à estação DS9 não havia nenhum papel fixo de comando para personagens negros na franquia. Outros personagens tinham aparecido, muito pontuais em A Nova Geração, normalmente na posição de klingons, o que sempre me pareceu estereotipado demais. Klingons são irascíveis, agressivos, levam a honra acima de todas as coisas, mesmo mantendo um império tão vasto como aquele.


O comandante Sisko, emissário dos profetas dos bajorianos, nasceu em Nova Orlens, sul dos Estados Unidos, um lugar conhecido pela segregação racial, em especial nos anos 50 e 60. Mesmo que na sociedade de Star Trek isso não exista mais, ter um personagem que represente essa região é de extrema importância para a representatividade. Quantos garotos viram o comandante Sisko e pensaram que eles também podiam ser quem quisessem ser, assim como Uhura foi capaz de inspirar tantas meninas?

Sisko é viúvo, cuida sozinho do filho e guarda certa mágoa do capitão Picard pela batalha de Wolf 359, onde sua esposa morreu. Ele foi encarregado de comandar uma estação em um lugar que é praticamente um barril de pólvora, onde diversas culturas colidem, nem todas amistosas, como os cardassianos. Foi necessária muita diplomacia e pulso firme para não desandar a situação já bastante tensa entre Cardassia e Bajor. Sisko não apresenta os irritantes estereótipos que muitos personagens negros carregam, como o de ser o alívio cômico dos enredos.

A guerrilheira
A ocupação de Cardassia em Bajor foi longa, violenta e quando os cardassianos deixaram DS9, fizeram questão de destruir tudo pelo caminho como retaliação. Bajor estava livre dos algozes, mas ainda tinham que reconstruir e curar muitas feridas. O comandante da estação seria um humano, mas a segunda pessoa em comando seria uma bajoriana. Coronel da milícia contra Cardassia e sobrevivente da ocupação, Kira era considerada uma terrorista por Cardassia e por muitas vezes vemos esse lado aflorar através de seus contatos e conhecimentos do submundo.


Cansada de todos os abusos que viu na infância, ela se juntou à resistência bajoriana e tornou-se uma importante aliada de Sisko para comandar a estação. Nerys é forte, pragmática, mas apresenta um lado que poucas vezes vimos em Star Trek: a fé. Os bajorianos são profundamente religiosos e crentes nos Profetas e Nerys não é diferente. Major Kira não é só forte por ser forte porque a série dita isso. Ela precisou endurecer e se tornar forte após toda uma vida lutando pela liberdade de seu povo e de seu planeta. Sua personalidade foi moldada através de tantas tragédias pessoais o que a tornou uma das mulheres mais fortes da ficção científica.

A sociedade bajoriana é baseada na igualdade de gêneros, o que é ótimo de se ver. Nerys se relaciona abertamente, não tolera insultos e abusos e tem laços muito fortes de amizade com aqueles que lhe são próximos. Ela é passional e inteligente e indispensável para o bom andamento da estação. E quando ela carrega o bebê de Keiko e chefe O'Brien, o parto é humanizado, algo que nunca vemos na FC.

Simbionte
Toda série de Star Trek precisa de seu oficial de ciências e aqui temos uma que é simplesmente incrível. Não apenas por sua inteligência e conhecimento, mas por sua história de vida. Jadzia é uma trill, uma espécie que é caracterizada pela capacidade de se unir a um simbionte. O processo é longo para a aprovação de um novo candidato, mas Jadzia se une a Dax, um ser sem gênero que se manifesta como um ser sexuado por meio de seus hospedeiros. Uma vez que Jadzia é uma mulher (da espécie trill), a personagem é, de maneira geral, uma figura feminina. Mas os estereótipos caíram todos aqui.


O velho Curzon Dax, antigo hospedeiro, era um grande amigo de Sisko, portanto ele chama Jadzia de "meu velho" por toda a série e os dois estabelecem conversas como se fossem dois caras numa mesa de bar. Dax adota o gênero do hospedeiro, mas muitos sentimentos seus permanecem, como o amor por Kahn. Os hospedeiros anteriores, Torias Dax e Nilani Kahn, foram casados e se reencontram na estação como Lenara Kahn e Jadzia Dax. O episódio do beijo entre as duas causou um furor na audiência conservadora norte-americana, que quis até mesmo boicotar a série.

Curzon Dax foi o responsável por diversos tratados entre humanos e Klingons, por isso Jadzia também apresenta um grande interesse pela cultura Klingon, o que a faz se apaixonar por Worf. O que é mais interessante em Jadzia foi a forma de trabalhar a transexualidade sem estereotipar negativamente a personagem, trazendo discussões que, até então, Star Trek nunca teve. Podemos extrair até mesmo momentos em que ela se apresenta como genderfluid, que ST nunca se aprofundou. Por ser uma personagem que já teve outras sete vidas, a experiência e o conhecimento de Dax são imensos.

O transmorfo
Odo é um dos mais espetaculares personagens de Star Trek. Ele adquire a forma de qualquer objeto ou ser vivo que deseje, pois é um transmorfo. Foi encontrado próximo a Bajor e levado ao Instituto de Ciências para ser estudado pelo doutor Mora Pol. Como não foi reconhecido como uma forma de vida senciente, ele foi submetido a vários testes dolorosos, até que Odo conseguiu formar um tentáculo para atacar Mora Pol. Só assim o cientista teve noção de que lidava com um ser vivo consciente.


Odo era um dos cem transmorfos enviados pela galáxia e deveria voltar para casa apenas no século XXVII. Imitando a forma humanoide de seu preceptor, Odo se ressentia dos experimentos a ele induzidos e durante a ocupação de Cardassia, ele acaba na estação, onde é recrutado por Gul Dukat para investigar um assassinato. Isso o levou a ser o chefe de segurança da estação ainda sob a ocupação cardassiana e permaneceu quando a Frota Estelar entrou.

É interessante pensar como Odo (que vem da palavra cardassiana Odo'ital, que quer dizer "nada") imita as maneiras e trejeitos dos humanoides ao redor, até mesmo a heterossexualidade, pois nutria um amor secreto por Kira Nerys. Star Trek aqui poderia ter tratado Odo de maneira neutra ou até mesmo assexuada até que ele encontrasse seu povo novamente. Digo que imita a heterossexualidade, pois seu povo não tem masculino e feminino. A imitação poderia ser até mesmo compulsória ao ver o comportamento dos bajorianos e cardassianos ao seu redor.

A cada 18 horas, Odo precisa voltar para seu estado líquido para se regenerar e pode "trocar" experiências com outros transmorfos. Odo também nos faz questionar o conceito de humanidade. Ele não precisa comer, nem beber, nem excretar substâncias, não possui um cérebro. Não podemos classificá-lo como humano, mas não podemos desclassificá-lo como forma de vida inteligente e consciente por causa disso. São muitas as discussões sobre a vivência de Odo.

O capitalista alienígena
Star Trek não é nem um mundo socialista ou comunista, tampouco é um mundo capitalista. Na verdade, ninguém tem bem certeza como a economia de ST funciona e já discutimos isso no Anticast e no Holodeck. Assim como várias discussões podem ser feitas sobre fé, transexualidade e humanidade entre os personagens, Quark pode ser discutido como uma estereotipação do capitalismo ao seu extremo. A Aliança Ferengi é considerada neutra para a Federação, mas apenas para poderem mudar de lado quando for conveniente.

Odo

Os Ferengi são motivados por lucro, algo que não motiva mais a raça humana. Eles são cruéis com as mulheres, que não podem ter nada, nem mesmo têm o direito de se vestir. Costumam ser atrapalhados, apesar de tudo, sendo o alívio cômico da série, mas isso não nos impede de reconhecer o capitalismo desenfreado ali. Eles não se importam com as consequências, desde que lucrem. Possuem um guia para a vida, que são as Regras de Aquisição, que substituem qualquer livro religioso. Quer crítica mais deslavada ao capitalismo do que isso?

Quark é um alívio cômico na série que trata de tantos temas. Responsável pela área recreativa da estação, junto de seu irmão e de seu sobrinho, é interessante ver quantas vezes seus desejos de obter um lucro exorbitante se batem de frente com a filosofia da Federação e, especialmente, da Frota Estelar, já que os humanos não veem no lucro um fim. É como jogar a mentalidade da Frota estelar de frente para a mentalidade atual e ver o que acontece.

O ser geneticamente superior
O médico da estação nos traz uma grande crítica ao capacitismo. Julian Bashir não era tido como uma criança muito esperta. Pequeno, tacanho, de desenvolvimento muito lento, seus pais o submeteram a um tratamento genético intenso que ressequenciou seu DNA e também seus padrões neurais. Nascia ali um novo Bashir, mais inteligente, mais rápido, mais ágil, mais esperto. Depois de se formar e de se alistar na Frota Estelar, ele buscou cada posto remoto que pode encontrar na galáxia. Julian se interessava pela verdadeira medicina de fronteira, a medicina de campo, a mais rudimentar possível.

Doutor Bashir

Star Trek não tem apelo por pessoas geneticamente modificadas nem pelo transhumanismo. As pessoas são mostradas "o mais natural possível". Quando envolve genética humana, todas as vezes são mostradas tragédias. Basta ver o caso de Khan, que era geneticamente superior, mas um lunático. Bashir encontra outras pessoas que tiveram a genética mexida e todos eles são considerados pirados.

Pessoas com deficiência sempre tiveram lugar no universo de Star Trek, mas parece que uma cura genética ou mexer com a genética das pessoas é algo que eles criticam ferozmente. Os pais de Bashir pensaram no melhor do filho, ou apenas não o aceitavam da maneira que era? Em uma sociedade igualitária como a de ST, ele não teria lugar? Se nos fosse dada a oportunidade de mexer na genética de crianças autistas, isso seria ético? Em que ponto a benevolência muda para capacitismo?


Se nunca assistiu Deep Space 9, por favor, está perdendo tempo! Corra! Se já assistiu, bora ver de novo?

Até mais!

Comentários

  1. Adorei (muito e com muita empolgação e me segurando pra não colocar trinta exclamações)! DS9 é possivelmente meu spinoff favorito de Star Trek. Tenho uma grande empatia por todos os personagens e é difícil escolher um favorito. Avery Brooks é um baita ator e me fez eu me emocionar mais de uma vez; o Quark é tão horrível que é impossível não gostar dele; e quem não quer ser Jadzia Dax?! Gostaria que as pessoas se interessassem mais por Star Trek, é uma experiência que muda a nossa visão sobre o mundo e sobre como o futuro não precisa ser tão distópico. Obrigada por essa postagem!

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  2. DS9 é uma das minhas séries favoritas, justamente por quebrar as expectativas do que se esperava de um produto da franquia Star Trek: é sombria (a começar pelo cenário, uma estação mal iluminada), personagens mais complexos, e lida com a questão da fé e espiritualidade na figura do Sisko.

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  3. Não posso dizer que DS9 é minha série favorita, porque todas as cinco são minha favoritas. Mas DS9 aborda assuntos mais profundamente do que as outras. Tenho visto na tv a cabo as primeiras tres temporadas, e as restantes acompanho pela internet.
    Parabéns pelo post tão completo
    Vida Longa e Próspera!

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