Uhura, as mulheres e a ficção científica

A oficial-chefe de comunicações das naves USS Enterprise e USS Enterprise-A tem uma importância vital para a ficção científica e para a representatividade tanto de mulheres quanto de negros. Em plenos anos 60, momento de intensa segregação social e racial, onde o sonho americano para mulheres era ser dona de casa e mãe (e isso para brancas), uma mulher negra era oficial de uma nave estelar. Não se pode diminuir a importância desta personagem na ficção científica e para uma geração de mulheres que se seguiu.


Arte de Moira Murphy.





Nyota Uhura, interpretada por Nichelle Nichols, é um símbolo dentro de Star Trek e da ficção científica. Uhura vem da palavra Swahili 'uhuru', que quer dizer liberdade. Como parte do mundo futuro de Star Trek, onde as diferenças entre as pessoas tinham caído, a presença de uma negra na ponte de uma nave estelar em plenos anos 60 foi uma revolução para a TV e para a representatividade. Se não fosse pela insistência de Martin Luther King, que pediu para que Nichelle continuasse na série, pois ela não sabia da importância que tinha na tela, sua participação teria sido bem curta.

Gene Roddenbery tinha uma visão de um futuro onde as mazelas sociais acabaram. Então, nada mais lógico, que uma nave espacial que tem por missão investigar os confins do espaço nesta nova sociedade seja plural e que represente a raça humana. Claro, ainda temos um trio de homens brancos, cis e hetero no comando - Kirk, McCoy e Spock - mas temos uma negra como oficial, um russo (em plena Guerra Fria) e um oriental. Star Trek ainda representa um entretenimento e uma ficção científica baseada nas visões de homens brancos, cis e heteros.

Uma mulher seguindo carreira numa nave espacial é uma mensagem às mulheres da época. Era um sinal que elas poderiam deixar de lado as tarefas domésticas, os filhos e o marido e poderiam ser independentes e chegar onde bem quisessem. O beijo de Uhura e Kirk - o primeiro beijo inter-racial da TV - também dizia que seus corpos lhes pertenciam e que elas poderiam sair e beijar quem quisessem e ainda serem especialistas em xenolinguística. Star Trek inovou em mostrar esse futuro sem as barreiras raciais, coisa que muitas outras ficções científicas por aí não fizeram, nem fazem.

Séries seguintes como Mulher Maravilha e Mulher Biônica também mostravam mulheres na posição de protagonistas, combatendo bandidos, limpando as ruas de inimigos. Elas representavam, assim como Uhura, uma oposição às ideias patriarcais e à estrutura dominante utilizando-se de metáforas especulativas. No entanto, ainda eram poucas diante de todo um cenário dominado por homens, tanto na literatura quanto na TV e nos cinemas mesmo com toda a importância que tiveram em gerações de jovens mulheres.

Enquanto que no cinema, no final dos anos 70 e começo dos 80 desponta com personagens como Ellen Ripley e Sarah Connor, a representatividade feminina na televisão ainda era precária e estereotipada. A TV só teria outras mulheres de destaque com o lançamento de Star Trek A Nova Geração, tendo mulheres na ponte de comando, na enfermaria, no bar panorâmico, agentes atuantes nos enredos. Novamente, contudo, temos um comando com homens cis e heterossexuais e uma conselheira Troi sexualizada, com roupas marcantes e sensuais.

Mas o legado de Uhura foi atendido. Por conta da personagem, quantas meninas, especialmente negras, se sentiram incentivadas a procurar carreira fora do ambiente doméstico? A impressão que Uhura deixou foi tão forte que a NASA contratou Nichelle Nichols para incentivar que grupos minoritários se candidatassem ao treinamento para astronautas e inspirou Mae Jamison a ingressar no programa, o que a tornou a primeira negra a voar no ônibus espacial.

Muita gente se pergunta porque nós reclamamos tanto da má representatividade feminina na TV, no cinema e na literatura. Se ao vermos o papel que Uhura representou para tanta gente, como ela influenciou mulheres, há como questionar o quão poderosa foi sua mensagem ao aparecer como oficial da Enterprise? Acho que não dá para questionar também que há um lapso imenso na representatividade de negras em vários segmentos. Uhura foi um passo inicial, mas a jornada deve continuar.



Até mais!

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