Em defesa das distopias

Um dos gêneros mais trabalhados na ficção atualmente, se não o mais trabalhado, é alvo de críticas por parte de muita gente. Com a invasão das livrarias por distopias adolescentes, o domínio quase que completo do cinema por elas, quando não são super heróis, deixa muita gente inquieta, pois parece que os autores perderam a mão e não sabem mais escrever sobre mundos positivos para a raça humana. Mas há quem defenda os universos distópicos.





Leia também: O que é distopia?


A principal crítica das pessoas é que as distopias estão deixando a sociedade com medo do futuro. Isso nos deixaria imediatistas, temerosos, com medo do que a ciência e a tecnologia mal empregadas possam fazer o mundo que ainda virá. Temos aí grandes exemplos de distopia mais clássica como Fahrenheit 451, Admirável Mundo Novo, 1984 e das mais recentes como Jogos Vorazes, Divergente, entre tantos outros enredos distópicos que não dão uma visão bonita do que o futuro nos reserva.

Mas devemos sempre pensar que estas obras servem de alerta. Digo e repito quantas vezes for necessário, ficção científica não tem a menor obrigação de prever o futuro, nem de inventá-lo. Ray Bradbury ainda diria que devemos evitá-lo. Já vi muita gente diminuir livros por puro preconceito, escondendo-se atrás da falsa premissa de que ficção científica tem que prever o que acontecerá no futuro. FC não é vidente, é um gênero literário, de cinema e de TV. Sua função é entreter, maravilhar, criticar.

Por causa desse pessimismo que tomou conta da produção artística de FC, surgiu o Hieroglyph: Stories & Visions for a Better Future, uma antologia que visa apenas contos positivos sobre a raça humana. É uma tentativa de produzir algo diferente, que nos coloque em uma situação melhor do que em muitas outras obras. Infelizmente, muita gente não entende obras distópicas. Elas parecem não ser capazes de suspender a descrença e olhar para o mundo de Tris ou de Katniss e enxergar as similaridades em crítica com Admirável Mundo Novo.

No entanto, se olharmos a influência para a cultura de Star Wars, de Star Trek, de Asimov e seus robôs, quem nos garante que as distopias não estão prevendo um futuro que, certamente devemos evitar? Em 1984, temos um mundo de controle excessivo sobre nossas vidas por parte da mídia e do governo. Hoje, qualquer tentativa de controle de privacidade ou de invasão delas, como o roubo de informações por agências de espionagem, já revolta as pessoas. Poderia ser uma influência da obra icônica de George Orwell.

Assim como Gattaca e Admirável Mundo Novo, mostrando os horrores do controle genético da população, subordinada ao que seus genes as deixam fazer ou não de suas vidas, podando sonhos e podando futuros. Em 2008, o Congresso norte-americano aprovou o GINA, Genetic Information Nondiscrimination Act, que diz que ninguém deve ser discriminado, impedido de estudar ou trabalhar, com base em seu perfil genético. Em um mundo de Gattaca, Angelina Jolie poderia ter sido relegada a funções bem menos glamourosas do que ser uma atriz e ativista, devido ao gene para câncer de mama que carrega e que a fez optar pela dupla mastectomia.

Homeland é também uma forma de distopia que nos avisa sobre o futuro imediato, o risco de termos terroristas e convertidos por terroristas, capazes de entrar em territórios, como lobo em pele de cordeiro. Todos temos acompanhado a ascensão do Estado Islâmico e o risco aos direitos humanos que ele traz por suas ideias fundamentalistas e fanáticas. Alertas como os citados acima, embalados em um pacote distópico, às vezes extrapolado ao máximo, são feitos para que possamos enxergar os excessos, vislumbrar o que poderia ser próximo de nosso futuro se uma situação como essa se concretizar.


Não devemos abandonar o futuro. Devemos imaginá-lo melhor, mas temos que alertar também. Ignorar as mensagens passadas pelas distopias, sejam as clássicas ou as juvenis, é fechar os olhos para o que pode vir a ser nosso mundo. Mundos melhores podem ser sempre almejados e trabalhados, mas não devemos descartar toda a produção distópica e seus enredos por medo e ignorância. Afinal, era isso que fazia os livros pegarem fogo, de acordo com Bradbury.

Um dos grandes papéis da ficção científica é preparar as pessoas para aceitar, sem dor, o futuro e para encorajar a flexibilidade da mente.

Arthur C. Clarke

Até mais!

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