Por que meninas na escola assustam tanto?

O mundo vem acompanhando há algumas semanas o desenrolar dos acontecimentos na Nigéria depois que o grupo terrorista fundamentalista islâmico Boko Haram sequestrou mais de 200 meninas. A alegação do chefe do grupo é que meninas não precisam estar na escola, elas têm é que se casar e disse que as venderia para países como o Chade e o Sudão para se casarem. Isso prova o que Malala Yousafzai estava certa ao afirmar que o que mais assusta um fundamentalista é uma menina com um livro na mão.




Noite de 14 de abril. Homens armados do Boko Haram invadiram a Escola Secundária para Meninas do governo nigeriano, na cidade de Chibok, levando 234 meninas para uma região remota do país, na fronteira com Camarões. Membros de comunidades do interior da Nigéria disseram que o grupo estava conduzindo casamentos em massa, usando as meninas como esposas, porém muitos temiam que elas fossem usadas como escravas sexuais. O preço destas meninas girava em torno de 12 dólares.

Segundo a Anistia Internacional, o Boko Haram matou, pelo menos, 2300 pessoas desde 2010. Mas para o povo da Nigéria, as ações do grupo não são novidade. No mesmo dia em que as meninas foram sequestradas, o Boko Haram promoveu um ataque à bomba na capital do país, matando pelo menos 75 pessoas. Em 2012, os Estados Unidos destinaram 20 milhões de dólares para o país para reforçar o efetivo das forças armadas, para melhorar e fortalecer as instalações forenses e de polícia e para incentivar a investigação de ataques terroristas.


Desconsiderando a cegueira da mídia mundial, que levou semanas para dar uma atenção efetiva ao caso bárbaro, temos que nos perguntar: por que a educação de meninas é um assunto tão polêmico em alguns lugares do planeta? Todo o mundo acompanhou a luta de Malala depois de levar um tiro na cabeça apenas porque queria estudar e incentivava as amigas a fazerem o mesmo em um território que subjuga mulheres e as considera propriedades dos membros masculinos da família. Mas foi preciso Malala quase morrer para que o mundo voltasse suas atenções para o assunto.

Sequestro, exploração sexual, tráfico de mulheres, violência contra mulheres e meninas, e crianças em geral, feminicídio, transcendem as fronteiras dos países e têm se tornando endêmicas em algumas regiões do mundo. Em alguns casos, toma-se como tradição a opressão do gênero feminino e muitas vezes os casos que ouvimos acabam passando como coisa "normal". E educação é algo visto como um mal para muitos grupos extremistas, que acabam com a vida e os sonhos de meninos e meninas. Meninos são mortos, como o Boko Haram fez no começo do ano ao cortar as gargantas de 29 meninos numa escola e depois tacaram fogo nela, ou então são sequestrados para reforçarem as fileiras de combatentes terroristas. Meninas são impedidas de estudar, ameaçadas de morte ou sequestradas e usadas como escravas sexuais e esposas. Em alguns casos, elas são baleadas ou têm seus rostos desfigurados por ácido a caminho da escola.


Estima-se que, atualmente, 77 milhões de meninas estejam fora da escola. Metade delas está na África sub-saariana e 1/4 no sudeste asiático. Mais números:

  • 250 milhões de moças vivem na pobreza e quando fundos de desenvolvimento são alocados, somente 2 centavos são destinados à educação delas;
  • Crianças cujas mães tiveram educação formal tem duas vezes mais chances de viver até os 5 anos de idade;
  • Países pobres perdem 92 bilhões de dólares por ano por não educarem suas meninas;
  • Em 2008, 796 milhões de adultos no mundo alegaram não ser capazes de ler e escrever. Dois terços (64%) eram mulheres;
  • 1 em cada 3 mulheres reportou ter sofrido violência por serem mulheres;
  • Entre 1,5 a 3 milhões de mulheres e meninas morrem todos os anos por violência de gênero;
  • Existem 33 milhões de meninas a menos nas escolas do que meninos;
  • Mães escolarizadas vacinam seus filhos e os matriculam nas escolas;
  • Uma moça recebe 20% a mais quando adulta para cada ano adicional de educação que receber;

A escolarização das meninas teve início na Europa, após a Contra‐Reforma, por razões essencialmente religiosas. Para a leitura individual da Bíblia, exigência fundamental estabelecida por Lutero e Calvino, cada fiel deveria ter, desde a infância, um mínimo de instrução. Calvino, na Suíça, era um fervoroso defensor da escolarização e Lutero implorava pela manutenção de escolar cristãs.


No Brasil, a educação ficou na mãos dos jesuítas. As meninas eram educadas em casa para serem prendadas, pois a educação formal era voltada para os homens. No máximo, a mulher recebia uma educação na catequese, o que deixou os indígenas curiosos, tanto que eles foram solicitar ao Padre Manuel da Nóbrega que as meninas indígenas tivessem acesso ao ensino formal. A rainha de Portugal, D. Catarina, negou o ensino às meninas, devido às "consequências nefastas" de se dar muita educação aos "selvagens". Nem mesmo na metrópole, no século XVI existiam mulheres alfabetizadas, então como que em uma colônia de exploração os incultos teriam esse privilégio?

Na época, mulheres solteiras e mais velhas costumavam ser enviadas para conventos, onde era comum terem noções de matemáticas e das letras, o que, no entanto, não atraía o olhar da elite e, portanto mulheres seguiram sendo educadas para serem mães e esposas. No período de 1758-1870 temos uma maior inserção das meninas ao ambiente escolar com as reformas pombalinas. Apesar de ainda serem separadas por gênero, é neste momento em que se abre um mercado para o público feminino: o magistério. A tradição se manteve até os dias de hoje, onde vemos que na classe de professores no Brasil, a maioria ainda se constitui de mulheres.

A primeira legislação específica sobre o ensino primário, após a independência do país, foi a lei de 15 de outubro de 1827, conhecida como Lei Geral, que padronizou as escolas de primeiras letras no país, porém discriminando as mulheres. Elas não aprendiam todas as matérias ensinadas aos meninos, principalmente as consideradas mais racionais como a geometria, e em compensação deveriam aprender as "artes do lar", as prendas domésticas. Ainda hoje se tem a ideia ridícula de que mulheres são menos aptas às áreas exatas.


O Boko Haram alega que a educação ocidental é um mal a ser combatido. Outros grupos extremistas também vêem a educação como algo nefasto. E não é preciso pensar muito para entender o porque. Não existe uma força transformadora mais importante do que a educação. Países pobres e controlados por regimes totalitários sabem que meninas educadas têm menos filhos, que são capazes de reduzir a miséria através de um emprego remunerado. Além disso, o trabalho formal tem um incremento na economia. Um bom exemplo de como a educação de meninas muda uma nação é Omã. Nos anos 60 o país era um dos mais atrasados do mundo. Não tinha televisão nem rádios, que foram banidos, diplomatas e nenhuma menina ia à escola. Era um país irmão do Iêmen.

Na década seguinte, o filho do sultão depôs o pai e reformou o país. Modernizou a educação, criando escolas e trazendo as meninas para as salas de aula. Desde a primeira série, as crianças têm aulas de inglês e computação. Mulheres competem por suas escolas, ganham bolsas de estudos e não pensam em casamento tão cedo, como aconteceu com suas avós. Hoje Omã é um dos países mais desenvolvidos do Oriente Médio, bem longe da realidade do Iêmen, que continua negando educação às mulheres e casando meninas. Mas só educar não basta. Se as mulheres não tiverem independência, não forem emponderadas, o país permanecerá com as garras firmes no passado, como a Arábia Saudita onde mulheres não podem dirigir.


Ao invés de gastar bilhões de dólares com drones, tropas, mísseis e tanques, ao invés de dar dinheiro para incrementar tropas e comprar armamento, por que não se investe na educação de meninas, ajudando-as a comprar uniformes, lápis, cadernos e livros e assim reduzir a miséria de tantos países? Imagine quantas meninas teriam sido beneficiadas pela educação formal com os mais de 800 bilhões de dólares gastos com a guerra no Iraque? Onde está o fundo de 2 bilhões de dólares que Obama prometeu criar para financiar a educação em países em desenvolvimento? Essa é a melhor maneira de se reduzir a pobreza e a miséria do mundo. Queremos as meninas de volta? Sem dúvida. Mas elas devem permanecer na escola. Assim como outras pelo mundo. Educar e emponderar nossas meninas cria mulheres independentes, livres dos mandos e desmandos de uma sociedade patriarcal, o que causa o terror sentido pelo Boko Haram.

O vídeo abaixo mostra o problema que meninas enfrentam para estudar ao redor do mundo.




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