Falou em livro inspirado no Antigo Egito, eu já estou mergulhando de cabeça. Então, quando esse aqui apareceu no meu radar, corri pra ler. O exótico reino de Khetara parece pacífico e harmonioso em uma olhada superficial, mas tensões começam a borbulhar, prestes a irromper de maneira violenta!
O livro
O reino de Khetara parece bastante tranquilo na superfície. Principalmente para quem vive na capital e no palácio, o mundo parece uma grande festa exótica. Mas rumores de uma doença misteriosa do faraó e sussurros de rebelião rondam os corredores. Nos desertos ermos, longe dos grandes centros urbanos, um oráculo esquecido pelo tempo está prestes a se revelar, o que desencadeará uma profecia sombria, capaz de reunir quatro completos desconhecidos.
Não é possível iluminar um lado de uma coisa sem provocar sombras no outro.
A narrativa começa com um nascimento regido pelas deusas de trigêmeos reais e é dividida em quatro pontos de vista. Isso pode incomodar quem espera somente um protagonista, mas acredito que era importante conhecermos esses personagens e entender porque todos eles estão aparecendo, afinal eles estão envolvidos na poderosa profecia. Entre eles temos a mimada princesa Sitamon, que acaba se vendo parte de uma terrível conspiração. Seu conhecimento sobre o mundo se reduz ao que ela pode ler nos papiros da biblioteca real.
Karim, um dos personagens que mais gostei, não é originário de Khetara e sim das Terras Vermelhas, no deserto. Para sobreviver, ele saqueia tumbas em busca de itens valiosos que possa vender para sustentar a família. Sabemos pelos exemplares encontrados nas tumbas de Tutancâmon e de Psusenés I que o Egito Antigo enchia suas tumbas com bens de valor inestimável, o que era um chamariz para qualquer ladrão de tumbas. Só que Karim tromba com a tal profecia e com um grande mal ancestral que aguarda seu momento para retornar. Acredite em mim, as cenas de Karim fugindo desse mal foram bem assustadoras.
Neff é uma jovem, filha de um comerciante que vendia feitiços no mercado. Mas depois que ela tem uma visão durante a procissão da deusa Bast, ela acaba se tornando uma sacerdotisa em treinamento, que luta para entender as intensas visões que recebe dos deuses, embora a magia deles não seja a única coisa em ação no grande templo. Ela se vê metida nas conspirações reais, enquanto sofre para se encaixar neste novo mundo de lições e silêncio. Ainda que Neff seja mesmo bastante jovem, ela acaba demonstrando uma sabedoria que falta em alguns dos personagens.
E por fim temos Rae, filha de um fazendeiro, que tiram seu sustento da terra e do rio. Só que eles moram numa das cidades que se levantou contra o faraó e que lutou para não ser anexada ao Grande Khetara. O que obviamente não deu muito certo. Assim, a fazenda de Rae e de seus vizinhos sofrem com o aumento constante de impostos do faraó. Eles são obrigados a dar mais da metade de sua produção, o que revolta não só Rae, como seus amigos e vizinhos. Rae é uma personagem fabulosa. É forte, é leal, tem um profundo senso de dever com seu povo e sabe que ficar sem fazer nada é o mesmo que colaborar com aqueles que os oprimem.
Como esta é uma trilogia, este volume acaba sendo bem introdutório, mas nem menos vibrante. Isso nos dá tempo de conhecer o contexto político e social e de conhecer os protagonistas. Me conectei rapidamente aos personagens e queria logo saber o que ia acontecer com eles, se eles iam se encontrar, se trabalhariam juntos. De certa maneira, os caminhos de todos se encontram neste volume, o que é um alento, porque o segundo volume só será publicado ano que vem.
A autora soube trabalhar muito bem com os termos egípcios, o que torna a leitura bastante detalhada. Ela poderia ter usado saia ou saiote, mas usa o original shenti. Ela poderia ter usado quilos, mas usa heqat como medida para grãos e cerveja e ainda descreve corretamente o uso do cajado e do mangual, dois símbolos do poder faraônico no Antigo Egito. Isso mostra que a autora fez a lição de casa e mergulhou no universo do Egito para dar vida a um mundo fictício, mas fortemente arraigado na realidade. Isso reforça as peculiaridades daquela cultura e enriqueceu muito a narrativa.
Amei como os mitos reais foram usados, como os deuses são retratados e como fazem parte da base da mitologia do livro, mesmo com as mudanças pelas quais a religião passou no Antigo Egito e como os centros de culto se deslocavam para outras cidades dependendo de qual deus era o mais importante no momento. Há tantos detalhes que poderiam passar despercebidos, mas se alguma historiadora ou egiptóloga ler o livro, não vai se decepcionar. Logicamente, esta é uma obra de ficção, então algumas coisas sofreram adaptação moderna.
Khetara permanece grande, em parte, porque mantém seus demônios e seus fracassos escondidos nas sombras.
O livro conta com mapas no começo, além de glossário para poder navegar em tantos termos egípcios diferentes. A edição está muito bem traduzida por Ivanir Calado e encontrei alguns errinhos de revisão, que não chegam a prejudicar a leitura.
Obra e realidade
Michelle Jabès Corpora é filha e neta de egípcios e cresceu com imagens em sépia de seus parentes no Cairo ou visitando ruínas egípcias. Ela devorava livros sobre o Antigo Egito e pareceu bem natural que um dia ela viesse a mergulhar em um mundo de fantasia inspirado nele. Em seu livro, os deuses andam entre os mortais, profecias são sussurradas e destinos se cruzam em linhas mágicas que cruzam os desertos, as cidades e os templos.Khetara é um nome bem próximo de Kemet (𓆎 𓅓 𓏏𓊖) ou km.t, nome pelo qual o Antigo Egito era conhecido e chamado pelos egípcios e quer dizer "terra negra", muito provavelmente em referência à terra fértil nas margens do rio Nilo, em oposição a deshret (⟨dšṛt⟩), ou "terra vermelha" do deserto.

Michelle Jabès Corpora é uma escritora, editora e artista marcial norte-americana.
PONTOS POSITIVOS
Inspirado no Antigo Egito
Personagens bem construídos
Construção de mundo
PONTOS NEGATIVOS
Pode ser lento em algumas partes
Preço
Inspirado no Antigo Egito
Personagens bem construídos
Construção de mundo
PONTOS NEGATIVOS
Pode ser lento em algumas partes
Preço
Avaliação do MS?
Foi uma incrível jornada! Com quatro protagonistas carismáticos, intrigas políticas e um mal ancestral caminhando pela terra, nós temos um enredo que vai te segurar na leitura até altas madrugadas. Mesmo quando ele dá uma desacelerada, vale à pena continuar. Quatro aliens para o livro e uma forte indicação para você ler também!
𓋴 𓇌𓅲 𓃭𓄿𓏏𓂋!
Já que você chegou aqui...

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