Resenha: A linguagem dos dragões, de S.F. Williamson

A onda literária dos dragões veio mesmo para ficar. Admito que esse foi o motivo que me atraiu para este livro aqui, mas temia que fosse uma fantasia tipo medieval, com uma protagonista fogosa como aquela que vemos em Quarta Asa (elas até tem nomes parecidos). Felizmente, não é o que acontece aqui! O livro exalta a linguagem e a importância de um profissional muitas vezes invisibilizado: o tradutor.

O livro
Vivien Featherswallow é uma jovem estudante em uma Inglaterra fortemente dividida em classes. Vamos percebendo por detalhes que esta é uma nação distópica, como quando a protagonista precisa deixar bem visível a fita que diz que faz parte da segunda classe e o medo de cair para a terceira caso não tenha boas notas. Suas preocupações são com o jantar naquela noite e com a vaga de aprendiz que pode assegurar seu futuro. E sua irmã mais nova, Ursa.

Resenha: A Linguagem Dos Dragões, de S.F. Williamson

Controlar línguas, controlar palavras, significa controlar o que as pessoas sabem.

A nação é abalada por convulsões sociais enquanto Vivien apenas vive sua vida. Rebeldes tentam derrubar o governo ou é isso o que o governo diz. Uma coisa de que gostei muito nesse universo é que não estamos em uma fantasia medieval. Essa é uma Inglaterra de 1923, com alguns avanços tecnológicos interessantes, mas que convive com dragões. É um período que na nossa realidade é pós-Primeira Guerra, mas aqui é pós uma guerra contra dragões, seguido de um tratado de paz que não parece muito robusto para os dois lados.

A grande noite do jantar que poderia mudar a vida de Vivien para melhor realmente mudou sua vida, mas para pior. Seus pais foram presos, junto de seu primo Marquis, sob a acusação de colaborarem com os rebeldes. Vivien e Ursa ficam sozinhas em uma casa escura. E em um ato de desespero, Vivien decide eliminar qualquer prova que os incrimine, ainda que ela ache que são todas falsas, ao libertar uma dragoa que vive na biblioteca local. Esse ato acaba por desencadear uma série de eventos que farão o país entrar em ebulição e mandam Vivien para a prisão.

É difícil não comparar com Quarta Asa, que é a nova sensação do momento, mas gostei muito da maneira como os dragões aqui interagem e como estão representados. As pessoas os temem, é claro, por serem grandes e poderosos. Entretanto, eles não são uma unidade. É possível perceber que existem dragões apoiadores do tratado de paz, fiéis à rainha dos dragões e existem aqueles que não concordam com isso e são rebeldes. E existem os dragões búlgaros que causaram uma chacina na Bulgária, razão pela qual a família de Vivien precisou se mudar.

Aliás, durante a leitura, é possível se irritar com essa garota diversas vezes. Vivien é ingênua, apesar de inteligente e fluente em seis línguas dracônicas. Ela acredita que o sistema de classes é bom pras pessoas, defende a primeira-ministra e o tratado de paz, mesmo que algumas rachaduras nessa fachada de grande nação pacífica e unida apareçam e ela não perceba. Viagens para o exterior são proibidas, dragões foram demitidos e trocados por humanos em várias funções, propriedades de dragões foram confiscadas por humanos e a lista continua.

Além de inteligente e ingênua, Vivien também se sente uma pessoa ruim pelo que aconteceu com a melhor amiga, Sophie, que acabou rebaixada para a terceira classe. O choque de realidade acontece de verdade para Vivien quando ela vai trabalhar em Bletchley Park, na esperança de descobrir um código secreto dos dragões, com outros degenerados e inteligentes adolescentes. Vai rolar paquera, mas já adianto que o que brilha mesmo é a inteligência de Vivien na decifração de códigos e em como a carreira do tradutor é enaltecida durante a leitura.

A leitura correu muito bem do começo ao fim. Existem alguns pontos baixos, é claro. Os outros colegas de Vivien em Bletchley Park não são tão bem descritos assim, tirando um ou outro. Gostaria que ela tivesse se aprofundado melhor neles. As personagens femininas são destaque na narrativa, incluindo a primeira-ministra, de longe a vilã mais odiosa do livro.

- Não tenho o menor interesse em debates políticos...
- Só porque você é privilegiada o bastante para não precisar se preocupar com eles.

A tradução de Carlos César da Silva está ótima e o livro tem alguns errinhos de revisão, mas que não chegam a atrapalhar a leitura.

Obra e realidade
Se você não reconheceu o nome Bletchley Park, deixe eu explicar: é uma antiga instalação militar secreta localizada em Bletchley (perto de Milton Keynes, Buckinghamshire, na Inglaterra, a mais ou menos 80 km ao norte de Londres), onde funcionou a Government Code and Cypher School (GC&CS), na qual se realizaram os trabalhos de decifração de códigos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, sendo o mais conhecido a decifração da Lorenz e da Enigma.

Talvez você se lembre do lugar por causa do filme O jogo da imitação (2014), onde Alan Turing, um aluno da Universidade de Cambridge, foi recrutado pelo MI6 para entender códigos nazistas, incluindo o "Enigma", que criptógrafos acreditavam ser inquebrável. A equipe de Turing, incluindo Joan Clarke, analisa as mensagens de "Enigma", enquanto ele constrói uma máquina para decifrá-las.

A grande sacada de Williamson foi utilizar o mesmo lugar e a mesma tarefa para decifrar a linguagem secreta dos dragões. Só isso já faz o livro valer à pena.

S.F. Williamson

Steph F. Williamson é uma escritora inglesa, que mora na França. Linguista e tradutora de formação, atualmente mora na França com o marido, o filho e dois gatos.

PONTOS POSITIVOS
Dragões!
Cenários
Batalhas
PONTOS NEGATIVOS

Preconceito
Final em aberto

Título: A linguagem dos dragões
Título original: A Language of Dragons
A linguagem dos dragões:
1. A linguagem dos dragões
2. A War of Wyverns
3. ???
Autora: S.F. Williamson
Tradutor: Carlos César da Silva
Editora: Galera Record
Ano: 2025
Páginas: 420
Onde comprar: na Amazon

Avaliação do MS?
Comecei a leitura totalmente cética, me irritei muito com a protagonista em vários momentos, mas me vi fisgada por aquele mundo de códigos, idiomas e significados que a autora criou e agora preciso urgente saber o que vai acontecer com Vivien e seus amigos. Se você curte enredos de fantasia recheados de intriga política, vai curtir esse aqui. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!

Muito bom!

Até mais! 🐉

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