Nem parece que sou geógrafa, de tanto que gosto de história antiga. Esse livro estava no meu radar faz um tempão e surgiu finalmente a oportunidade de ler. Me senti dentro de um seriado britânico, acompanhando a longa história da ilha de camarote conforme Marc Morris narrava os eventos decisivos que levaram à formação de um povo e de um país.
O livro
Muito do que as pessoas conhecem sobre a história da Inglaterra se relaciona com a monarquia e com a família real. Mas a história da ilha é bem mais interessante de se estudar do que as intrigas reais na corte do rei. Cerca de 1600 anos atrás, a ilha da Bretanha viu acontecer a retirada do Império Romano de seu território e o abandono de suas cidades, fortes e campos de batalha. As grandes aglomerações urbanas e a vilas luxuosas ficaram desertas, ruíram e a sociedade civil se viu jogada no caos.
Porém, outra forma de incentivar a união entre povos diferentes é identificar um inimigo comum - um "outro" étnico, contra o qual eles possam se reunir.
(tradução livre)
Este mundo pós-romano se viu diante de novos inimigos conforme as legiões do império não mais existiam para protegê-lo. Invasores do outro lado do canal estavam chegando em suas praias e estabelecendo-se na região como seus novos líderes. Estes invasores eram os anglo-saxões e Marc Morris reconstrói esse período turbulento ao longo dos séculos seguintes, do ano 400 até 1066, ano da conquista normanda. O autor se vale de muitas fontes históricas e arqueológicas e admite que há lacunas no registro, principalmente no mais antigo.
Antes de mergulhar na história, ele nos alerta que é preciso ver estes povos pelo que eram e evitar pensá-los como se pensava no período vitoriano, quando houve um resgate e endeusamento de vários nomes relacionados ao período, como o do rei Alfred. Eles eram fruto de sua época e assim como é possível encontrar pontos admiráveis em sua cultura e modo de vida, eles também eram brutos, violentos, misóginos e escravizavam outros seres humanos para ganho próprio. Há influências anglo-saxãs por toda a Inglaterra, na arte, na arquitetura, mas eles também deixaram um legado patriarcal, desigual, teocrático e de perseguição a povos diferentes.
A primeira incursão romana na ilha ocorreu em 55 AEC, quando Júlio César liderou duas legiões até Kent como parte de suas campanhas para conquistar a Gália. Ele acreditava que os cidadãos estavam ajudando a resistência gaulesa. César não conseguiu anexar o território e mais de um século depois, em 43 EC, o imperador Cláudio conseguiu submeter os povos do sul da ilha pela força. No final do século, os romanos já estavam bem estabelecidos na região.
A infraestrutura romana que conhecemos com cidades, termas, ginásios, fortes, templos e teatros, além de longas estradas se estabeleceu. Mas a prosperidade dessa colônia romana dependia de seu exército. Legiões foram estacionadas em vários pontos importantes do território para se proteger de ataques de povos celtas que viviam no que hoje são a Escócia, Gales e a Irlanda. Chegando a ter 50 mil soldados estacionados na ilha, mas quando a crise derruba o império, os soldados foram retirados ou desbandados.
Piratas anglos e saxões já espreitavam as praias inglesas por volta dessa época. Em apenas uma geração, a grandiosidade romana colapsou. Os povos da ilha, sem condições de antagonizar pictos (Escócia), celtas (Irlanda) e os galeses, além dos piratas anglo-saxões, se tornaram uma presa fácil. Ao mandarem notícias para o continente, eles avisavam suas famílias e amigos de que os territórios do outro lado do canal estavam livres para dominação, eram ricos e férteis e eles poderiam facilmente se estabelecer no local.
Os primeiros governantes destes povos lutaram intensamente entre si, mas também geraram reinos como a Nortúmbria, Wessex, Essex e Mércia, e nomes conhecidos como Offa, Alfredo, o Grande, e Eduardo, o Confessor. Eles também abandonaram seus deuses pagãos em favor do cristianismo, estabelecendo igrejas e monastérios, além de criarem uma arte complexa que o autor exibe em imagens coloridas. Antigas aglomerações romanas são revitalizadas, estradas passam a ter transeuntes, carroças e comércio. Uma colcha de retalhos de povos e costumes se estabelece pela região, apenas para quase serem destruídos por novos piratas do mar, os vikings.
O autor lamenta não ter nomes de grandes mulheres da época à disposição. Elas existiram e algumas são brevemente mencionadas, mas Morris admite que os registros são todos feitos por e para os governantes homens, sendo assim poucos nomes sobreviveram e ainda assim é preciso ter cuidado com as informações que os textos fornecem. Utilizando-se principalmente de fontes eclesiásticas (é preciso agradecer a burocracia da igreja nessas horas), o autor consegue um panorama dinâmico e violento da época, destacando nomes de rainhas ambiciosas, santos revolucionários, monges intolerantes e nobres gananciosos.
A aventura anglo-saxã termina em 1066, momento de turbulência na política da época, quando Guilherme, o Conquistador, chega da Normandia para tomar a coroa. Primeiro rei normando da Inglaterra, era descendente de vikings, como muitos nobres e aristocratas da época. Isso é interessante e o autor faz questão de reiterar: a ilha não é composta por um único povo, mas por um mosaico de culturas e etnias diferentes que guerrearam entre si por longos séculos, dando origem aos territórios que hoje existem.
O livro é muito bem escrito e conta com mapas e fotos em preto e branco, além de páginas coloridas mostrando os tesouros da época, que ajudam a contar esta história tão rica. Na abertura de cada capítulo, há um mapa mostrando as novas configurações territoriais do período e os principais aglomerados urbanos ou eclesiásticos.
Obra e realidade
Muito do fascínio que existe hoje sobre esse período vem da Era Vitoriana. Nomes de grandes reis foram resgatados e muita romantização veio a reboque. Livros como este são úteis para mostrar que a verdade é muito mais diversa e menos inglesa do que parece. Muito sangue e destruição mancharam as charnecas e vales e castelos ao longo da história e romantizar essa época em nome de uma suposta união nacional é ignorar toda a pluralidade de povos e idiomas, culturas e religiões que compõem a humanidade como um todo.
Marc Morris é um historiador britânico e apresentador de televisão.
PONTOS POSITIVOS
Bem pesquisado
Bem escrito
Imagens e mapas
PONTOS NEGATIVOS
Preço
Não tem em português
Bem pesquisado
Bem escrito
Imagens e mapas
PONTOS NEGATIVOS
Preço
Não tem em português
Avaliação do MS?
Esse livro me segurou até altas madrugadas! Com uma narrativa muito gostosa de acompanhar, é impossível largar. A impressão era que eu estava lendo uma temporada inteira de Game of Thrones. Se você curte história antiga, vai curtir esse livro. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!
Até mais! ⚔️
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