Resenha: Meu assassinato, de Katie Williams

Esse livro chamou minha atenção logo na pré-venda e assim corri para ler e resenhar. Uma mulher precisa investigar o próprio assassinato e o que acaba descobrindo mudará sua maneira de pensar sobre a vida, família e amizades. Nem tudo aqui é o que parece ser!

O livro
Em um futuro próximo e indefinido, Louise, ou Lou, é uma profissional realizada, uma esposa feliz, uma mãe dedicada à sua filha recém-nascida. Quando o livro começa, já somos jogadas na rotina familiar, com Lou decidindo o que vestir para ir a uma festa com o marido. Mas Lou também é a quinta vítima de um serial killer que matou mulheres jovens, deixando como assinatura os sapatos das vítimas alinhados ao corpo. Meses mais tarde, a tecnologia traz essas mulheres de volta na esperança de reparar um brutal erro e dar uma segunda chance a todas elas.

Resenha: Meu assassinato, de Katie Williams

Éramos cinco no grupo de sobreviventes: Angela, Jasmine, Lacey, Fern e eu. O nome era uma mentira. Nenhuma de nós tinha sobrevivido.

Logo percebemos que Lou e as outras "sobreviventes" estão com certos problemas para voltar à rotina. Lou, por exemplo, cortou seu longo cabelo. Fern, por sua vez, faz tudo ao contrário da sua outra, a assassinada. O programa do governo para clonagem vinha sendo celebrado por sua capacidade de dar uma segunda chance a elas, mas as vítimas tinham muito o que dizer a respeito. Por isso se encontravam regularmente em grupo, junto de uma psicóloga do programa, enquanto discutiam suas angústias, seus problemas de adaptação, suas relações com os familiares.

Lou reluta em ser rotulada, mas é o que acontece. As pessoas ficam curiosas em ver uma mulher clonada e fazem perguntas absurdas. Ela lembra de seus momentos finais? Lembra de ser atacada e ter sua garganta cortada? Lou sente que não é a mesma pessoa que deu à luz à sua filha, que casou com seu marido, ainda que seja a mesma ao nível genético. Como viver consigo mesma depois disso? Como se ajustar à rotina?

Subvertendo a tradicional narrativa de serial killers, a autora usa de ironia, sarcasmo e muitas pitadas de críticas para construir seu enredo. Vistas, em geral, como vítimas frágeis em vários livros do gênero, as mulheres aqui retratadas mostram uma força para sobreviver em um mundo que vê mortalidade e violência de outra forma. Mas não é esse exatamente o foco do livro.

Lou começa a perceber algumas coisas estranhas acontecendo e decide investigar sua própria morte. Não é fácil passar pelo parque por onde corria quando foi atacada, não é fácil ler as manchetes daqueles tempos, mesmo não tendo nenhuma memória sobre os eventos, já que as memórias recentes nunca seguiam com o clone. Será que ela pode mesmo confiar nas pessoas ao seu redor? Algumas sobreviventes se afastaram completamente de sua família porque não conseguem mais se ver como a pessoa que eram. Lou seguirá por esse caminho?

Essa não é bem uma história sobre ressurreição e tecnologia, então se você não curte muito os enredos de ficção científica, pode ficar despreocupada, pois não há longas descrições de tecnologias futuristas aqui. O foco mesmo é sobre identidade. Como ela se forma? Como construímos nossas memórias e ou fazemos escolhas? Elas são impostas ou temos mesmo livre arbítrio? Lou nos leva nessa busca ao longo das páginas e admito que o final não era o que eu esperava.

Também tem uma discussão interessante sobre maternidade. Lou se lembra de ter entrado em uma profunda depressão após o nascimento da filha, ainda que seu corpo não guarde mais a cicatriz da cesárea. Ela é a mãe de Nova? É e não é. Esse aspecto acaba se desenvolvendo ao longo da leitura, sendo discutido por Lou e as pessoas ao seu redor, que querem que ela volte para sua antiga vida como se nada tivesse acontecido. Mas aconteceu. E ela precisa saber.

A narrativa de Williams é marcada por um ritmo que equilibra momentos de tensão com reflexões filosóficas profundas e altas ironias. A autora não se contenta em apenas construir um mistério envolvente, mas também usa a trama para abordar questões como o controle sobre nossas vidas, sobre nossos corpos e a busca por significado em um mundo onde até mesmo a morte pode ser revertida. A morte não é o fim, mas um novo começo repleto de incertezas e perigos em uma sociedade obcecada pela perfeição e pela negação da mortalidade.

O livro está bem traduzido por Luiza Marcondes e não encontrei grandes problemas de revisão ou diagramação.

Obra e realidade
Se tem algo que dá significado às nossas vidas, é que um dia ela acaba. Por isso é preciso fazer dela o melhor que pudermos, mesmo com as circunstâncias adversas para a maioria. Mas se a tecnologia pudesse mudar isso, como nossa sociedade mudaria? O livro fala bem pouco das tecnologias envolvidas, mas fala que é possível mudar a mente de psicopatas, que é possível clonar pessoas mortas, ainda que isso gere bastante polêmica. E se alguém que não merece acabar recebendo uma segunda chance?

Não há só a questão da mortalidade, mas também de construção do sujeito. Não é só a genética que determina quem somos, mas o meio, nossa criação, nossas relações pessoais. Imagine que você tenha uma cicatriz na perna devido a um acidente de bicicleta na infância. Você consegue lembrar da queda, consegue sentir os pedriscos arranhando sua pele, arrancando sangue, consegue lembrar das lágrimas e do medo. Mas quando olha para sua perna, tudo o que vê é uma pele intocada, sem manchas ou cicatrizes. O que é real e o que não é? Você consegue confiar no que está bem na sua frente?

Katie Williams

Katie Williams é uma escritora e professora norte-americana.

PONTOS POSITIVOS
Lou
Mistério
Mortalidade
PONTOS NEGATIVOS
Curtinho



Título: Meu assassinato
Título original em inglês: My murder
Autora: Katie Williams
Tradutora: Luiza Marcondes
Editora: Astral Cultural
Ano: 2024
Páginas: 288
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Sombrio e cômico, com ritmo tenso e cheio de surpresas, Meu assassinato é uma versão inteligente e inovadora do thriller clássico. Foca nas vítimas e em suas histórias, e não no assassino ou nos detalhes sangrentos de suas mortes. É também uma grande discussão sobre o que determina nossas identidades e o quanto somos diferentes umas das outras. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais!

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Comentários

  1. Que história instigante! Também me fez pensar sobre como situações traumáticas, mesmo que não nos matem podem nos mudar até o ponto de nós mesma não nos reconhecermos enquanto muitas vezes as pessoas no entorno querem simplesmente que permaneçamos as mesmas e continuemos a vida de onde paramos como se não houvesse acontecido.

    Por todas as questões que tu citou abordadas no livro e até mesmo pelo fato dele ser curtinho fiquei com muita vontade de ler, de ter na minha estante física ou virtual. Dica ANOTADÍSSIMA!

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