Quem gosta de história antiga e/ou estuda povos da Antiguidade, na certa já ouviu o termo Povos do Mar. De origem misteriosa, eles levaram fogo e destruição a todos os grandes reinos da Antiguidade. Mesmo os poderosos egípcios, sob o reino de Ramsés III, tendo sobrevivido aos ataques destes povos (ou um povo só?), nunca mais foi o mesmo e caiu em uma espiral de declínio que viria com o fim da civilização séculos depois. Como esses povos podem ter trazido tanta desgraça e por que esses povos caíram? É o que Eric H. Cline tanta responder!
O livro
O Colapso da Idade do Bronze marcou uma fase de transição bastante importante nas regiões do Mar Egeu, Sudoeste Asiático e Mediterrâneo Oriental, ocorrendo entre o final da Idade do Bronze e o início da Idade do Ferro. Esse período, descrito como uma "idade das trevas" de forma bem sensacionalista, foi, segundo historiadores, marcado por eventos violentos, abruptos e disruptivos em termos culturais. A sofisticada economia palaciana das sociedades do Egeu e da Anatólia, que dominava o final da Idade do Bronze, deu lugar, após um intervalo, às culturas isoladas e rurais da Idade das Trevas Grega. O ano em que isso aconteceu? Por volta de 1177 AEC (antes da era comum).
Não sabemos com certeza de onde se originaram os Povos do Mar: talvez na Sicília, na Sardenha e na Itália, de acordo com uma estimativa, ou talvez no Egeu e na Anatólia Ocidental, ou eventualmente até mesmo em Chipre ou no Mediterrâneo Oriental. Nenhum sítio antigo foi alguma vez identificado como o seu ponto de origem ou de partida.
Parece uma afirmação bem vaga, certo? E o autor reitera que ainda hoje, mesmo após décadas de estudos sobre sociedades antigas, ainda não se sabe quem eram esses povos. Nem mesmo se eram de fato do mar, já que há evidências de que teriam vindo também por terra. Esses povos abrangiam diferentes geografias e etnias, culturas e sistemas políticos. De acordo com inscrições do reinado de Ramsés III, nenhuma nação parecia capaz de deter seu avanço destruidor.
Esses povos levaram ao colapso da Civilização Micênica, do Império Hitita na Anatólia e na Síria, além do Império Babilônico, levando destruição a Ugarit e aos estados amorreus. Mesmo aqueles que conseguiram resistir nunca mais foram os mesmos. O fim desses impérios levou à interrupção do comércio, tanto por terra quanto por mar, reduziu as trocas culturais, os apoios inter estados e remodelou a geografia da região.
Valendo-se de fontes antigas como inscrições em templos e estátuas, sítios arqueológicos destruídos e até a própria Bíblia, Cline percorre as planícies da Anatólia, passando pelas ilhas do mar Mediterrâneo, chegando ao Egito, ao Levante e à Mesopotâmia, correlacionando fatos, evidências e dados na esperança de encontrar a origem desses povos misteriosos.
Cline é bastante minucioso em sua discussão sobre os Povos do Mar. Ele visita cada um dos povos afetados pelas invasões e destaca suas ligações. É bem interessante acompanhar os registros feitos por escribas sobre o intenso comércio desses povos, as cartas dos reis em argila ou papiro e perceber que este mundo antigo era tão globalizado quanto o de hoje. Eles não tinham a internet e as conexões de alta velocidade, nem bolsa de valores, mas suas caravanas e estradas eram agitadas e seus mercados falavam vários idiomas.
O termo Povos do Mar foi cunhado pelo egiptólogo francês Emmanuel de Rougé, que o utilizou pela primeira vez em 1855, numa descrição dos relevos do Segundo Pilar do templo de Medinet Habu, que documenta o oitavo ano do reinado de Ramsés III. Popularizada por outros estudiosos, o termo é debatido até hoje com as tais invasões. Cline reflete sobre algumas delas e não esconde sua frustração por não obter respostas concretas mesmo com tantos anos estudando o assunto. O autor é bastante minucioso em suas fontes e correlações, chegando ao ponto de ser chato e repetitivo. Mas entendo também que era necessário reforçar essas correlações para mostrar a globalização desse período e como os reinos se comunicavam.
(...) tendo em vista que jamais houve uma civilização na história do mundo que eventualmente não tenha colapsado, e tendo em vista que os motivos para tal colapso costumam ser os mesmos, (...) o eventual colapso das civilizações da Idade do Bronze Recente era previsível, mas é improvável que nós fôssemos capazes de prever exatamente quando isso aconteceria, ou que todas entrariam simultaneamente em colapso, mesmo conhecendo perfeitamente o funcionamento de cada civilização.
Gostei muito da discussão no final do livro sobre a definição de colapso em si e sobre a complexidade das civilizações. O autor visita alguns autores e trabalha as questões sobre a complexidade e de como somos impotentes para prevê-las. Os povos antigos não sabiam que estavam diante de seu fim, assim como nós podemos estar diante da queda da nossa sem saber?
O livro é bem escrito e minucioso, mas a revisão da editora é de chorar de tão ruim. Arde os olhos de tanta vergonha ver que o livro tem erros grotescos de revisão. Duvido muito que o livro tenha sido revisado depois da tradução diante de tantos problemas. A fonte também é pequena desconfortável de ler em alguns momentos. No miolo temos mapas e imagens em preto e branco que ajudam muito a nos localizar. A tradução de Fábio Alberti está muito boa, uma pena que a revisão esteja tão ruim.
Obra e realidade
No começo do livro, o autor comenta sobre uma notícia veiculada pelo The Guardian, que falava sobre uma série de crises que ameaçam a humanidade. Entre elas estão as crises climáticas, escassez de água e a crise na produção de alimentos. Essa combinação explosiva ameaça a própria existência humana e medidas precisam ser tomadas imediatamente. Para Cline é curioso notar que essas também eram condições que levaram ao colapso das civilizações da Idade do Bronze. Para além dos Povos do Mar, toda a região do Mediterrâneo sofreu com crises climáticas, principalmente a seca, na mesma época em que sofreram as invasões catastróficas.Saímos recentemente de uma crise de saúde pública com a covid-19. Temos visto a escalada de conflitos internacionais, embargos, casamentos reais, rebeliões, migrações em massa, eventos que também aconteceram em 1177 AEC. E ainda temos a vantagem de estudar a história para impedir o colapso. A questão é: vamos conseguir?

Eric H. Cline é um escritor, historiador e arqueólogo norte-americano. É professor de história e arqueologia antiga na Universidade George Washington.
PONTOS POSITIVOS
Mapas e imagens
Povos do Mar
História antiga
PONTOS NEGATIVOS
Revisão péssima
Fonte pequena
Mapas e imagens
Povos do Mar
História antiga
PONTOS NEGATIVOS
Revisão péssima
Fonte pequena
Avaliação do MS?
É triste que um livro tão legal, tão rico em conteúdo e discussões pertinentes tenha tido uma revisão tão podre quanto essa. O assunto não vai se esgotar, até porque há muito que os arqueólogos ainda não sabem sobre esse período, mas podemos tirar ensinamentos valiosos que podem impedir o próximo colapso. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!
Até mais! 🏹
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