Resenha: Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto e Odyr

Me tornei uma fã do trabalho de Odyr desde sua brilhante adaptação para os quadrinhos de A revolução dos bichos. Assim, eu sabia que tinha em mãos uma obra-prima adaptando um dos grandes trabalhos brasileiros, que é Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto.

Parceria Momentum Saga e Companhia das Letras

O livro
Grande clássico da literatura brasileira, o livro fala sobre a vida de um retirante durante a seca nordestina. Severino, nosso protagonista, é apresentado logo no começo do poema, começando sua migração, rumo à capital pernambucana. Conforme anda pelo sertão, vai conhecendo pessoas, vendo situações de tristeza ocasionadas pela seca, como o enterro de um Severino, um lavrador, sendo carregado por dois homens em uma rede.

Resenha: Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto e Odyr

O meu nome é Severino,

não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,

deram então de me chamar

Severino de Maria;

como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias.

Severino pretendia seguir o rio Capibaribe, que o guiaria em sua jornada, mas o rio também desapareceu por causa da seca. Aliando o poema de Melo Neto com a arte tocante de Odyr, temos um olhar sensível sobre o sertão. Sensível e brutal, belo e horrível. Essa dualidade está presente em todo o quadrinho, onde as imagens coloridas dos personagens e do entorno se sobrepõem ao branco puro do papel.

Conforme segue seu caminho, Severino várias vezes se depara com a morte, com a desesperança, e logo vai percebendo que sua busca por uma vida melhor é inútil diante da miséria, do abandono e da violência. Quantos outros Severinos (e Marias) também se depararam com o mesmo cenário? Severino reflete a respeito, pensando que este mundo é apenas um grande cemitério para sonhos, perspectivas e planos.

Essa desilusão faz Severino querer desistir da vida. Por que continuar? O que a vida pode trazer de bom para ele, que tanta tragédia viu? Não se encontra trabalho, devido à seca, não se encontra água, ou esperança.

E chegando, aprendo que,

nessa viagem que eu fazia,

sem saber desde o Sertão,

meu próprio enterro eu seguia.

A desesperança dá lugar a um novo começo para Severino quando ele testemunha o milagre do nascimento de um carpinteiro, rodeado de visitantes com presentes, em uma alusão ao nascimento de Cristo. Se ninguém tem uma resposta para os reais problemas da vida, não há resposta melhor do que o espetáculo da vida.

O trabalho de Odyr é todo em pintura acrílica, sem enquadramentos ou contornos, nem mesmo quadros delimitando as cenas. Com um estilo que lembra o impressionismo, as definições dos rostos e formas se dão conforme olhamos para as imagens, o que dá a cada leitora sua própria interpretação. E essa interpretação extrapola os limites do sertão, chegando nos Severinos anônimos que tentam atravessar o Mediterrâneo todos os dias em busca de vidas melhores, que cruzam países inteiros a pé porque não podem mais viver em seus locais de origem.

A edição vem em capa comum e papel branco encorpado no miolo. No final, temos a versão integral da obra de Melo Neto. Não há problemas de revisão ou diagramação nele.

Obra e realidade
O poema de Melo Neto é extenso. Seus 1215 versos foi adaptado inúmeras vezes para televisão, musical, cinema, teatro e foi ainda celebrizado por Chico Buarque. Surgiu como um auto de Natal para encenação do nascimento de Jesus, encomendado para os palcos pela dramaturga Maria Clara Machado na década de 1950. Mas o Melo Neto escreveu um auto muito maior do que a encomenda, tamanha a profundidade reflexiva.

Ainda que não indique o momento histórico em que a peregrinação de Severino se deu, o tema da obra é tão atual hoje quanto era na época de sua confecção. A questão da seca já era grave, levando a um exército de Severinos rumo às cidades em busca de melhores condições de vida. Com as mudanças climáticas tornando os climas cada vez mais severos, a tendência é que os refugiados ambientais se tornem ainda mais comuns nos anos que vierem.

João Cabral de Melo Neto e Odyr

João Cabral de Melo Neto foi um poeta e diplomata brasileiro.

Odyr Bernardi, mais conhecido como Odyr, é um quadrinista e ilustrador brasileiro.

PONTOS POSITIVOS
Poesia
Lindamente ilustrado
Obra integral
PONTOS NEGATIVOS

Preço

Título: Morte e vida severina
Autor: João Cabral de Melo Neto
Ilustrador: Odyr
Editora: Quadrinhos na Cia (Companhia das Letras)
Páginas: 176
Ano de lançamento: 2024
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Posso apontar que esta é uma das melhores leituras do ano! Não apenas é uma obra lindamente ilustrada, como também é um poema belamente construído, ainda que narre eventos tão tristes na vida de Severino, que representa milhões de outros. Leitura essencial e uma forte recomendação para você ler também!

Até mais!

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