Resenha: A nova era do império, de Kehinde Andrews

Acredito que esse livro seja um dos lançamentos literários mais importantes do ano. É daquelas leituras que ficam na cabeça assim que viramos a última página porque você passa a enxergar as coisas por um novo viés depois de perceber o racismo que estava tão aparente na construção da sociedade ocidental. Até mesmo em entidades que, teoricamente, deveriam assegurar os direitos humanos irrestritos a todos, vemos que a história não é bem assim. Basta ver a inação da ONU com relação ao que está acontecendo na Palestina.

Parceria Momentum Saga e Companhia das Letras

O livro
O subtítulo do livro logo nos prepara para seu assunto urgente e necessário: como o racismo e o colonialismo ainda dominam o mundo. Andrews desafia conceitos pré-estabelecidos e te convida a questionar a narrativa oficial sobre a história do Ocidente. Ao contrário do que muitos defendem e até aprenderam na escola, o Ocidente não surgiu com base nas revoluções científicas, industriais e políticas, mas sim apoiado em genocídio, escravidão e colonialismo, que são as verdadeiras pedras fundamentais sobre as quais essa civilização ocidental foi construída.

Resenha: A nova era do império, de Kehinde Andrews

Se o maior truque do diabo é convencer o mundo de que ele não existe, a conquista mais orgulhosa do imperialismo ocidental é a ilusão de que já superamos o racismo, de que estamos numa sociedade pós-racial.

É preciso destacar que essa noção de civilização ocidental também é falsa. É um mito no sentido de que é uma ficção que as pessoas contam a si mesmas, apesar de ser factualmente falsa. É um mito que foi inventado para justificar a escravidão, o imperialismo e a opressão. Como tal, serviu às necessidades ideológicas da época da sua invenção, refletindo os valores fundamentais da sociedade que o produziu.

Andrews fornece aos leitores uma base sólida na história de 500 anos do capitalismo racial, indo desde o significado duradouro do genocídio dos nativos americanos, do comércio transatlântico de escravos e do colonialismo europeu até a construção de uma lógica imperial e neocolonialista ainda em funcionamento em algumas das instituições globais contemporâneas, como a ONU, o FMI, o Banco Mundial, a OMC. É um livro que aborda o tema de maneira geral e que atua como um texto primário para uma nova geração de estudantes que buscam enfrentar a violência da herança colonial, em termos gerais.

O fato de ser um livro primário não quer dizer que é desprovido de conteúdo. Ele apenas traça os paralelos necessários para tornar as injustiças evidentes e suas muitas fontes convidam a quem está lendo a se aprofundar nos temas expostos. Começando pelo Iluminismo, tido como a base intelectual do mundo moderno, que quase canonizou seus expoentes. Andrews é enfático ao apontar como o Iluminismo é um projeto intelectual racista, pois ele surgiu em uma época em que a Europa já tinha arrasado grande parte do mundo por meio do genocídio, da escravidão e expansão colonial. Para o autor, o Iluminismo é uma política identitária branca e serviu de base para instituições como a ONU e a União Europeia.

Separado em 8 capítulos - Sou branco, logo existo; Genocídio; Escravidão; Colonialismo; O nascimento de uma nova era; O Ocidente não branco; Democracia Imperial e O feitiço se volta contra o feiticeiro -, a primeira metade explica os fundamentos sobre os quais 'a Nova Era do Império' foi fundada, enquanto a outra metade centra-se na ascensão da Nova Era do Império e na persistência da mentalidade imperial. Assim, Andrews refere-se a duas fases do imperialismo, a segunda começando após a Segunda Guerra Mundial.

O livro retorna a eventos importantes do passado para mostrar como eles embasam a cultura ocidental. Aponta o fato de ter havido muitos genocídios na África, perpetrados pela lógica colonial racista da Europa, mas apenas quando essa mesma lógica racial foi aplicada em solo europeu é que a palavra "genocídio" foi cunhada. E é preciso dizer que o autor não faz um ranking de quem sofreu mais ou menos, apenas aponta que quando a lógica racista foi aplicada a brancos europeus é que o conceito de genocídio surgiu e começou a ser discutido.

A escravidão transatlântica foi o combustível que moveu o desenvolvimento ocidental. Foi a enorme riqueza derivada do sistema que permitiu que o Ocidente alcançasse e depois ultrapassasse o resto do mundo. A escravidão não é novidade: a Europa se desenvolveu nas costas do comércio árabe de escravos que tinha centenas de anos quando Colombo voltou de Hispaniola com americanos indígenas para vender como escravos. Mas o comércio transatlântico foi um acontecimento singular, reduzindo africanos a mercadorias sub-humanas que se tornaram a principal moeda do progresso ocidental.

A obra está bem diagramada e revisada, com tradução de Cecília Rosas e uma belíssima capa.

Obra e realidade
Mas um ponto me incomodou muito na leitura que foi o uso de ideias pseudocientíficas quando o autor queria muito provar um ponto. A alegação de que os olmecas eram africanos, por exemplo, reforça um apagamento que o autor lutou o livro todo para evitar e ainda se vale de pseudociência. Os espanhóis também achavam que não havia homens barbados nas Américas, o que a arte do povo moche do Peru prova estar errado. A África e o México abrigam civilizações fascinantes, cada uma com seus próprios avanços em tecnologia, linguística, agricultura e ciência. Quando um pesquisador se vale de uma pseudo-história dos “Olmecas Negros”, ele banaliza e marginaliza os legados tanto dos africanos como dos indígenas mexicanos.

Os proponentes desta ideia baseiam suas conclusões em interpretações superficiais dos famosos chefes olmecas de Veracruz. Estas estátuas teriam semelhança fisionômica com os africanos apenas com base nos seus narizes largos e lábios grossos. O fato das estátuas também se assemelharem aos povos indígenas do México é simplesmente ignorado. De alguma forma, quando se trata de nativos americanos, especialmente se eles são antigos e misteriosos o suficiente, não há problema em fazer afirmações bizarras. O programa de televisão pseudo-histórico Alienígenas do Passado segue a mesma linha.

Kehinde Andrews

Kehinde Andrews é um sociólogo, pesquisador, professor universitário e colunista britânico.

A maior mentira que sustenta o iluminismo está incorporada em seu nome. O conhecimento não se espalhou a partir da Europa para levar luz às partes não civilizadas do mundo. Na verdade, foi exatamente o oposto: a Europa pegou o conhecimento produzido por todo o planeta e o embranqueceu, fingindo que era dela.

PONTOS POSITIVOS
Discussão sobre Iluminismo
Bem escrito
Didático
PONTOS NEGATIVOS

Uso de pseudociências


Título: A nova era do império: Como o racismo e o colonialismo ainda dominam o mundo
Título original em inglês: The New Age of Empire
Autor: Kehinde Andrews
Tradutora: Cecília Rosas
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 358
Ano de lançamento: 2023
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
De maneira geral, o livro fornece um recurso compacto e abrangente para aqueles interessados em estudos de desenvolvimento e colonialismo que procuram perspectivas mais críticas sobre algumas das ortodoxias na literatura de economia política. Acredito que como obra introdutória, ela seja excelente para começarmos a entender como o mundo ainda se apoia em racismo e colonialismo para se manter e manter as mesmas estruturas de poder. Leitura recomendada!

Até mais!

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