Resenha: Mariposa Vermelha, de Fernanda Castro

Uma das mais talentosas escritoras brasileiras de ficção especulativa da atualidade chegou neste inverno com um livro sensual e demoníaco, onde somos levadas a passear pelos tortuosos caminhos de uma vingança e de descobertas por uma jovem melancólica e sozinha. Seja bem-vinda a Fragária!

Parceria Momentum Saga e editora Suma

O livro
Na República, a magia é proibida. Qualquer manifestação mágica é duramente combatida por oficiais corruptos do governo. O destino trágico da mãe de Amarílis a fez temer sua própria magia, que vive contida, amarrada e incapaz de se manifestar. Amarílis mora em Fragária, uma cidade onde a desigualdade social é sentida pela forma como as pessoas moram, se locomovem e onde trabalham. Durante a leitura, tive a sensação de Fragária ser semelhante a Paraty, uma Paraty parada no tempo, com sua magia sufocada pela trivialidade do dia a dia.

Resenha: Mariposa Vermelha, de Fernanda Castro

Dentre todos os insetos, a noite pertence às mariposas.

Amarílis vive um dia após o outro, trabalhando numa tecelagem, em frente a uma máquina de costura. As pessoas veem uma moça indefesa, castigada pela vida, mas comum demais, inofensiva demais para que alguém se interesse por sua vida. Suas únicas companhias são Rosalinda e Antúrio, que também trabalham na fábrica. Enquanto ele é um dos seguranças do prédio, Rosalinda é uma das abelhinhas, que trabalham na parte administrativa. Porém, um dia, uma pessoa que Amarílis não via desde criança, tudo muda. O homem que destruiu sua vida visita a fábrica onde ela trabalha. Os sentimentos que ficaram presos em seu peito por tanto tempo entram em ebulição. As memórias a assombram e, em um ato impulsivo, Amarílis invoca um demônio em seu apartamento.

Tolú é uma criatura impressionante e a forma como Fernanda trabalha com seus personagens também é. Você começa a leitura pensando uma coisa de Amarílis e termina completamente impactada por sua transformação. O mesmo acontece com Tolú. Por ser um demônio, eu esperava o que normalmente se espera de demônios, com todo aquele enxofre e sanguinolência, mas Tolú extrapola esses clichês. Ele se mostra, sim, poderoso, mas preso a regras mágicas que, em um primeiro momento, irritam Amarílis.

O desejo dela é simples e complicado ao mesmo tempo: ela quer a morte do homem que destruiu sua vida, mas Tolú tem suas regras e diz que vai ajudá-la, colocá-la no caminho certo, mas quem deve fazer justiça com suas mãos é Amarílis. E a partir daí começa uma corrida contra o tempo para que o plano de Tolú comece a funcionar e que as engrenagens mágicas se encaixem. Admito que as interações entre esses dois são ótimas. Fernanda descreve até as situações mais sombrias com muita destreza e delicadeza. E Tolú, sinceridade, nunca pensei que um demônio seria tão sensual como esse.

Fernanda não nos dá muitas informações sobre a história da República e de Fragária, o que incomoda um pouco aquelas pessoas - assim como eu - que curtem essa parte. Sinto que isso é um efeito colateral por estarmos na cabeça de Amarílis o tempo todo, já que ela é a narradora, o que limita o que nós vemos. Inclusive senti falta de um mapa para nos localizar melhor pela cidade, já que ela é praticamente uma personagem reluzente e misteriosa no enredo. Dá para traçar paralelos com a história brasileira, então não ficamos tão à deriva assim.

É preciso certo desespero para convidar os próprios demônios a partilhar uma refeição.

O que é mais interessante de acompanhar é o desabrochar de Amarílis. Você pensa que ela não vai conseguir e consegue. Acha que ela não tem coragem e tem. Acha que é incapaz de fazer algo tão vil e faz. É um coming of age para o lado sombrio de todas nós. Em vários momentos, aquela solidão de sua vida me tocou, porque pude me identificar com ela, a relação com sua mãe, o medo que acompanha seus passos todos os dias, ter que sujeitar às humilhações diárias para poder sobreviver. Amarílis personifica aquela mulher que está batendo as pernas para manter a cabeça para fora da água, com medo de qualquer respingo afundar seu corpo ainda mais.

A capa do livro é um show à parte e é algo que vai fazer muita gente comprar o livro pela capa. Joana Fraga conseguiu uma capa forte, sensível e sombria que condiz com o enredo. O livro está bem diagramado e revisado e não encontrei problemas de revisão nele.

Obra
Nos agradecimentos do livro, Fernanda admite que a escrita de Mariposa Vermelha coincidiu com um momento muito difícil de sua vida e com a pandemia de Covid-19. Escrever sobre esses dois personagens tão intensos foi uma forma de colocar para fora algumas coisas indigestas que a incomodavam. Quando lemos um livro de ficção não nos damos conta do quanto existe de realidade nele. Alguns defendem que o autor se retire completamente da história, outros dizem que o autor deve escrever sobre o que conhece, sobre o que sabe.

Já eu concordo com o ditado que diz: a autobiografia pode até mentir, mas a ficção desnuda completamente o autor.

Ao que parece, pressionada pela proximidade da morte e de uma vida de privações, qualquer criatura se corrompe.

Fernanda Castro

Fernanda Castro é autora, tradutora e preparadora de texto brasileira.

PONTOS POSITIVOS
Amarílis
Tolú
Cenários
PONTOS NEGATIVOS

Não tem mapa
Final em aberto

Título: Mariposa Vermelha
Autora: Fernanda Castro
Editora: Suma
Ano: 2023
Páginas: 272
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Quem está esperando grandes embates mágicos e uma donzela em perigo, talvez se decepcione com Mariposa Vermelha. A história aqui é sobre Amarílis e seu desabrochar, tal como as mariposas, onde descobre seu verdadeiro potencial, você gostando dele ou não. Acredito que é um livro que toque profundamente àquelas que duvidam serem capazes de algo. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 🦋

Já que você chegou aqui...

Comentários

Form for Contact Page (Do not remove)