Resenha: Pense em Phlebas, de Iain M. Banks

Depois de ter lido O Jogador, de Iain M. Banks, fiquei muito curiosa para continuar no universo da Cultura. Quando a Morro Branco anunciou a chegada de Pense em Phlebas, um dos grandes clássicos da ficção científica, fiquei super animada para pegar este calhamaço e assim conhecer mais de um dos grandes universos da space opera.

Parceria Momentum Saga e Editora Morro Branco

O livro
Uma coisa a se considerar primeiro ao abrir essa resenha é que este livro - o primeiro da série a ser publicado lá fora - apresenta o ponto de vista do antagonista da Cultura. Somos apresentadas aos pontos negativos dessa imensa civilização para depois os pontos positivos surgirem. A narrativa começa com um breve prólogo detalhando o nascimento, a fuga e a subsequente busca de uma Mente da Cultura. Uma Mente é uma inteligência artificial muito avançada que se refugia em um planeta solitário e abandonado. A Cultura é povoada por máquinas sencientes e independentes e elas compõem alguns de seus personagens mais carismáticos.

Resenha: Pense em Phlebas, de Iain M. Banks

Logo depois dessa abertura, conhecemos o protagonista, ou antagonista da Cultura, o transmutador Bora Horza Gobuchul, capaz de modificar seu corpo e assumir praticamente qualquer identidade humana. Horza é obstinado em sua missão de encontrar a Mente, tendo uma moral duvidosa e simplista, se metendo em todo tipo de problema ao longo do livro. De maneira geral, Pense em Phlebas é uma space opera típica, com seu (anti)herói empenhado em uma missão, uma guerra intergaláctica, um elenco de notáveis e bizarros alienígenas, batalhas espaciais e grandes construções de tecnologia impossível. Mas também avança a space opera para um gênero mais contestador e político, o que renovou o subgênero para trazer autores de hoje como John Scalzi e Becky Chambers.

Banks usa todo esse repertório de uma maneira a satirizar a própria sociedade em que os personagens vivem. São várias as discussões entre eles sobre a moralidade da guerra, sobre quem está certo ou errado, sobre até onde a Cultura e os Idiranos vão com esse conflito. Se cada lado tem razão, será então que ninguém tem? Horza é muito firme em seu propósito na luta contra a Cultura, ainda que tenha que admitir que pense um pouco como ela em algum momento perto do final do livro. Horza despreza a Cultura e tudo o que ela representa. Ele também não acredita que inteligência artificial seja vida, vê a Cultura cheia de glutões hedonistas mimados que não assumem nenhum papel ativo em sua existência e decide lutar pelos Idirianos só para ser do contra.

Horza pode ser cruel e implacável, mas em vários momentos me vi torcendo por ele porque ele é um coitado. Ele assumiu talvez a missão mais difícil do universo: enganar uma Mente da Cultura bem no meio de uma guerra espacial. Como se isso não bastasse, Banks parece quase gostar de jogar circunstâncias adversas contra Horza. Apesar de seus melhores planos, as coisas nunca parecem sair como planejado com ele, como quando se vê obrigado a colaborar com uma nave cheia de mercenários apenas para não ser capturado pelo inimigo.

Aqui entra minha primeira crítica ao livro. Ainda que você torça por Horza e espera que as coisas se resolvam para chegarmos aos finalmentes, suas maquinações e adversidades cansam. O objetivo do livro é bem claro desde o começo: capturar uma Mente da Cultura. Mas Horza passa uma boa parte do tempo não fazendo isso. Consigo entender qual foi a jogada de Banks aqui, mas existem longos parágrafos com longas cenas de ação que levam a absolutamente nada. Quando digo que entendi o propósito de Banks, digo que ele foi bem sucedido em trazer várias discussões importantes para o livro, mas a execução não foi tão boa assim.

Sendo este o primeiro livro da Cultura, achei interessante a escolha de conhecê-la por meio de um antagonista, conforme vamos mergulhando na construção de mundo. Porém o excesso de descrições, as longas (looooooooooongas) cenas de luta e até um encontro com ocultistas que nem sei bem porque estava ali me deixaram impaciente pra chegar logo ao final. Parece um teste de resistência da parte de Banks, de colocar o leitor no meio desse livro estranho e ver se ele aguentará chegar aos outros da série. A impressão geral que tive do livro é a de uma coleção de enredos paralelos reunidos numa obra só.

Com uma espécie de choque, Horza percebeu que sua própria motivação de nunca cometer um erro, de sempre pensar em tudo, não era tão diferente da necessidade fetichista que tanto desprezava na Cultura: aquela necessidade de tornar tudo tão justo e igual, de tirar o acaso da vida.

Página 520

Banks pensou num livro que mostrasse a imensa e quase impossível tarefa de Horza diante da escala de eventos. Uma única pessoa não consegue parar uma guerra. Por mais que Horza se empenhe em sua missão, as coisas podem e vão dar errado. Existe esse mito de que as ações de uma única pessoa são essenciais para mudar o curso da história, mas, na verdade existe todo um esforço coletivo, uma sequência de eventos que não são perceptíveis até bem depois, quando nos debruçamos sobre a história para estudá-los.

Novamente, assim como em O Jogador, são as inteligências artificiais que se destacam entre o elenco de personagens. Gostaria que Banks tivesse investido mais na construção de seus personagens do que nas cenas longas e quase vazias. Acho que o andamento do livro teria sido melhor. A edição está bem traduzida por Edmundo barreiros, mas carece de uma revisão melhor. O trabalho gráfico está impecável e o livro acompanha o já tradicional marcador de página.

E para quem se pergunta sobre o título do livro, ele é uma citação de uma linha de um poema de T.S. Elliot, "The Waste Land", que serve como um alerta contra a arrogância e um apelo à contemplação histórica.

Obra e realidade
A Amazon comprou os direitos de adaptação da Cultura, mas infelizmente a produção parou em 2020. O espólio do autor alegou que não era o momento certo para a adaptação. Uma pena, na verdade, pois há tantas discussões interessantes a se fazer, ainda mais nos dias de hoje. Se Fundação, que já foi considerada uma obra "inadaptável", creio que a Cultura renderia uma excelente série de TV.

A Cultura é uma sociedade avançada e hedonista, muito avançada tecnologicamente. É interessante notar quanto Bezos quando Elon Musk são grandes fãs das obras de Iain Banks, mas talvez não tenham percebido as diversas críticas ao imperialismo que o autor fez no livro.

Iain M. Banks

Iain M. Banks foi um dos grandes escritores de ficção científica. Nascido na Escócia, escreveu livros dentro de vários gêneros, como Fábrica de Vespas, lançado pela editora DarkSide. Banks morreu em 2013 devido a um câncer na bexiga.

PONTOS POSITIVOS
Cultura
Unaha e a Mente
Leitura tensa
PONTOS NEGATIVOS

Longas explicações cansativas
Personagens mal construídos


Título: O jogador
Título original em inglês: Consider Phlebas
1. Consider Phlebas (1987)
2. O Jogador (1988)
3. Use of Weapons (1990)
4. The State of the Art (1991)
5. Excession (1996)
6. Inversions (1998)
7. Look to Windward (2000)
8. Matter (2008)
9. Surface Detail (2010)
10. The Hydrogen Sonata (2012)
Autor: Iain M. Banks
Tradutor: Edmundo Barreiros
Editora: Morro Branco
Páginas: 576
Ano de lançamento: 2023
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Não vou dizer que o livro é de fácil digestão. Teve momentos em que eu achei que não ia conseguir prosseguir com a leitura. Banks não se preocupa em nos dar quaisquer explicações exceto as que ele quiser. Gostei da forma como política, como guerra e todas as suas futilidades foram discutidas, porém o andamento do enredo, longas cenas que levaram a nada, deixaram um gosto amargo no final. Três aliens para o livro.


Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Sybylla, eu devo confessar que desconhecia "A Cultura" (e o autor também), mas fiquei super intrigada. Lendo a sua resenha eu imagino que ficaria um pouco impaciente com as longas cenas de lutas e com as outras passagens que não levam a nada... acho que vou deixar passar esse ~ mas adorei conhecer e levar essa referência para a vida. Beijos

    Não Me Mande Flores

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