Quem lê conhece bem o sentimento. Você começou uma leitura que te arrebatou, te levou do céu ao inferno em 500 páginas, te fez perder horas de sono durante a semana porque não podia deixar de acompanhar aqueles personagens. Aí de repente tudo acaba e você fica com aquela sensação de vazio, aquela incompletude, fitando o nada, segurando o livro nas mãos, como se sua vida não tivesse mais sentido. E aí, como sobreviver a isso??
Terminei recentemente a leitura de um calhamaço. A República do Dragão é o segundo livro da aclamada trilogia de fantasia A Guerra da Papoula, de R.F. Kuang (o primeiro livro já foi resenhado aqui!). Esperei ansiosamente pela continuação porque o universo criado pela autora, baseado em eventos reais na China do final do século XIX e começo do século XX, é arrebatador. Considerada uma das melhores sagas de fantasia já escritas, a leitura é intensa, cruel e elétrica, daquelas que você ama odiar a protagonista, querendo abraçá-la e as às vezes encher de tapa pra ver se ela toma juízo.
É um livrão de 640 páginas que eu simplesmente não conseguia largar. Em poucos dias a leitura estava terminada e eu estava lá, com o olhar vidrado no vazio, pensando o que fazer da minha vida agora? Sabe quando você sonha com o universo do livro de tanto que está inserida nele? Então, é esse o caso.
Essa tristeza ou melancolia pós-livro é algo que toda leitora, invariavelmente, vai sentir ao longo da vida. Por um dia, uma semana, um mês, mergulhamos ativamente na mente de outra pessoa, naquele universo que te carrega aos confins do universo. Quando o enredo te arrebata dessa forma, voltar para a realidade é quase um choque, um balde de água fria. Por dias você fica remoendo os eventos do livro, pensando como que tal coisa aconteceu daquela forma??
Isso acontece porque somos humanos, porque sentimos, porque nos afeiçoamos aos personagens de tal maneira que é como deixar bons amigos para trás quando fechamos o livro no final da leitura. É como quebrar uma conexão que durou por tanto tempo. Por isso, quando a gente volta para aquele mundo e as conexões são refeitas, que nos sentimos tão bem. Achei que seria difícil retornar ao mundo do Império Nikara, mas foi como se eu nunca tivesse saído dele.
Ainda que uma pessoa escreva uma história e crie todo um novo universo, a mágica só acontece na nossa cabeça. Escritores dão sugestões, nós imaginamos o resto. De qualquer forma, a leitura sempre é uma atividade compartilhada, começando na cabeça de quem escreve, terminando na cabeça de quem lê. Mas não são apenas imagens de um universo que criamos em nossas mentes. As sugestões também se referem às emoções. A protagonista está triste? Ficamos tristes com ela. Ela está irada? Ficamos junto. Viver dentro de um livro é experimentar toda uma gama de sensações e emoções, ações e batalhas. Com tanto engajamento emocional, não é de se estranhar que bata aquela tristeza com o fim de um livro.
De acordo com Keith Oatley, professor emérito de psicologia aplicada e desenvolvimento humano na Universidade de Toronto, a ficção nos torna mais empáticos, pois ela simula uma espécie de mundo social que provoca compreensão e empatia no leitor. Ler ficção nos torna mais aptos a compreender as pessoas e suas intenções. Não apenas ler, mas assistir ou jogar ficção tem um efeito semelhante em nossos cérebros.
Se a ficção faz tudo isso em nossos cérebros, fica difícil vencer essa melancolia que nos acompanha após o fim da leitura. Porque somos seres humanos, nós temos sentimentos, nós imaginamos; as conexões cerebrais estabelecidas durante a leitura ficarão por lá por muito tempo. Mas será que a gente deve vencer? Será que a intenção não era exatamente essa? Fazer com que mergulhássemos naquelas histórias, naquelas vidas para, de certa forma, esquecer um pouco nossa própria vivência?
Estamos vindo de uma pandemia, de um governo que foi puro desastre... Se eu puder mergulhar nas histórias para acompanhar personagens bem escritos, em mundos fantásticos, aprendendo algo sobre mim mesma no processo, então é o que eu vou fazer. E no final, se ficar triste por estar partindo, posso sempre retornar em algum momento. A melhor coisa da ficção é que ela fica com a gente bem depois de virar a última página. E emoções sempre acompanham o processo.
Até mais!
Não sabia que a continuação estava traduzida.
ResponderExcluirQue ótimo!
Amei o primeiro, mas preciso relembrar como ele acabou, rsrs. Sou do tipo que não pula o "no episódio anterior".
Essa grande "ressaca literária" eu senti com a trilogia de Daevabad. Bastante intensa. Vou me preparar para sentir isso de novo, então!