Os tapeceiros de cabelo foi um lançamento que quase passou despercebido pra mim no ano passado. E admito que peguei o livro sem nem ler a sinopse e sem saber exatamente sobre o que se tratava. Achei o título interessante e a capa muito bonita. Quando comecei a leitura achei que seria uma coisa, mas depois ele se transformou em uma ficção científica muito interessante, com uma revelação pra lá de inusitada a respeito dos tais tapetes de cabelo.
O livro
Homens passaram gerações inteiras entrelaçando nós intrincados para produzirem tapetes de cabelos para o palácio do imperador. Este imperador é praticamente um deus, venerado pelos habitantes que o temem, que o idolatram. Estes homens usam os cabelos de suas esposas, concubinas e filhas para tecer as peças que exigem uma vida inteira devotada à sua confecção. Estes homens, quase cegos, curvados pelo trabalho, só podem ter um filho para poder ensinar seu ofício. Caso uma esposa ou uma concubina dê à luz a mais um menino, o chefe da família tem o direito de matar o bebê.Mas algumas pessoas, consideradas hereges, andam dizendo que o imperador, imortal, que governa a mais de 100 mil anos, foi deposto. Enquanto alguns descartam a notícia como apenas um boato, outros estão de fato pensando no futuro. E se for verdade? Será que os tapetes de cabelo ainda serão necessários? E se não for? O que será daquelas famílias, o que será de suas sociedades?
Cada província do Império faz sua parte para enfeitar o palácio do Imperador, e é nossa honra tecer os tapetes mais preciosos do universo.
Página 31
A estrutura do livro é interessante, porque ele não é exatamente linear. Na verdade, cada capítulo é uma história semi independente, relacionada com o capítulo anterior, apresentado um personagem novo, com novas ideias, novas vivências. Essa estrutura incomoda, eu sei. Até eu entrar no enredo e pegar o ritmo demorou um pouco, mas depois a leitura fluiu muito bem, porque o autor criou um enredo interessante demais. É sério, fiquei até 4 da manhã lendo porque PRECISAVA saber o que levou aquelas pessoas a tecer os tapetes já que, aparentemente, não havia um motivo claro.
Acabamos descobrindo aos poucos que aquele mundo provinciano e quase primitivo onde começamos nossa jornada é só mais um entre os milhares de outros planetas de outros sistemas estelares que também tecem seus tapetes para a glória do Imperador. E cada planeta acredita ser o único a fazer isso. Fazendo as contas, são toneladas e mais toneladas de tapetes que são enviados para o espaço sem um destino conhecido, sem uma função aparente. Isso chama a atenção dos rebeldes que agora precisam descobrir pra que tamanho esforço vem sendo empregado por milhares de anos.
São muitos os personagens nestes capítulos intercalados e relacionados. Alguns reaparecem mais pra frente, outros são mencionados só uma vez depois de uma pequena participação. Também não há linearidade de tempo. Você pode estar lendo algo no presente, depois volta milhares de anos, depois retoma o presente de novo e não há qualquer aviso a respeito. Como disse acima, essa estrutura pode acabar incomodando aqueles que curtem algo mais tradicional. Porém, pode agradar quem curte uma ficção científica mais clássica.
A compreensão por si só não resiste ao tempo, ela se transforma e desaparece. A vergonha, por outro lado, é como uma ferida que nunca é exposta e, portanto, nunca cicatriza.
Página 168
Pra quem tem medo de livros de ficção científica com longas explicações técnicas sobre o funcionamento de motores ou de naves espaciais, pode ficar tranquila. Não tem nada aqui que seja complicado. As naves funcionam e é isso. As discussões que o autor faz são de natureza mais sociológica, filosófica, histórica, trabalhando temas que estão, em geral, associados à "soft scifi", onde os aspectos sociais de um enredo são mais importantes do que os tecnológicos.
Entretanto, algumas coisas ficam sem explicação e acredito que o autor deixou isso de propósito. O destino de alguns personagens, por exemplo, não é explicado. Eles somem e não se sabe mais nada. Em sociedades fundamentalistas, rígidas, sem liberdade de pensamento e de ideias, isso não é tão incomum. Também não se explica como o Imperador pode viver por tanto tempo, mas acredito que é uma forma de criticar o "culto ao líder", que neste caso aqui é passional. Me lembrou um pouco 1984 e a forma como o Grande Irmão sempre sabe de tudo. A figura do Imperador é bem neste estilo.
Minha principal crítica é sobre as personagens femininas. Lendo este livro, tive a impressão de que foi publicado na década de 1950. Tive a impressão de que o autor seguiu um pouco da fórmula dos "anos dourados" da ficção científica, pois as personagens femininas são todas secundárias, sem importância, esposas, concubinas ou filhas de alguém. E mesmo aquelas que poderiam ter alguma importância para o enredo são descritas com decotes profundos e os seios à mostra. Sério, foi um pouco chocante ler isso em 2023. Este é um livro típico onde o enredo é cativante, mas o autor não inovou em nada na hora de criar suas personagens, sendo que são seus cabelos os protagonistas da história toda!
Traduzido do alemão por Petê Rissatti, o livro está muito bem revisado e diagramado. Não encontrei grandes problemas, nada que atrapalhe a leitura.
Obra e realidade
Publicado originalmente em 1995, o livro chegou em língua inglesa em 2005 e agora em 2022 em língua portuguesa. Ganhador em 1996 do prêmio Deutscher Science Fiction Preis, ele ganhou também o Grand Prix de l'Imaginaire para obra em língua estrangeira em 2001. Os fãs de obras de Asimov, de Ursula K. Le Guin, vão certamente curtir Os tapeceiros de cabelo por ser uma obra que analisa uma sociedade, apontando suas idiossincrasias, além de discutir as consequências do fundamentalismo, do radicalismo e do culto ao líder.Andreas Eschbach é um escritor alemão de ficção especulativa. É engenheiro aeroespacial de formação, trabalhando principalmente com engenharia de software.
Pontos positivos
A revelação sobre a confecção dos tapetesNillian e Jubad
Atravessa várias gerações
Pontos negativos
Personagens femininas
Começa devagar
Avaliação do MS?
A Morro Branco está de parabéns pela curadoria de seus livros. São sempre obras excêntricas, diferentes, pontos fora da curva da maioria das produções do gênero. Ainda que tenha seus problemas, Os tapeceiros de cabelo é um baita livro, atual em suas discussões, arcaico em suas personagens femininas. Cheguei ao final completamente rendida, espantada com a revelação sobre os tapetes. Se você já leu, me conte aqui o que você achou! Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais! ✂️
Eu acho a curadoria da Morro Branco muito interessante, quando abri o blog a primeira coisa que fiz foi clicar na resenha desse livro para saber sobre o que se trata, pq o titulo é bem inusitado né?!?!
ResponderExcluirAmo quando a ficção cientifica vai para um viés sociológico, filosófico, humano. AMO! No meio da resenha estava encantada, mas no final desanimei um pouco, ainda que não totalmente. Tem muito livro de ficção cientifica mais acertado na forma como aborda as mulheres no mundo para investir meu dinheirinho e tempo, inclusive no catalogo da Morro Branco tem vários.