Em 4 de outubro de 1957, a União Soviética lançou o Sputnik ("companheiro de viagem"), o primeiro satélite artificial a orbitar a Terra, uma esfera de metal de 85 quilos do tamanho de uma bola de basquete. Lançado em um enorme foguete R-7 Semyorka modificado, ele orbitou a Terra a 29.000 quilômetros por hora por três meses. Quando finalmente saiu de órbita em janeiro de 1958, o Sputnik havia viajado 70 milhões de quilômetros ao redor do planeta. A única carga a bordo do Sputnik era um transmissor de rádio de baixa potência, que emitia um sinal sonoro em intervalos regulares. Este bipe podia ser ouvido por rádios em todo o mundo.
"Pioneiro da Era Espacial" |
Existe um grande simbolismo por trás daquela pequena esfera brilhante. Mais do que um equipamento sofisticado para a época, o Sputnik podia ser visto a olho nu ao amanhecer ou ao anoitecer de qualquer lugar da superfície da Terra e emitia um sinal sonoro que podia ser capturado em qualquer rádio de ondas curtas. O Sputnik era a concretização de um sonho cultivado por escritores de ficção científica e futuristas que imaginaram tecnologias aparentemente inalcançáveis. Ele inaugurou uma nova era para a humanidade.
Cada avanço que a União Soviética fazia no espaço era transmitido ao vivo em cadeia de rádio e TV. Revistas e periódicos escreviam páginas e páginas sobre os feitos da nação, levando o cosmos para dentro das casas das pessoas por meio de objetos diários, pôsteres do regime e até mosaicos no metrô de Moscou. Esse mundo das estrelas e de valorosos animais e cosmonautas alimentou a imaginação de adultos e crianças por décadas.
Logo após o feito de Iuri Gagarin, Nikita Khrushchov reuniu uma multidão de camaradas na Praça Vermelha em maio de 1961. Perto do final de seu discurso, entrou a voz gravada do proeminente astrofísico soviético e herói nacional, Konstantin E. Tsiolkovsky (1857 – 1935):
Agora, camaradas, estou enfim convencido de que um sonho meu – a viagem espacial – para o qual dei os fundamentos teóricos, será realizado. Acredito que muitos de vocês serão testemunhas da primeira viagem além de nossa atmosfera. Na União Soviética temos muitos pilotos jovens... (e) deposito neles minhas mais ousadas esperanças. Eles ajudarão a realizar minhas descobertas e prepararão os talentosos construtores do primeiro veículo espacial. Heróis e homens de coragem inaugurarão as primeiras vias aéreas: da órbita da Terra à Lua, da órbita da Terra a Marte, e ainda mais longe; Moscou à Lua, Kaluga [cidade na Rússia] a Marte!
A gravação foi originalmente feita em um discurso na Praça Vermelha em 1935. Konstantin E. Tsiolkovsky foi o responsável pela popularização do termo "cosmos" no começo do século XX. Um dos grandes visionários russos, ele se destacou até mesmo entre seus colegas europeus e norte-americanos. Sua visão de um elevador espacial serviu de inspiração para Arthur C. Clarke e seu clássico livro As fontes do paraíso. E diferente de outros escritores de ficção científica, ao contrário das conjecturas puramente especulativas de seus contemporâneos, Tsiolkovsky levou os fundamentos da engenharia aeroespacial ao público leitor. Em suas obras é possível ler sobre motores de propulsão a jato, ambientes livres de gravidade e foguetes.
Na época desta homenagem na Praça Vermelha, a ficção científica retornava à vida literária soviética após trinta anos de marginalização pela cultura dominante, onde o realismo socialista passou a ser oficialmente endossado pelo Estado como o único tipo de arte viável para uma sociedade revolucionária. O próprio Stalin havia proibido a especulação além dos horizontes realistas do futuro próximo. Logo, enredos com foguetes, elevadores espaciais e viagens interestelares não eram bem-vindos na nova ordem social.
É a partir do pioneirismo do Sputnik e de Gagarin que começava o resgate da nauchnaia fantastika ou “fantasia científica”, termo cunhado em 1890 e que se tornou extremamente popular no período anterior à Revolução de Outubro de 1917. Revistas, livros, quadrinhos, o cinema, não havia mais espaço onde a ficção científica não estava. Revistas surgiram como a Fantastika, em 1962, resgatando clássicos esquecidos e publicando autores contemporâneos. Assim a ficção científica dos irmãos Arkady e Boris Strugatsky começou a ganhar espaço, bem como as obras-primas cinematográficas de Andrei Tarkovsky, Solaris (1972) e Stalker (1979), adaptado do romance dos Strugatskys, Piquenique na Estrada.
Como plataforma de discussão de, virtualmente, qualquer tema, obras perseguidas na Rússia ganharam público além da Cortina de Ferro, chegando às nações ocidentais, bem como nas nações recém libertas do colonialismo na América Latina, Ásia e África. Visto como a fonte de toda essa enxurrada de produção científica e literária, as obras de Tsiolkovsky começaram a ser relançadas em russo e logo traduzidas para o inglês na década de 1970. Mais do que em qualquer outro lugar, a ficção científica na Rússia foi usada como palco de discussão não apenas de tecnologias e inovações, mas também de ideias e mundos possíveis que batiam de frente com a política vigente.
Até mais! 🛰️
Leia também:
Here's Why Sputnik Was Such A Big Deal - GrungeHow Sputnik changed us - New York Times
How a Russian Scientist's Sci-Fi Genius Made Sputnik Possible - Popular Mechanics
Não tinha lido esse texto ainda, Sybylla, e estou maravilhada! A gente fala muito sobre como o Sputnik aterrorizou os EUA e as implicações na corrida espacial, mas pouco sobre o incrível efeito disso sobre a percepção humana sobre o universo - e, consequentemente, na nossa imaginação! Obrigada por sempre trazer esses assuntos diferentes e maravilhosos!
ResponderExcluirAhhhh, obrigada! Sempre importante a gente lembrar do outro lado também, né? O Sputnik é um símbolo de uma nova era e precisamos falar disso. 💗
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