A viralização de A Bruxa de Blair

Galera da minha geração com certeza se lembra do fenômeno que foi o surgimento de A Bruxa de Blair. O filme nos pegou de jeito com todo aquele ar verídico que ele adotava. Claro que era tudo mentira, mas ninguém sabia na época, ninguém tinha noção que estávamos sendo enganados. É diferente da suspensão da descrença. Dessa vez a gente comprou mesmo a história de que era real. A expectativa era alta e lembro de ver gente sair perturbada do cinema, inclusive eu. Foi só bem depois que eu descobri que a história toda era viral. Esse termo nem era comum naquela época. Porém, a história da bruxa pegou o cinema de assalto e também seus expectadores.


A viralização de A Bruxa de Blair

Para refrescar sua memória, três documentaristas - Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. Williams - entraram na floresta ao redor de Burkittsville, Maryland, para investigar a lenda da Bruxa de Blair da região. Eles gravam o passo a passo conforme se embrenham na mata, filmando cenas nos locais onde corpos tinham sido deixados, acampando por lá mesmo, mas o que as fitas encontradas anos depois de eles terem "sumido" mostram é perturbador. Eles teriam se deparado com algo sobrenatural e perigoso.

A Bruxa de Blair não foi o primeiro filme no estilo found footage feito. Holocausto Canibal, em 1980, causou polêmica e até a prisão de seu diretor com uma história semelhante, onde documentaristas desaparecidos gravaram seus derradeiro fim na mão de tribos amazônicas canibais. Mas Blair com certeza popularizou o estilo, que culminou com a famosa série Atividade Paranormal, REC e Cloverfield, e foi o primeiro filme a se tornar viral, se utilizando da então incipiente internet para espalhar o boato de que era uma história verdadeira.

Diferente do gore e do slasher, onde há muito sangue e tripas jogadas na tela, Blair trabalha com o que a gente não vê. Tudo o que é sugerido ao longo do filme é processado na cabeça de cada um, trabalhando com nossos medos mais profundos. O longa mostra que o que a gente pensa é tão ou mais assustador do que aquilo que a gente de fato vê. Quando a gente ouve barulhos estranhos pela casa no meio da noite, inconscientemente, a gente ainda se encolhe embaixo das cobertas (a menos que você tenha gatos, porque aí a culpa é sempre deles).

Custando apenas US$60 mil (taxas de pós-produção elevaram para 500 mil) e arrecadando impressionantes US$250 milhões, os cineastas Eduardo Sanchez e Daniel Myrick fizeram um filme praticamente artesanal. Eles botaram câmeras e microfones nas mãos de três atores, cujos nomes são os mesmos dos "estudantes documentaristas desaparecidos" e os ensinaram a utilizar. Depois mandaram o trio para o meio do nada, deixando direções em bilhetes e mensagens pelo caminho que eles seguiam por meio de um receptor de GPS. Os atores nunca estiveram em perigo real, mas as reações eram autênticas. O desconforto de dormir em barracas, o frio, a pouca comida, os sons estranhos no meio da noite, geraram bons gritos no cinema quando fui assistir.

pôster de desaparecidos com as imagens e nomes dos três atores do filme


Com 20 horas de filmagens que precisavam ser encolhidas em duas horas e meia, a edição levou oito meses. Apresentando o longa em pequenos festivais para poder fazer alterações pontuais na edição, originalmente, eles esperavam que o filme fosse para a TV a cabo, mas quando a versão final foi aceita no badalado Sundance Film Festival as coisas começaram a mudar.

Apresentado à meia-noite, o longa foi um sucesso estrondoso. Mas além da história e do ar de coisa real, os diretores fizeram duas coisas que foram essenciais para a viralização do filme: um site ainda em 1998 e a distribuição de panfletos com as imagens dos atores no festival. Temos que lembrar que em 1999 a internet não era o fenômeno de hoje. As coisas ainda eram feitas no analógico, não havia o conceito de fake news como o conhecemos hoje. Os diretores acharam que a web era um bom lugar para inserir informações sobre o filme e gerar material. Era barato, não era comum na época e funcionou super bem. Alguns fãs notaram a página e o negócio explodiu.

Para quem ainda estava aprendendo a usar a internet, se deparar com um site que corroborava todas as informações vistas no filme deixava a história toda ainda mais assustadora. A galera no festival Sundance também ficou espantada com as informações nos panfletos. Até na página do IMDB os atores apareciam como "desaparecidos, provavelmente mortos" no primeiro ano. Só em agosto de 1999 o site oficial de Blair recebeu 160 milhões de acessos.

Os atores também foram orientados a ficarem quietos durante todo o barulho causado pelo longa. A mãe de Heather começou a receber cartões e ligações de condolências pela morte da filha! Amigos começaram a compartilhar mensagens, acreditando que eles tinham de fato desaparecido. Nem mesmo a lenda da tal da bruxa é real. Os cineastas inventaram tudo. A lenda fala de uma mulher, Elly Kedward, de Blair, uma cidade fictícia em Maryland, que viveu em algum momento do século XVIII e teria sido acusada de praticar bruxaria em 1785. Ela teria sido sentenciada à morte por exposição e depois se tornado uma entidade vingativa que assombrava as florestas ao redor.

A história toda foi tão bem feita e aceita que os atores começaram a ser acusados de serem sósias! De estarem mentindo e manchando a história dos três estudantes desaparecidos. Um amigo meu ficou super revoltado ao descobrir que era tudo falso e odeia o filme até hoje. É muito interessante pensar no efeito do filme, pois muita gente ficou decepcionada com o que consideravam ser uma "enganação". Ao invés de pensar "ufa, era tudo mentira, os três atores estão bem", algumas pessoas ficaram revoltadas por ter sido ludibriadas. Somos ludibriadas o tempo todo pela ficção, mas quando essa suspensão da descrença é involuntária, parece que a galera não curte.

A viralização do filme levou à compra de sua distribuição pela Artisan Entertainment. Também ensinou aos estúdios e produtoras a repensarem a forma como o marketing de filmes de horror deveriam ser feitos. Os fãs sabem que filmes de horror e terror carregaram por um longo tempo a fama de serem filmes B, mal feitos e baratos. A forma como A Bruxa de Blair pegou todo mundo desprevenido mostrou que havia um público carente por esse tipo de produção assustadoramente real, só que não.

A sequência foi uma mega produção se comparada ao primeiro longa, com 15 milhões de dólares de orçamento, mas nunca bateu o original e não conseguiu empolgar. Nem o terceiro filme também conseguiu. O longa original ainda gerou livros, videogames, paródias, filmes pornôs, quadrinhos e documentários sobre o projeto. A Bruxa de Blair nadou contra todas as expectativas de seus criadores. Como que um filme em que acontece tão pouco se tornou um hit estrondoso? O filme é produto de uma época bastante específica, de um momento cultural próprio, que se valeu da internet para se popularizar. É provável que nunca mais alguém consiga o mesmo efeito WOW daquela época.

Tem para assistir no Prime, bora lá??


Até mais!


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