Resenha: Lina Bo Bardi: O que eu queria era ter história, de Zeuler R. Lima

Homenageada com o Leão de Ouro Especial da Bienal de Veneza, em 2021, pelo conjunto de sua obra, Lina permanece quase uma desconhecida no Brasil. Teve até um certo membro do (des)governo que foi ao evento em Veneza e não sabia quem era ela. Reverenciada como uma das grandes arquitetas brasileiras, é impossível passar pela Avenida Paulista sem olhar, nem ao menos de relance, para uma de suas obras mais conhecidas: o Masp.

Parceria Momentum Saga e Companhia das Letras


O livro
A mulher chegou!

Página 11

Rowan Moore, crítico de arquitetura, considera que Lina Bo Bardi é a arquiteta mais subestimada do século XX. Autora de projetos célebres como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Sesc Pompeia, o Teatro Oficina (ao lado de Edson Elito) e a Casa de Vidro em São Paulo, a reforma do Solar do Unhão (atual MAM-BA), a Casa do Benin e o restaurante do Coaty em Salvador, Lina Bo Bardi (1914-1992) tem recebido reconhecimento nos últimos anos, algo que almejou durante toda uma vida. Além de arquiteta, Lina era também designer e escritora, curadora de mostras, desenhista, cenógrafa e criadora de projetos expográficos inovadores, como os cavaletes de vidro do Masp.
Resenha: Lina Bo Bardi: O que eu queria era ter história, de Zeuler R. Lima


A obra de Lima é o resultado de 20 anos de pesquisas sobre a vida e obra de Lina Bo Bardi. Achillina Giuseppina Bo nasceu em Roma, em 5 de dezembro de 1914. Aprendeu a desenhar com o pai, Enrico Bo, artista visual, que também atuava como um porto seguro diante da frieza e vigilância da mãe, Giovanna, que considerava Lina a filha "do contra", que não se encaixava no modelo patriarcal estipulado para as mulheres. Lina não queria ter filhos e não tinha tempo para as tarefas domésticas, algo que acabou se opondo à própria visão fascista da mulher como mãe e provedora.

Lina estudou arquitetura em Roma, cidade pela qual mantinha sentimentos ambíguos. Achava que a cidade era rançosa, cheia de ruínas, mas não poupou críticas quando Mussolini derrubou quarteirões inteiros para transformar Roma no espetáculo visual com seu legado romano. Como ele via na arquitetura um papel simbólico forte para seu plano de construção para o país, Mussolini apoiou a prática, a organização e o ensino da profissão. Ainda que muitos arquitetos não concordassem com o fascismo, se viram coexistindo com o regime. Com Lina não foi diferente, que para sobreviver acabou escrevendo artigos sobre decoração e estilo praiano enquanto a Itália era bombardeada pelos Aliados.

Em 1943 acabou conhecendo o jornalista, marchand e crítico de arte Pietro Maria Bardi (1900-1999), com quem se casou em 1946. O casal chegou ao Brasil naquele mesmo ano, quando conheceram Assis Chateaubriand (1892-1968), proprietário do conglomerado de mídia Diários Associados e grande apoiador e financiador do trabalho do casal, que se estabeleceu em São Paulo com objetivo de criar uma instituição cultural e artística. Coube a Lina a adaptação do prédio dos Diários Associados, no centro da cidade, para acolher a primeira sede do Masp, confinado a um dos andares do edifício.

Lina defendia que a casa não é um cenário teatral deestinado a satisfazer impulsos de ostentação, mas um lugar para prover necessidades humanas.

Página 151

Eu conhecia o nome de Lina, mas não tinha conhecimento profundo sobre sua vida e sobre sua obra. Esta biografia fornece um mergulho profundo e íntimo em sua vida, seus pensamentos, seus conflitos e obras, onde o autor não poupa suas críticas, nem deixa de fora alguns pensamentos radicais de Lina. Eu sabia sobre o Masp e o Sesc Pompeia, mas desconhecia completamente que sua Casa de Vidro foi o primeiro projeto a ser erguido no novo bairro do Morumbi, para onde o casal Bardi se mudou e hoje abriga a sede do Instituto Bardi.

Lina teve uma trajetória acadêmica bastante breve, tendo dado aulas na USP e na Universidade Federal da Bahia. Aliás, Lina dirigiu o Museu de Arte Moderna da Bahia (Mamb) e estabeleceu uma longa relação com Salvador e sua classe artística. Infelizmente, devido ao golpe militar de 1964 e várias divergências com as autoridades do estado, ela teve que retornar a São Paulo. Deixou muitos escritos, com artigos publicados em várias revistas, onde desenvolveu seu pensamento e teceu críticas ácidas.

Lima fala com profundidade sobre os projetos de Lina, principalmente o Masp. Quando ela chegava para inspecionar a construção, o mestre de obras gritava pra equipe: a mulher chegou! Pietro ajudara a criar o Masp que agora vinha para sua sede definitiva na Avenida Paulista. Para Lina, o Masp não era um monumento extravagante e autoritário, mas sim uma instituição aberta para a cidade, tanto em termos físicos quanto sociais. Ela queria um museu e um centro cultural que transformasse uma região conhecida por ter sido o lugar de diversão das elites. Como será que Lina se sentiria ao ver as manifestações e passeatas que se reúnem no vão livre do Masp hoje em dia?

A leitura foi bem agradável, ainda que possa caminhar a passos lentos em alguns momentos, com longos capítulos subdividos. O autor foi bastante detalhista e preciso em sua pesquisa, com muitas fontes e notas de rodapé no final do livro, mas confesso que se a nota não estiver, de fato, no rodapé, eu fico com preguiça de ir lá no final do tempo todo procurar uma anotação. Há fotos em preto e branco de várias fases de Lina ao longo da vida, inclusive criança e adolescente. Praticamente não há erros de revisão ou diagramação no livro que foi traduzido por Cristina Fino e Teté Martinho, em colaboração com o autor.

O Brasil e sua desesperadora realidade (...) precisam mais de planejamento do que de arquitetura.

Página 284

Obra e realidade
Lina era vista como mulher difícil, irascível, excêntrica. Por não seguir padrões, nem modelos engessados e modismos, é de se entender porque ela era vista assim. Além de ser estrangeira e mulher numa sociedade nacionalista e machista, também era casada com um sujeito tido como polêmico. Quantas mulheres são ainda hoje consideradas da mesma forma apenas por que se recusam a entrar nos moldes rígidos da sociedade? Na arquitetura, também era vista como alguém que transgredia as regras, ao usá-la para transformar o mundo, de ver o projeto arquitetônico como algo voltado para o humano.

Zeuler R. Lima

Zeuler R. Lima é arquiteto, artista, designer, pesquisador e professor da Universidade de Washington, em Saint Louis. Escreveu vários artigos e livros sobre Lina Bo Bardi.

PONTOS POSITIVOS
Dados e fatos sobre Lina
Fotos em preto e branco
Muitas fontes
PONTOS NEGATIVOS

Leitura pode ser meio devagar

Título: Lina Bo Bardi: O que eu queria era ter história
Título original em inglês: The Weary Goddness: Biography of Lina Bo Bardi
Autor: Zeuler R. Lima
Tradutora: Cristina Fino e Teté Martinho, em colaboração com o autor
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 456
Ano de lançamento: 2021
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Avaliação do MS?
Foi bem interessante notar que Lina odiava fazer autopromoção, mas buscava reconhecimento e validação das outras pessoas. A leitura me fez sentir que Lina lutava contra vários sentimentos ambíguos ao longo da vida, desde sua infância e adolescência em Roma, até seus últimos anos. Alguém que lutava contra amarras de uma sociedade que não parecia pronta para ter alguém com suas ideias e posturas. Posso até não concordar com todas as suas afirmações e posicionamentos, mas sem dúvida foi uma leitura vibrante de um livro praticamente perfeito. Leitura mais que essencial e uma forte recomendação para você ler também!

Até mais !

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