Admito que o primeiro livro de Yangsze Choo foi uma leitura apenas OK. Achei bem escrito e gostei do fato de não ser um enredo que se passe nos Estados Unidos. Mas achei a execução bem morna, sem nada que distinguisse o livro em minha memória. Mas A Noite do Tigre foi diferente. Este é daqueles livros em que você não consegue parar de virar as páginas, imersa nas matas da Malaia tal como um tigre em busca da presa.
O livro
Acompanhamos a jornada de dois protagonistas improváveis: Ren, um garotinho órfão que trabalha na casa de um médico excêntrico, e uma jovem chamada Ji Lin que sonha em ser médica, mas que por ser mulher é impedida de estudar. Estamos nos Estados Federados Malaios, nos anos 1930. No começo você não sabe muito bem como esses dois vão acabar se encontrando, mas acompanhar seus enredos já é bastante recompensador, pois são personagens bem escritos com vidas interessantes que te prendem desde o começo.
Ji Lin e sua mãe viveram sozinhas por um tempo, até que a mãe se casou novamente com um inglês muito sério e pouco atencioso. Ele já tinha um filho, Shin, mas a família não vive uma relação harmoniosa. Pai e filho visivelmente não se dão bem, com uma tensão crescente sempre que estão próximos e Ji Lin sente que a mãe sofre com abusos da parte dele, sem poder fazer nada para impedir. E o pior: sua mãe contraiu várias dívidas no salão de mahjong e Ji Lin precisa juntar dinheiro e quitar tudo sem que ninguém saiba.
Ji Lin e Ren seguram boa parte do enredo separadamente e Ji Lin, em especial, é uma grande protagonista, uma moça determinada, que trabalha oficialmente em um ateliê de costura, mas que para ajudar a mãe dança em um salão duas vezes na semana. Em 1930 esse tipo de ocupação seria visto como um sinônimo de prostituição, então Ji Lin não conta a ninguém o que vem fazendo.
Ren é outro personagem cativante, um menininho órfão que tem uma estranha missão: ele precisa encontrar o dedo perdido de seu antigo mestre em um prazo de 49 dias depois da morte deste. Segundo a tradição local, o corpo precisa ser enterrado inteiro. Essa incumbência levará o menino a trabalhar na casa de outro médico e a ter sonhos estranhos, que o levam a um lugar onde ele vê seu irmão. Em algum momento, os caminhos de Ren e Ji Lin se cruzam, mas até lá o enredo não fica lento nem se perde, você gosta de virar as páginas e acompanhar suas vidas.
Dizia-se que um tigre que tivesse devorado muitos humanos seria capaz de assumir a forma de um homem e caminhar entre nós.
Página 77
Os Estados Federados Malaios era - e a Malásia ainda é - um lugar multicultural, com indianos, chineses e malaios, além da herança cultural deixada pela dominação inglesa na região. Esse imenso caldeirão de etnias e culturas é o ambiente de Ren e Jin Li e a autora usou muito bem o misticismo e as lendas da região para compor o enredo e influenciar os personagens. É tudo muito rico e bem descrito, seus personagens são irritantes, apaixonantes, cruéis e maravilhosos.
Algumas coisas me incomodaram, porém. Primeiro, há um certo romance totalmente descabido no livro que não faz a menor falta que se revela lá perto do final. Sem ele o enredo continua funcionando, então acho que foi apenas pelo choque de colocá-lo na história. Para mim não rolou. Segundo problema, você termina com a clara impressão de que vai haver uma continuação, pois parece que a autora não finalizou o livro. E o terceiro problema foi a revisão falha da DarkSide. Tem palavras demais, palavras de menos, falta de concordância e letras batidas ou não batidas em alguns lugares. Duas revisoras deixaram passar erros básicos e isso incomodou muito.
A edição da DarkSide é lindíssima, com um belo trabalho gráfico e pintura trilateral. A capa tem acabamento macio e o livro tem fitilho para marcar páginas. A tradução foi de Aline Naomi e está muito boa.
A pior parte da morte é esquecer a imagem da pessoa amada. É o último roubo, a última traição.
Página 49
Obra e realidade
Todos conhecem a lenda do lobisomem, certo? Uma pessoa é ferida por um e acaba se tornando uma criatura feral nas noites de lua cheia. Na Malásia, por sua vez, é o contrário. É uma fera que usa a pele de um ser humano e ataca na mata. As duas lendas mexem com a questão da mudança de forma e de natureza, de fera para humano e de humano para fera, evidenciando nossos instintos mais primitivos e violentos. Mexem também com a questão da dualidade, com o poder que o ser humano tem de ser tanto bom quanto ruim.
Yangsze Choo é descendente de malaios. Formou-se na Universidade de Harvard e ocupou vários cargos corporativos antes de escrever seu primeiro romance, A Noiva Fantasma. Yangsze adora comer e ler, e faz as duas coisas ao mesmo tempo com frequência. Ela mora na Califórnia com seu marido e filhos, além de um coelho.
PONTOS POSITIVOS
Malaia
Bem escrito
Ji Lin
PONTOS NEGATIVOS
Romance
Revisão falha
Final em aberto
Malaia
Bem escrito
Ji Lin
PONTOS NEGATIVOS
Romance
Revisão falha
Final em aberto
Avaliação do MS?
Ainda que algumas coisas tenham me desagradado no livro, foi uma leitura muito gostosa e muito boa. Ji Lin e Ren te seguram do começo ao fim e você se afeiçoa a eles e quer acompanhá-los. O mistério do tigre te embala pelas matas da Malaia, enquanto os personagens se envolvem com o misterioso dedo perdido. Quatro aliens para A Noite do Tigre e uma forte recomendação para você ler também!
Até mais! 🐅
Já que você chegou aqui...

Comentários
Postar um comentário
ANTES DE COMENTAR:
Comentários anônimos, com Desconhecido ou Unknown no lugar do nome, em caixa alta, incompreensíveis ou com ofensas serão excluídos.
O mesmo vale para comentários:
- ofensivos e com ameaças;
- preconceituosos;
- misóginos;
- homo/lesbo/bi/transfóbicos;
- com palavrões e palavras de baixo calão;
- reaças.
A área de comentários não é a casa da mãe Joana, então tenha respeito, especialmente se for discordar do coleguinha. A autora não se responsabiliza por opiniões emitidas nos comentários. Essas opiniões não refletem necessariamente as da autoria do blog.