Resenha: O Jardim Secreto, de Frances Hodgson Burnett

Um dos grandes clássicos infantis ganhou uma edição primorosa da Zahar! O Jardim Secreto foi e ainda é adaptado para as mais diferentes mídias ao longo das gerações que acompanharam as aventuras de Mary Lennox nos jardins da Mansão Misselthwaite. O filme de 1993, direção de Agnieszka Holland e produção executiva de Francis Ford Coppola é um dos meus favoritos e eu estava bem ansiosa para começar essa leitura!


Parceria Momentum Saga e Editora Zahar

O livro
Mary Lennox é uma garotinha emburrada e infeliz. Ela morava na Índia, sem receber amor dos pais, até que a tragédia se abate sobre sua casa. Seu único parente vivo é um tio, na Inglaterra, lugar que Mary nunca viu e que já odeia profundamente antes mesmo de chegar. Diferente da quente e abafada Índia, o que ela encontra na Inglaterra é chuva, neblina e frio. E muita gente estranha, com um falar engraçado, o que nós chamaríamos de "caipiras".

Resenha: O Jardim Secreto, de Frances Hodgson Burnett

Mary é uma criança insuportável, até porque ela foi criada por aias na Índia que eram obrigadas a fazer todas as suas vontades. Na mansão ela não tem aias, apenas uma criada, Martha, que é a responsável por trazer suas refeições. Mary precisa aprender a se virar sozinha pela primeira vez na vida e isso é assustador, ainda que ela não admita. A casa é imensa, com mais de 100 quartos, cheia de mistérios, inclusive seus jardins. Mary se sente muito sozinha e, sem ter o que fazer, acaba perambulando pelos jardins da mansão.

É inevitável fazer comparações ao filme que eu gosto tanto. Existem diferenças pontuais no enredo de ambos, mas basicamente o que muda é a mensagem. Enquanto no filme você percebe que o enredo é a jornada de Mary em crescer, evoluir, ser amada e passar a amar as pessoas por conta do trabalho no jardim, no livro a mensagem é um fruto de sua época. Na Era Vitoriana havia o mito de que o ar puro do campo fosse capaz de curar as pessoas das mais diferentes enfermidades e que o contato com a natureza fosse capaz de fortalecer as pessoas.

Essa mensagem permeia o livro a todo momento como a fome de Mary aumentar quando ela passa boa parte do dia fora da mansão. Ocorre o mesmo a Colin, que passa de um menino doente a um garoto forte e vigoroso depois que ele entra no jardim e passa a trabalhar lá com Dickon e Mary. Dickon lembra muito a figura de Pã, com sua flauta, seu contato com a natureza, sua forma de conversar com os animais. O jardim secreto é o vetor de mudança de toda uma família e as pessoas ao redor, enquanto que o filme foca mais na jornada de Mary e na sua mudança.

Respirar o ar da charneca e lutar contra o vento havia não só aberto seu apetite e agitado seu sangue, mas também estimulado sua mente.

Página 99

O Jardim Secreto clama por uma comunhão entre as pessoas e a natureza. Não somos dissociados dela, nós fazemos parte dela. Sem querer, Frances introduziu na literatura a preocupação com o meio ambiente como forma de salvar nossa própria espécie. Há também a questão dos pensamentos e de como o nosso emocional influencia o físico, de como o poder da mente e do pensamento pode alterar o mundo em que vivemos. Para a época em que foi escrito, isso era bastante inovador.

No livro conhecemos melhor os personagens, inclusive o Sr. Craven, a Sra. Medlock, tão autoritária quanto no filme, e a família de Martha, a criada que acaba cuidando de Mary em tempo quase integral. Sua família acaba próxima de Mary por ter tantas crianças e por sua mãe cuidar sozinha de todas elas, dando dicas até mesmo à Medlock. E não podemos esquecer do passarinho, o pisco! Ele tem sua importância acentuada no livro, enquanto no filme ele acaba como um personagem secundário.

Um aspecto negativo do livro e que foi diluído no filme é o racismo dos personagens. Quando se refere aos indianos, Martha sempre usa "negros" em um tom pejorativo. Mary ficava possessa quando Martha a comparava com os "nativos" e tem uma crise de birra assim que chega à mansão. Entendo que este era o pensamento de muitos na época, mas o assunto poderia ter sido tratado em uma nota explicativa no livro, o que não tem.

A edição da Zahar está lindinha demais, em capa dura e com um belo trabalho gráfico nas contracapas. Há uma introdução contando um pouco sobre a história da autora e depois uma que trata dos principais temas da obra mais conhecida de Frances. A tradução de Liliana Negrello e Christian Schwartz está ótima, adaptando o "caipirês" dos moradores das charnecas muito bem.

Obra e realidade
O livro também tem um ar de crítica à Revolução Industrial. Se a natureza regenera e devemos manter contato com ela, significa que as pessoas nas cidades estão adoecendo, longe do contato com o natural. Sabemos o quanto a poluição faz mal, seja ela atmosférica, auditiva, seja a sujeira no meio ambiente. Ao mostrar as grandes e verdejantes charnecas do interior, seus jardins, as horas e pomares, a autora reitera o quanto o ar do interior é benéfico, o quanto esse ambiente é bom para as pessoas, já que Mary e Colin se tornaram fortes e comilões. Era uma forte mensagem e uma crítica aos meios urbanos insalubres da virada do século.

Frances Hodgson Burnett

Frances Hodgson Burnett foi uma escritora e dramaturga inglesa, muito conhecida por seus livros infantis.

Pontos positivos
Mary, Dickon e Colin
Martha
Bem escrito
Pontos negativos
Racismo



Título: O Jardim Secreto
Título original em inglês: The secret garden
Autora: Frances Hodgson Burnett
Tradutores: Liliana Negrello e Christian Schwartz
Editora: Zahar (edição bolso de luxo)
Ano: 2020
Páginas:352
Onde comprar: na Amazon!


Avaliação do MS?
Foi uma ótima leitura. Sabia de tudo o que acontece por causa do filme, mas foi muito gostoso retornar ao jardim e conhecer melhor os personagens. A mensagem do livro se mantém atual, de que devemos cuidar melhor da natureza, já que fazemos parte dela, que não dá para dissociar uma coisa da outra. Quatro aliens para o livro e uma forte indicação para você ler também!




Até mais! 🌼

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Comentários

  1. Menina, eu li a versão da Penguin/Companhia das Letras. Gostei bastante do que li, mas me incomodou muito a questão do racismo, em especial não lembro de ter visto nenhuma menção a isso nos textos de apoio. Apenas menciona que Mary tinha internalizado o sistema colonial inglês quando cita o tratamento com os criados da Índia e nada mais a respeito. Confesso que essa falta me decepcionou. Esse ponto sobre racismo precisava de uma abordagem.

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    1. Pois é. O livro tem uma introdução tão boa, mas não aborda essa questão e precisava de uma notinha falando disso.

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