Esse é um livro que dá para utilizar em sala de aula tranquilamente para poder discutir racismo, violência policial e preconceito com a molecada. Não só os temas tratados nele são essenciais para nossos tempos, como o enredo tem personagens cativantes e que te prendem até a última página. Li em poucas horas, incapaz de parar de virar as páginas.
O livro
Justyce é um rapaz negro que está tentando mudar de vida através dos estudos. Aluno dedicado, ele conseguiu uma bolsa em um colégio de elite e sente a pressão por ser um dos poucos alunos negros da instituição. Vindo de um bairro pobre, onde jovens semelhantes a ele se envolveram com gangues, Justyce tenta dar o seu melhor para mudar o mundo e a forma como as pessoas o veem. Mas quando o racismo começa a mostrar suas garras nas falas e atitudes dos colegas, ele percebe que por mais que lute e que tire notas boas, a cor de sua pele sempre será um fator para defini-lo.Na tentativa de ajudar a ex-namorada bêbada, Justyce é preso injustamente e esse episódio de violência policial lhe mostra que não dá mais para fingir que não tem nada acontecendo. Eis então que surge um projeto em sua cabeça: escrever cartas para Martin Luther King Jr., um dos maiores ativistas negros dos Estados Unidos e do mundo, um símbolo na luta contra a segregação. Justyce quer saber o que ele pode fazer para mudar as coisas. O que Martin faria em seu lugar?
Temos então capítulos alternados com as cartas de Justyce para Martin conforme ele tenta entender seu lugar no mundo. Estudando numa escola de elite, Jus chegou a pensar que pudesse se igualar aos colegas, mas ele logo percebe que não é bem assim. Em uma das aulas de debates da turma, o assunto fala sobre igualdade racial, Justyce percebe que o abismo é ainda mais fundo do que achava. Um de seus colegas, Jared, que é branco, defende totalmente a meritocracia e está cheio de argumentos para provar que não existe mais racismo no país.
Pode até não haver mais bebedouros separados para as pessoas ❝de cor❞, e racismo hoje em dia é crime, mas, se eu ainda posso ser forçado a sentar no chão de concreto com algemas apertando meus pulsos mesmo sem ter feito nada errado, é bem óbvio que temos um problema.
Página 21
Esses diálogos de Jared tentando provar que racismo não existe e que brancos e negros podem competir em pé de igualdade são absurdos, mas infelizmente muitos ainda replicam esse pensamento de que é só "pensar positivo e lutar" que se consegue tudo na vida, desconsiderando uma série de questões sociais e econômicas, a educação pública falha, a violência policial. Justyce sabe disso e sua colega de debates também, mas ele se enerva com Manny, amigo de longa data, que aguenta as piadas racistas dos colegas com um sorriso e não reclama da forma como é tratado.
Esse debate inicia uma série de discussões raciais na cabeça de Justyce, mas acaba refletindo em sua vida, pois Jared parece determinado a provar a todos que o mundo é feito da mais pura igualdade racial entre brancos e negros. Aliás são algumas das partes mais horríveis do livro, um branco querendo ensinar aos amigos negros o que é racismo. E quando Justyce entra em uma grande e respeitada universidade, onde Jared fica na lista de espera, aí é chorume racista pra cima e pra baixo, com Jared querendo dizer que foi injustiçado por ficar numa fila de espera, pois Justyce teria sido "beneficiado". É de embrulhar o estômago, de querer sentar a porrada nesse moleque até algum senso entrar nessa cabeça.
A leitura é muito rápida. Quando eu menos esperava, o livro acabou. Mas isso não quer dizer que ele não tenha conteúdo. Tem e muito. As discussões nunca acabam, pois o racismo faz parte da estrutura social, política, educacional, judiciária. Esse é o maior questionamento de Justyce, pois para que ele segue agindo certo, querendo ser alguém melhor, quando o mundo sempre vai fazê-lo se lembrar de que ele é negro? E que por isso o mundo o julga como sendo um cidadão de segunda classe? Temi por Justyce quando ele começa a duvidar de si e de suas capacidades, de quem é e fiquei pensando quantos rapazes negros também não se viram com o mesmo dilema.
- Sei bem que você tá tentando vencer na vida, Justyce, mas já tá na hora de encarar a realidade. Os brancos não têm o menor respeito pela gente, cara. Muito menos a polícia. ❝Proteger e servir❞ só os interesses deles.
Página 176
A tradução de Thaís Paiva está ótima, não encontrei problemas de revisão ou diagramação, que aliás está excelente, com fontes diferentes nos capítulos das cartas para Martin. Na capa também vemos algumas das frases que Justyce escreveu em suas cartas.
Obra e realidade
Qualquer jovem negro vai se identificar facilmente com as discussões levantadas pela autora. E qualquer branco mais atento ao racismo da sociedade e ao seu próprio vai notar as injustiças e os discursinhos meritocráticos de que racismo não existe, que é mimimi, que é só querer, ir lá e conseguir. Como um negro pode competir com brancos quando já começa em desvantagem? Que mesmo que se faça tudo certo, a cor da pele vai ser vista como uma definidora de caráter? Não é só a sociedade que vê pele dessa forma, o judiciário também, como o livro e as notícias diárias nos mostram. Infelizmente, o caminho ainda é muito longo e há muito o que percorrer.Andrea Nicole Livingstone, conhecida como Nic Stone, é uma escritora best-seller do New York Times de ficção para jovens adultos. Natural de Atlanta, Cartas para Martin é seu livro de estreia.
PONTOS POSITIVOS
Justyce
As cartas
Discussão sobre racismo
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Justyce
As cartas
Discussão sobre racismo
PONTOS NEGATIVOS
Violência
Avaliação do MS?
Essa foi uma das melhores leituras do ano. Um livro que trata de maneira muito direta um dos grandes problemas sociais do mundo. A autora não se vale de metáforas, nem esconde nada. Por isso acho que seria um excelente livro para se trabalhar nas escolas e é uma leitura indicada para qualquer faixa etária. Tem muito adulto precisando ler livros como esse. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!Até mais!
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