Fernanda Montenegro é um dos grandes patrimônios culturais e artísticos deste país, cuja cultura já é tão combalida e repelida pelos ignorantes. Indicada ao Oscar, dama dos palcos, rádioatriz, Arlette é neta de imigrantes agricultores e operários, mulher que hoje representa a resistência da cultura e da classe artística frente aos ataques constantes do desgoverno atual. Em colaboração com Marta Góes, escritora, Fernanda/Arlette volta ao passado, nos mostra fotos de família, e analisa 70 anos de carreira.
O livro
No meu aniversário [de 18 anos] não houve festa. Só lágrima. Naquela jovem que se tornava adulta já estava, inteira, esta mulher de noventa anos que hoje sou.
Página 80
Entre julho de 2016 e novembro de 2017, a escritora Marta Góes fez 18 entrevistas com Fernanda e o resultado transcrito se tornou este livro que é curto para tanta história de vida da atriz. Não é apenas uma história pessoal de Arlette, mas é também um retrato e uma história do teatro, cinema e televisão brasileiros.
Sua vida começa na imigração europeia, com uma família italiana, de sua avó materna, vinda da região da Sardenha, contratados para trabalhar em uma fazenda de café. Fizeram a travessia longa de navio e chegaram em 1897. Com uma propaganda de enriquecimento rápido no Brasil, aliado à desesperança geral para os pobres da Europa (e aliado ao desejo brasileiro de embranquecer a população após a abolição), muitos europeus do interior de seus países atravessaram o Atlântico. E a vida daqueles imigrantes foi marcada por várias provações e falta de dinheiro.
Idas e vindas fez a família de sua avó se instalar em Copacabana, onde havia terrenos baratos à venda e lá teve 8 gestações, sendo que apenas duas bebês sobreviveram, Carmen, mãe de Fernanda e Valentina. Aliás, Fernanda guarda muitas lembranças de sua avó, grande companheira da infância, mulher forte que ficou viúva muito cedo, perdendo o marido de apenas 33 anos para a tuberculose. Sozinha na casa e com duas crianças pequenas, às vezes ouvia gente tentando forçar a porta nas madrugadas e assim fingia que o marido estava vivo, dizendo "Pedro, tem gente aí, Pedro!"
A perda da avó marcou o início de sua vida adulta, uma passagem com lágrimas e sem festa. Aos 15 anos, estudando secretariado, ouviu no rádio uma chamada para participar do Radioteatro da Mocidade. Arlette saiu do subúrbio, foi para o centro do Rio de Janeiro, chegando no pequeno prédio da Rádio MEC, que promovia o concurso para despertar jovens talentos para o radialismo. Este foi seu primeiro emprego. Junto de colegas da rádio, ela começou a frequentar um grupo de teatro e então tinha nascido a Fernanda Montenegro.
Com muita sensibilidade e inteligência, muita maturidade e amor nas palavras é que Fernanda conduz sua narrativa. É um livro pequeno para 90 anos de vida, 70 anos de carreira e 60 anos de casamento com Fernando Torres, um parceiro e marido, amigo e pai de seus filhos, com quem trabalhou lado a lado por tanto tempo. É também um álbum de retratos. Muitas fotos da família e de seus antepassados, muitos retratos de um tempo, de eventos, de momentos. A presença constante dos filhos até a idade escolar chegar, a vida na estrada seguindo palcos e cenários.
Uma resenha não consegue abarcar toda a história do livro. É uma leitura, porém, muito tranquila. Você não tropeça ou para por ser um texto truncado e difícil de acompanhar. É como um diário que Fernanda lê conosco e é difícil não ouvir sua voz quente e rouca enquanto lemos. Apesar de parecer um calhamaço a letra é maior do que o normal, passando a impressão de ter muito texto. Intercalados com as fotos, o livro acaba sendo muito pequeno, uma fração da vida de Fernanda, ou apenas aquilo que ela decidiu compartilhar com a gente.
Com capa macia e papel encorpado, o livro está bem escrito e diagramado. Tem fotos coloridas e em preto e branco pelo miolo e não encontrei grandes problemas de revisão. No final temos uma relação de trabalhos e prêmios, bem como um índice remissivo para se encontrar temas facilmente.
O palco deu a mim e a Fernando um campo neutro. É evidente que houve muitas crises destrutivas. Avassaladoras. Devastadoras. Para ambas as partes. E continuamos. Por que continuamos? Tenho muito pudor de dizer a palavra ❝amor❞. Mas que outro sentimento explicaria o mistério de, num olhar, nós percebermos que não chegaríamos a ninguém igual?
Página 96
Obra e realidade
Uma frase diz que uma autobiografia pode mentir, mas a ficção desnuda completamente um autor. Acho que no caso de Fernanda, se quisermos de fato conhecê-la, devemos é assisti-la. Ver seus movimentos no palco, ver suas expressões nas falas e a expressão corporal ao executar uma cena. Nada desnuda mais um artista. O livro é também um manifesto de resistência contra o desmonte da cultura no país, área que sempre aparece por último na pasta de qualquer governo, junto de ciência e tecnologia. A situação sempre foi precária e esse livro apenas demonstra que foi o trabalho árduo dos artistas que profissionalizou e o manteve até hoje e manterá mesmo diante dos ataques.Fernanda Montenegro é carioca, uma das grandes atrizes brasileiras, reconhecida nacional e internacionalmente, com diversos prêmios.
PONTOS POSITIVOS
Fernanda
Fotos
História do teatro e da televisão
PONTOS NEGATIVOS
Nenhum!
Fernanda
Fotos
História do teatro e da televisão
PONTOS NEGATIVOS
Nenhum!
Avaliação do MS?
Não dá para dizer tudo o que você vai sentir ao ler esta biografia. Seja você fã, seja atriz, seja estudiosa das artes cênicas, é um livro para todo o público. Com um amor sagaz pela profissão e pela vida, Fernanda abriu o coração e a memória em várias passagens. O amor pelos filhos e netos, pela história de sua família, pelos palcos e pelo marido, um amor eterno pela luta da classe artística, um amor por viver outras vidas. Um grande livro, uma leitura obrigatória!Até mais!
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