Essa foi uma das leituras mais impactantes que já fiz. Vi o livro sendo indicado em uma lista de leitura uns meses atrás e quando comecei a ler, não conseguia mais parar de virar as páginas. Kate Moore fez uma brilhante pesquisa histórica ao resgatar as vidas, dramas e dores das mulheres que morreram no começo do século XX depois de trabalharem para uma fábrica de relógios.
O livro
Apesar dos horrores que o mundo viveu por conta da Primeira Guerra Mundial, o clima geral é de otimismo para muitas moças naquela época. Elas estão tendo acesso ao mercado de trabalho formal e empresas como a United States Radium Corporation começou a contratar moças jovens e dispostas para um trabalho que parece bastante banal: pintar mostradores de relógios. Desde que Marie Curie descobriu o rádio que o mundo se maravilha com este elemento que brilha no escuro em um hipnótico tom de verde.Essas moças podiam tirar o equivalente a 240 dólares por semana apenas pintando os mostradores. Usando pincéis finíssimos, elas tinham que molhar o pincel na tinta e delicadamente delinear os números em mostradores que variavam de tamanho. Quanto menor o relógio, mais fino tinha que ser o pincel. Mas esses pincéis costumavam ser muito grossos para o trabalho que elas deviam executar. Para que eles ficassem do tamanho correto a fim de não desperdiçar tinta e não borrar os números, essas moças - com idades que variavam entre 11 e 24 anos - molhavam o pincel na boca, depois na tinta, em seguida pintavam os numerais, em um processo que se repetia dezenas de vezes ao dia.
O rádio era o elemento queridinho da época. Seu brilho hipnótico fazia as moças das fábricas brilharem dos pés à cabeça depois de um dia de trabalho. Ele era usado em quase tudo, de tônicos a pastas de dentes. Era vendido como um turbinador de saúde, então havia todo tipo de produto à venda com rádio diluído nele. Era uma verdadeira febre nos Estados Unidos... mas não na Europa, onde os riscos à saúde com o manuseio sem proteção do rádio já eram bem conhecidos. Os donos das fábricas nos EUA também sabiam dos riscos. Quem não sabia eram as moças que ingeriam grandes quantidades de rádio todos os dias na confecção dos mostradores.
O cético diria que havia apenas uma razão pela qual um especialista de alto nível finalmente assumiu a causa [das moças]. Em 7 de junho de 1925, o primeiro funcionário do sexo masculino da United States Radium Corporation morreu.
(tradução livre)
Muitas dessas moças eram o arrimo da família. Elas levavam irmãs e primas para trabalhar nas fábricas, sem saber que estavam se envenenando aos poucos. O rádio tem uma natureza química semelhante a do cálcio. Quando ingerido, ele acaba se instalando nos ossos e dentes, tal como o cálcio faria. Com o tempo, os corpos dessas mulheres acumularam tanto rádio que ele impedia a absorção de cálcio. Consequentemente, os primeiros problemas foram dentários. Em um determinado caso, o dentista arrancou o dente e metade da mandíbula de uma pobre moça que foi buscar ajuda.
Tumores na boca, nas costas e nos joelhos, dificuldade para andar, comer e falar, anemia profunda, necrose de tecidos e pústulas abertas eram alguns dos problemas que aquelas mulheres tinham que enfrentar por conta do rádio. Como a comunidade médica e a sociedade achavam que o rádio era a oitava maravilha do mundo, ninguém suspeitou que ele pudesse estar atrás das mortes das moças. Não só isso, a lei trabalhista beneficiava patrões e suas fábricas, não os trabalhadores. Se hoje os Estados Unidos possuem uma legislação que proteja a saúde de seus trabalhadores, foi porque essas moças se juntaram e começaram a processar as fábricas que lhes deixaram doentes.
Foi um longo caminho de luta e de pressão para mudanças nas leis para que os trabalhadores fossem protegidos em seus locais de trabalho. Elas sabiam que estavam com seus dias contados, mas fariam o que fosse necessário para que outras pessoas não morressem. Algumas famílias foram à falência pelo custo do tratamento médico delas em um país que não tem saúde pública gratuita. Médicos não sabiam como tratar suas pacientes, já que nunca tinham visto um conjunto de sintomas como aquele. E claro, a ganância dos empresários, que alegavam que a tinta usada nos relógios era segura. Se as moças estavam morrendo era porque tinham saúde ruim. A primeira a morrer teve no atestado de óbito a causa descrita como "sífilis".
Não foi fácil passar por certos momentos do livro. A autora não poupou palavras para descrever toda a dor que elas passaram. Seus corpos começaram a se voltar contra elas. As dores eram excruciantes. A anemia era avassaladora e os médicos não conseguiam determinar o que todo aquele conjunto de sintomas significava. Desde sífilis a envenenamento por fósforo, elas percorreram um longo caminho de sofrimento até que, finalmente, alguém resolvesse investigar as mortes. Uma pena não ter este livro em português.
O que essas garotas conseguiram foi surpreendente: uma realização inovadora, transformadora de leis e que salva vidas.
(tradução livre)
Obra e realidade
Sabe aquele papo de que se o patrão não precisar pagar tantos encargos trabalhistas, os salários no geral aumentariam? Ou que se os direitos trabalhistas forem afrouxados, a oferta de empregos aumentará? Acho que o caso das moças envenenadas por rádio no início do século XX é uma excelente amostra de que empresários estão CAGANDO para a saúde do trabalhador.Se não houver uma legislação forte que proteja os direitos do trabalhador, nenhuma empresa do mundo vai fazer isso pela pureza de seu coração. Empresas visam apenas o LUCRO. O bem-estar social de seus empregados não é prioridade. É justamente por casos como esses que a lei precisa proteger os trabalhadores ou eles farão o que a USRC fez nos anos 1920 ou a PG&E, que aparece em Erin Brockovich e que envenenou seus clientes durante décadas.
Kate Moore é uma escritora e atriz inglesa. Formada em Literatura Inglesa pela Universidade de Warwick, escreve nos mais variados gêneros, desde não-ficção até romances, além de trabalhar como ghostwriter. Antes de ser escritora em tempo integral, foi diretora editorial da Penguin Random House do Reino Unido.
PONTOS POSITIVOS
Bem pesquisado
Bem escrito
História das leis trabalhistas nos EUA
PONTOS NEGATIVOS
Não tem em português
Bem pesquisado
Bem escrito
História das leis trabalhistas nos EUA
PONTOS NEGATIVOS
Não tem em português
Avaliação do MS?
Uma pena não ter este livro traduzido em português. Li o ebook e simplesmente não conseguia mais parar de ler. Kate Moore fez uma pesquisa primorosa de um importante momento histórico, onde uma injustiça foi revertida em lei que protege ainda hoje milhares de trabalhadores nos Estados Unidos. Mesmo sabendo que estavam condenadas, elas buscaram justiça e mudaram as leis. É o tipo de história que não pode ser esquecida, precisa ser discutida e relembrada. Um filme sobre o caso está vindo por aí, já tendo sido exibido em festivais de cinema. Super recomendado e leitura obrigatória para você!Até mais!
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