Resenha: Para toda a eternidade, de Caitlin Doughty

Desde que li Confissões do Crematório que me tornei fã de Caitlin Doughty. Por causa dessa leitura comecei a repensar uma série de preconceitos que tinha e tabus que ainda tenho com relação à morte. Nossa sociedade medicalizou a morte, tornando um negócio milionário nos Estados Unidos, afastando-a de nossos olhos e nossas vidas. Não encarar a morte, nem viver seu luto, trazem consequências para nossa saúde mental, emotiva, e Caitlin é uma voz de mudança para este cenário. Neste novo livro, ela viajou o mundo em busca de diferentes ritos e formas de lidar com a morte e com os mortos.



Parceria Momentum Saga e
editora DarkSide


O livro
A morte se tornou um negócio muito lucrativo nos Estados Unidos. Uma família pode acabar endividada por vários anos apenas para enterrar um parente devido aos preços do mercado. Em cem anos nós mudamos a forma como os mortos são tratados, não só nos EUA, mas também no Brasil. As pessoas costumavam ser veladas em casa, já que também morriam em casa, com seus parentes lidando com a preparação do corpo, lavando-o, vestindo-o, passando pelos estágios do luto até o sepultamento. Em alguns rincões ainda pode ser assim, mas nos grandes centros urbanos, a morte é oculta. Celebramos o nascimento, mas ocultamos a morte e ficamos assim desconectados dela.

Resenha: Para toda a eternidade, de Caitlin Doughty

Falar sobre a morte já é um tabu. Uma vez comentei com a minha mãe que eu tinha o desejo de ser cremada quando morresse e ela me mandou mudar de assunto na hora, que eu era jovem demais para ficar falando a respeito. Justamente por não se falar a respeito que muitas famílias são pegas de surpresa quando a morte bate à porta. Por não se falar a respeito eu tinha uma série de tabus e desconhecimento a respeito que reavaliei ou abandonei por completo devido ao trabalho de Caitlin.

Acho que muita gente tem medo de atrair a morte se falar dela. Sabe aquela coisa de você mentalizar coisas positivas que coisas positivas acontecerão? Muitas pessoas devem pensar que mentalizar e falar da morte têm o mesmo efeito. E assim o assunto vira um tabu. Veja o quanto nos desconectados dos processos naturais e finais da vida. As pessoas muitas vezes morrem em hospitais, distantes da família, sozinhos, com a frieza hospitalar como companhia. Caitlin presenciou rituais em diversos locais do mundo - Austrália, Inglaterra, México, Alemanha, Espanha, Itália, Indonésia, Bolívia, Japão e o interior dos Estados Unidos - em que rituais antigos, novos e aliados à tecnologia são celebrados para essa desconexão seja a menor possível, para assim podermos viver o luto como se deve.

As funerárias ocidentais amam a palavra dignidade. A maior corporação funerária americana até patenteou a palavra. O que dignidade quer dizer na maioria das vezes é silêncio, uma postura forçada, uma formalidade rígida. Os velórios duram exatamente duas horas. Uma procissão segue para o cemitério. A família vai embora antes mesmo de o caixão ser baixado na cova.

Página 103

De todos os que li no livro, achei a pira comunitária do Colorado o ritual que eu escolheria para mim. Não foi fácil para os criadores da pira convencer a população, mas com o tempo as pessoas venceram os preconceitos e começaram a aderir. As pessoas se reúnem ao redor da pira, que é ao ar livre, coletivamente compartilhando sua tristeza, apoiando uns aos outros, falando sobre os feitos da pessoa que morreu, relembrando momentos felizes e celebrando sua vida agora que a morte tinha enfim chegado. É, taí um jeito de partir que me agradaria muito.

Das ñatitas na Bolívia ao hotel de cadáveres no Japão, muitos povos mostram maneiras diferentes de lidar com a morte. O columbário Ruriden, no Japão, por exemplo, onde se guardam restos cremados, aliou a tradição budista com a tecnologia num país em que quase 100% de sua população é cremada. Dois mil Budas começam a cintilar do chão ao teto, pulsando em azul vívido. Quando uma família visita o columbário, ela digita o nome do falecido ou pega um cartão magnético com chip. Depois de se registrar na entrada, as paredes de Budas se acendem em azul, mas um Buda específico fica branco, indicando o local dos restos do parente falecido.

Já na Indonésia, há um contato permanente e longo com os falecidos em algumas regiões. É comum conviver com a múmia do parente na casa, inclusive dividindo o cômodo com ela. Para o Ocidente isso é um absurdo, mas para eles é um absurdo você embalsamar um corpo e pagar milhares de dólares em um caixão, sendo que você nem ao menos vai ficar com o cadáver. Aliás convém não julgar culturas diferentes da nossa usando nossa cultura como base. Se você tem tabus a respeito da morte, os dois livros de Caitlin vão te ajudar a, pelo menos, repensar sobre eles.

A edição da DarkSide está lindíssima, com aquela perfeição demoníaca que gostamos tanto. A capa macia com detalhes em branco e azul contrasta com a capa branca e vermelha do primeiro livro. A brochura é pintada de azul e vem com a famosa fitinha azul para marcar páginas. As ilustrações de Landis Blair completam o livro com artes delicadas e bem colocadas na narrativa. A tradutora é a Regiane Winarski, tradutora do primeiro livro e está excelente. Tirando um erro que acredito ter sido de digitação, não encontrei outros problemas pelo livro.


Ficção e realidade
Em meus mais de trinta e tantos anos de vida, eu nunca fui a um velório. Minha mãe também não gosta de ir, ela prefere ter lembranças da pessoa em vida e não fria em um caixão. Entendo o pensamento e também concordo com a questão de pensar na pessoa em vida. Mas e no dia em que eu tiver que ir em um, como agir? Não sei se existe etiqueta em funerais. O luto precisa ser vivido, por mais doloroso que ele seja, pois precisamos passar pelas etapas e, principalmente, receber o apoio da comunidade, ser acolhida, para poder passar por ele. Muito se exige silêncio e contemplação. Os choros compulsivos, os gritos e desmaios são mal vistos. Por que? Exigir uma rigidez de sentimentos e emoções em um momento tão doloroso causa ainda mais mal à uma pessoa ou família tão tristes. Veja quantos elementos estão envoltos na morte em pleno século XXI, maltratando pessoas que apenas precisam de compreensão e acolhimento.

A autora, Caitlin Doughty
Caitlin Doughty.

Caitlin Doughty é uma agente funerária e escritora norte-americana. Mantém um canal no YouTube onde fala com bom humor sobre a morte e as práticas da indústria funerária. É criadora da web série Ask a Mortician, fundadora do grupo The Order of the Good Death (que une profissionais, acadêmicos e artistas para falar sobre a mortalidade) e também autora de Confissões do Crematório.

Pontos positivos
Capa dura
Morte sem tabus
Ilustrações e projeto gráfico
Pontos negativos

Preço
Acaba logo!

Título: Para toda a eternidade
Título original em inglês: From here to eternity
Autora: Caitlin Doughty
Tradutora: Regiane Winarski
Ilustrações: Landis Blair
Editora: DarkSide
Páginas: 224
Ano de lançamento: 2019
Onde comprar: na Amazon e na loja da editora DarkSide com marcador e caderno exclusivo!


Avaliação do MS?
Sempre me preparo psicologicamente para ler os livros de Caitlin e sempre me surpreendo e saio da leitura com o pensamento renovado. Com uma clareza e objetividade impressionantes, ela vai fazer você pensar nos seus tabus e medos a respeito deste que é um processo que impulsiona nossas vidas. Nós escrevemos livros, vamos a shows, nos apaixonamos, temos filhos, enfim VIVEMOS, porque um dia essa vida vai chegar ao fim. Por que então partir de modo frio e impessoal? Uma leitura maravilhosa e essencial para você!

Até mais! 💀


Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Nossa, não aguentava mais esperar pelo livro. Estava procurando na Amazon todo mês, desde o começo do ano (esse e o 3 da Becky Chambers :D)!!! Chega logo dia 8! rsrsrs
    Mas é engraçado mesmo a forma "pasteurizada" que nossa sociedade tem escolhido para lidar com a morte. Eu assistia "Six Feet Under", que eu adorava, mas sempre estranhei aquele ritual americano. Eu choro de fazer escândalo até quando morre meus bichinhos de estimação. E por vários dias! Pareço aquelas mamas italianas, de preto e fazendo aquele escarcéu. E sinceramente? Isso pra mim é bom, parece que ajuda a deixar a tristeza ir embora. A lembranças boas, não importa o que aconteça, estão sempre com a gente.

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    Respostas
    1. Pior seria você guardar toda a dor pra si em nome da falsa dignidade que tanto cobram das pessoas nos funerais. É um momento de luto, você precisa de apoio, não de ser julgado. Tá certíssimo sim em chorar e se descabelar, que se dane o que os outros pensam.

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  2. Falei sobre Confissões do Crematório no ig estes dias. A morte é um grande gatilho para a minha ansiedade e falar disso é muito complicado pra mim. Não só falar mas consumir e ler até resenhas do próprio livro. Na época a leitura foi muito boa, hoje vejo que talvez uma releitura me ajudasse numas questões recentes.
    Vou fazer uma leitura conjunta de Para Toda a Eternidade e tentar compartilhar isso com pessoas que possam se identificar com meu "problema" e de quebra, me ajudar também!
    Beijos

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