O elogiado livro de Jason Reynolds chegou ao Brasil pelas mãos da editora Intrínseca. Quem assina o Clube Intrínsecos recebe novidades e lançamentos em primeira mão, em livros colecionáveis e uma deliciosa revista que nos prepara para a obra em questão. Admito que estava receosa de ler um livro todo em versos, mas foi uma agradável surpresa e uma leitura muito pertinente.
O livro
William Holloman, ou Will para os amigos, mora com a mãe e o irmão mais velho, Shawn em um bairro pobre, marcado pela violência contra jovens negros. Então um dia a vizinhança ouve tiros. E no momento seguinte Shawn está estirado no chão, morto. A dor é imensa, tão grande que transborda, que sangra, como um dente arrancado, onde você passa a língua o tempo todo, sentindo apenas o espaço vazio, sabendo que ali deveria ter um dente.
Pra quem não tá ligado,
tiro deixa todo mundo
cego e surdo por um tempo
ainda mais quando tem alguém
morto
Página 27
Ele então fixa uma ideia em sua mente: a única coisa capaz de aplacar sua dor é a vingança. Ele tem certeza de que conhece o assassino de seu irmão e parte para matá-lo, tal como ele fez com Shawn. Sai de seu apartamento, com uma arma na cintura, entra no elevador e vai para o térreo. Tudo isso que contei até agora é recontado por Will, pois a ação da história se passa na descida do elevador. Em pouco mais de um minuto, a vida de Will vai mudar.
Will segue algumas regras básicas, coisa passada dentro da família: regra número 1 é não chorar; número 2, nunca dedurar alguém; e terceira, se fazem algo com você ou com os seus, é preciso se vingar. Acontece que nada é assim tão simples e conforme o elevador desce uma figura importante na vida de Will entra. A surpresa já começa aqui, ainda que Will nos avise no começo de que tudo aquilo aconteceu mesmo. Cada pessoa que entra já morreu.
A forma como autor escolheu narrar a história e a dor de Will foi brilhante. Ela é toda em versos, quase como um rap e a diagramação dos versos também enche a narrativa de dinamismo conforme vamos lendo. Tentar citar alguns dos trechos aqui acaba tirando a diagramação, então o ideal é você ler mesmo. Não só isso, cada página tem um trabalho gráfico que lembra o painel de metal escovado e desgastado do elevador, com todos aqueles riscos e manchas que acontecem com o dia a dia das pessoas.
Cada personagem que entra no elevador com Will vai revelar segredos que vão mexer com suas convicções, que vão sinalizar que o ciclo de violência uma hora precisa ser quebrado. E que algo que ele tem como certo pode não ser. E aí? Ele vai viver com essa dor também? Quanta dor pode caber em uma pessoa até que ela se parta em milhões de pedacinhos? É muito fácil entender a ira de Will, socializado em um ambiente violento, rude, cruel com a juventude, uma juventude que não pode crescer, nem ter oportunidades por ser pobre e, o principal, por ser negra. Aquele mundo é tudo o que ele viu e aprendeu.
O final em aberto abre uma margem de interpretações, que acredito tenha sido a intenção do autor, de deixar que cada um desse a sua interpretação. É um ótimo livro para se discutir em sala de aula, para se levantar discussões sobre violência policial, violência nas periferias, pobreza e morte de população jovem, além do encarceramento em massa.
A edição da Intrínseca que li é a do Clube Intrínsecos, que veio cheia de mimos e uma revista excelente, com textos que nos ajudam a entender o contexto da obra. A diagramação do texto contribui para a leitura dos versos e as páginas têm um aspecto de metal desgastado. Não encontrei problemas de revisão ou tradução, que ficou na mão de Ana Guadalupe. Reitero aqui, mais uma vez, o pedido para que a Intrínseca mencione seus tradutores nas lojas online, ao lado do nome do autor. São poucos ou quase nenhum de seus livros que levam o nome do tradutor junto.
O Shawn eles embrulharam num saco
e carregaram para longe, o sangue virou parte da galáxia de concreto cheia de
estrelas de chiclete pisado. A fita
era tipo a moldura de um quadro. E no
outro dia, os moleques usaram pra brincar.
Página 36
Obra e realidade
A leitura deste livro foi tão impactante quando The Hate you Give, da Angie Thomas. A violência policial que parece ficção para uns, é a realidade de outros. A morte de jovens apenas por serem negros é uma distopia diária que milhões de jovens precisam enfrentar todos os dias e quase sempre acompanhada da impunidade, onde seus assassinos não são encontrados, presos e julgados. Narrativas como a de Jason, de Angie e de tantos autores escrevendo e debatendo o assunto é um passo na direção da conscientização da sociedade, da mudança de postura que, infelizmente, ainda está longe de acontecer a ponto de garantir que adolescentes não mais percam parentes ou a vida.
Jason Reynolds é um escritor norte-americano. Escreve romances e poesias para jovens adultos. Desde criança, inspirado pelo rap, já escrevia poesias e publicando seu primeiro livro, When I Was The Greatest, em 2014.
PONTOS POSITIVOS
Will
Debate sobre violência
Escrito em versos
PONTOS NEGATIVOS
Final em aberto
Will
Debate sobre violência
Escrito em versos
PONTOS NEGATIVOS
Final em aberto
Avaliação do MS?
Foi uma grata surpresa, uma leitura muito impactante e uma narrativa brilhante neste livro de Reynolds. Cheguei ao final e depois de uns dias reli, redescobrindo os versos novamente, lendo com o ritmo de uma música. Ao entrar naquele elevador com Will, você vai sofrer com ele, descobrir segredos, fazer reflexões, tudo muito necessário e pertinente para os dias de hoje. Cinco aliens para o livro e uma forte indicação para você ler também!
Até mais!
Já que você chegou aqui...

Que história de contar diferente, ainda mais abordando um tema tão triste e necessário de se ler. Ah, confesso que adoro seus textos. Abraços ;)
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