Um dos grande motivos que me impediam de ler este livro era a imensa barata na capa da maioria dos livros. Tem também a questão da intimidação, é um clássico, etc., tem a questão da tradução truncada de algumas edições, mas a capa com aquele inseto imenso costumava me incomodar muito mais. Bobagem, eu sei. Até que, felizmente, a Antofágica, cuja proposta é levar os clássicos ao maior número de pessoas, surgiu. Seu primeiro livro é A Metaformose.
O livro
Quando Gregor Sansa, certa manhã, despertou de sonhos intranquilos encontrou-se em sua cama metamorfoseado em um inseto monstruoso.
Imagine o horror de você acordar na sua cama, em um dia qualquer, e descobrir que seu corpo se transformou em um inseto? Gregor Samsa, nosso infeliz protagonista, sustenta a família como caixeiro viajante e sua maior preocupação ao acordar nem é tanto o fato de ter um corpo de inseto, mas de ter perdido o trem e desapontar seu chefe. Essa forma tão natural do protagonista em aceitar sua transformação nos conduz no restante do livro e nós também aceitamos que isso aconteceu, indo fundo na mente de Gregor e nas reações que causa às pessoas ao seu redor, em especial, sua família.
A tensão inicial é dada pelo fato de Gregor não abrir a porta. Claro, ele é um inseto, o que seu chefe, seus pais, sua irmã pensarão ao vê-lo daquele jeito? Mas infelizmente chega o momento em que ele terá que se mostrar e a reação não seria outra. Sua irmã assume então a tarefa de tentar cuidar do irmão, deixando-lhe comida, limpando o quarto. Gregor se vê às voltas com seus novos membros, ocultando-se dos olhos da família ao se esconder sob os móveis. Conforme o tempo passa, ele se acostuma mais e mais com a forma do inseto.
Isolado da família, que o teme, ele nota as mudanças na dinâmica da família, que agora é obrigada a trabalhar, já que Gregor era o arrimo. A tensão cresce conforme ela é obrigada a alugar quartos para se sustentar. O plano de enviar a irmã para um conservatório morre com a metamorfose, tudo muda na verdade. A metamorfose não é apenas sobre a mudança física de Gregor, mas tudo ao seu redor muda com ela. A família unida e amorosa o exclui cada vez mais, mantendo apenas uma brecha da porta para que ele aprecie os eventos à distância.
Como acompanhamos a história pelos olhos de Gregor, nós sabemos que ele é ainda a mesma pessoa por dentro, só que sua família apenas vê o inseto monstruoso e repugnante. Seu quarto fica mergulhado na imundície, conforme Gregor descobre que pode andar pelas paredes e pelo teto. Até que chega um momento que a família resolve dar um basta nessa situação. Eles precisam esquecer que aquela criatura alguma vez foi Gregor.
São várias as metamorfoses do livro. Começa com Gregor, depois vai para sua família, tentando se ajustar à essa nova forma, depois seu quarto, antes limpo e arrumado, que se transforma num lixão. Em seguida a vida de cada um dos familiares, que precisam trabalhar, a casa que precisa ter cômodos alugados e fica ainda mais restrita para os membros da família. O querido e amado filho perde qualquer afeição. Ele é agora um pária, um peso para todos eles.
Interessante notar essa distinção entre o humano e o não-humano da obra. Quando Gregor tinha a forma humana, era digno da compreensão e amor da família, mas a partir do momento que sua forma muda, ele não é mais compreendido nem estimado. Os familiares o olham com nojo e repulsa, não têm nenhum respeito por aquele que um dia amaram. Não é nada diferente de pais que expulsam seus filhos trans*, gays e lésbicas de casa.
A edição da Antofágica é linda, em especial pela capa texturizada que nos remete aos livros da coleção do Círculo do Livro e pelas incríveis ilustrações de Lourenço Mutarelli que enriquecem a leitura. A tradução de Petê Rissatti é o diferencial, junto dos textos extras de apoio da edição, então se você também tinha medo de se jogar nessa leitura com medo de um clássico, está perdendo uma grande obra. Tirando um erro que acredito ser de revisão na página 154, não encontrei outros problemas nas outras páginas.
Ficção e realidade
Existem tantas camadas de análise em um livro tão curto (dá pra ler em um dia) que uma resenha apenas não consegue comportar todas elas. Essa é a fórmula que faz de A Metamorfose um sucesso por tanto tempo e mantém o autor entre um dos mais importantes dos séculos XX e XXI. Se você reler o livro, vai encontrar e perceber novas nuances, novas camadas, novas maneiras de enxergar a transformação de Gregor e daqueles ao seu redor. É disso que se trata um livro clássico.Franz Kafka foi um escritor de língua alemã, autor de romances e contos, considerado pelos críticos como um dos escritores mais influentes do século XX e que nos deixou jovem demais.
PONTOS POSITIVOS
Gregor
Construção do enredo
Reflexões sobre a humanidade
PONTOS NEGATIVOS
Pode ser nojentinho em algumas partes
Gregor
Construção do enredo
Reflexões sobre a humanidade
PONTOS NEGATIVOS
Pode ser nojentinho em algumas partes
Avaliação do MS?
Esta é uma edição primorosa, daquelas para se ter na estante e voltar de tempos em tempos. Não apenas a novela de Kafka é pertinente como também os extras que nos ajudam a compreender a importância da obra e do autor, ainda mais no contexto atual. Cinco aliens para A Metamorfose e uma forte recomendação para você ler também!Até mais! 🦗
A primeira vez que eu li "A metamorfose" não o entendi muito bem; na segunda leitura o compreendi melhor; mas só pude realmente entender a dimensão desta obra ao conhecer todo o contexto em que Kafka o escreveu. E é incrível. E essa edição com traços do Mutarelli... ai, ai, meu cartão de crédito! :D
ResponderExcluir