Resenha: Guerra Sem Fim, de Joe Haldeman

Guerra Sem Fim é um dos grandes clássicos da ficção científica e foi lançado em capa dura pela Aleph em 2019. Baseado nas experiências do autor na Guerra do Vietnã, é uma crítica contundente à guerras, mas também à indústria da guerra, bastante lucrativa e visada por muita gente poderosa. Acompanhamos através dos olhos do protagonista, William Mandella, as transformações sociais e tecnológicas, por centenas de anos, que ocorreram na Terra e em planetas ocupados pelos seres humanos. Mas algo aqui não deu muito certo.

Parceria Momentum Saga e editora Aleph

O livro
William Mandella é o protagonista e narrador, cujo tom se mistura com o do autor, afinal Joe Haldeman se vale de sua experiência no Vietnã para compor o enredo e, principalmente, os personagens. Mandella inclusive é um anagrama do sobrenome do autor e Haldeman também era estudante de física na época. De estudante a soldado, William foi recrutado para a guerra contra os taurianos, uma raça alienígena em guerra com os seres humanos, ninguém sabe bem porque. Já começamos a leitura em um treinamento onde o soldado Mandella está, em que o sargento mostrará oito maneiras diferentes de se matar alguém de maneira furtiva.

Resenha: Guerra Sem Fim, de Joe Haldeman

William era ainda uma criança, apenas 10 anos de idade, quando o salto colapsar foi descoberto, uma forma de transportar naves e tropas pelo espaço. A partir daí, em uma viagem instantânea, os humanos podiam guerrear em qualquer lugar do espaço. Fica logo claro que William não quer essa vida. Saber que ele tem o poder de tirar outra vida é algo difícil de aceitar, até mesmo quando ele é obrigado a fazer isso para salvar a sua própria vida.

(...) eu tinha uma varinha mágica que poderia apontar para uma vida e fazê-la virar um flamejante pedaço de carne mal passada. Eu não era um soldado, nunca quis ser, nunca ia querer ser...

Página 85

O autor foi muito contundente nas críticas que o personagem faz à guerra e em como os soldados são condicionados para combate. Garotos em idade de servir recebem farda, arma e treinamento e são jogados em países estrangeiros. Aqueles que voltam para casa nunca mais serão os mesmos. Filmes de guerra e combate costumam mostrar os efeitos nos soldados e oficiais mais experientes, em como muitos apenas não conseguem mais viver uma vida normal quando voltam para casa. Não faz muito tempo, o Exército dos Estados Unidos fez uma pergunta pelo Twitter em que queria saber como o Exército mudou a vida das pessoas. E elas responderam: alcoolismo, estupro, estresse pós-traumático, suicídio, abuso de drogas, nenhum plano de saúde ou suporte para amputados, famílias desfeitas.

O livro é basicamente sobre o efeito da guerra nas pessoas, não a história da guerra entre si, que apenas é mais um negócio muito lucrativo. Quando William volta para a Terra, o que ele conhecia como lar está mudado e para pior. Violência e pobreza se espalharam a ponto das pessoas contratarem guarda-costas para ir de um lado a outro. A economia via na guerra um meio muito lucrativo, era basicamente isso que sustentava a economia da Terra e não é o que acontece quando os Estados Unidos vão à guerra? Quantas empresas possuem contratos milionários com o governo fornecendo veículos, armamento, comida?

E aqui entra um grande problema do livro. Ele tem passagens ofensivas, tanto machistas quanto homofóbicas. No começo do livro, depois de um prefácio escrito por John Scalzi, o autor fez um texto específico para a edição brasileira. Joe admite que fez merda quando escreveu o livro.

Eu tenho amigos gays e leitores gays, é claro, e já os tinha na época em que Guerra sem fim foi publicado. Nunca foi minha intenção ser injusto com eles ou desumanizá-los - mas foi exatamente o que eu fiz, mesmo que tivesse a melhor das intenções. Como todo mundo hétero faz, e fazia cinquenta anos atrás.

Página 13

Acredito que a intenção de Joe era o de mostrar um futuro completamente diferente para o protagonista. Isso porque dezenas, centenas de anos podem se passar entre as viagens que Will faz, então quando ele volta para a Terra, ele está no futuro. É óbvio que ele acharia muita coisa estranha; o mesmo aconteceria se uma pessoa nascida 200 anos atrás visse o mundo de hoje. A ideia era demonstrar que uma vez que você foi marcado pela a guerra, não existe mais um lar para se retornar. A homofobia explícita de Mandella seria uma forma de demonstrar seu desconforto com o futuro, com a situação geral da sociedade.

Eu entenderia isso se o livro tivesse sido escrito 100 anos atrás, mas não foi o caso. Ao menos o autor reconhece que se ele tivesse sido um escritor melhor, ele teria analisado a questão de outra forma. Joe via o mundo daquela maneira e o retratou desta forma, o que não quer dizer que deixará de ser ofensivo e assim a gente possa desculpar a intenção dele. Tem momentos em que simplesmente não dá pra tentar compreender, é ofensivo e pronto. Há inclusive momentos em que se fala em "mudar as polaridades para hetero ou homossexual". É sério.

Tudo isso também é prejudicado pelo fato de o livro ser em primeira pessoa. Nós vemos tudo, todas as ações e diálogos pelo olhar de William Mandella, uma visão carregada de preconceito e justamente por isso, os personagens são construídos por seu ponto de vista, o que deixa quase todos eles rasos e estereotipados, vazios, até mesmo o protagonista. Em um determinado momento, William admite que não consegue ver aqueles "homens femininos" como seres humanos. Pois é.

A edição da Aleph é bem bonita, com capa dura. Não tem grandes problemas de revisão, diagramação ou tradução, que ficou na mão de Luisa Geisler.

Obra e realidade
O ditado diz que em tempos de paz os filhos enterram os pais e em tempos de guerra os pais enterram os filhos. É um evento violento, que traumatiza e marca as vidas das pessoas. Só quem nunca viveu uma guerra pode querer uma, pode querer mais armas nas ruas e truculência da polícia. A guerra é a desumanização completa, pois dá aos combatentes a autorização para fazer praticamente qualquer coisa. E não importa quantas guerras nós tivemos, ainda assim a humanidade sempre está em conflito, com o outro ou consigo mesmo.

Joe Haldeman

Joe Haldeman é um escritor norte-americano de ficção científica, ganhador do Hugo e do Nebula, dois dos principais prêmios de ficção especulativa dos Estados Unidos. Veterano da Guerra do Vietnã, Guerra Sem Fim tem várias passagens que remetem ao conflito, de onde ele saiu ferido e depois precisou se reajustar à sociedade.

PONTOS POSITIVOS
Space opera
Crítica à indústria da guerra

PONTOS NEGATIVOS

Cansativo
Passagens machistas e homofóbicas

Título: Guerra Sem Fim
Título original: The Forever War
Autor: Joe Haldeman
Tradutora: Luisa Geisler
Editora: Aleph
Ano: 2019
Páginas: 354
Onde comprar: na Amazon

Avaliação do MS?
Gostei da forma como autor criticou a guerra e suas consequências. Ele viveu uma, você percebe que ele sente cada palavra sobre como a guerra é um esforço que muitas vezes beira a inutilidade. Se não fosse seus personagens rasos e as ofensivas passagens homofóbicas, talvez eu tivesse aproveitado mais o livro. Três aliens para o livro.

É bom, mas...

Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Estou lá pela página 300 e não terminei, na parte em que toca a homofobia, vendo hoje, parece que foi um tiro na culatra dele: No meu ponto de vista ele escreveu querendo dizer "olha, no futuro a população vai aceitar homossexualidade abertamente, olha que desconfortante pro protagonista", só que ao mesmo tempo ele mostra que pra população terráquea, não há nada de errado nisso, como acontece hoje (pelo menos pra pessoas dignas).

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    1. Como eu disse na resenha, tem partes extremamente ofensivas e acredito que a ideia do autor era a de mostrar um futuro radicalmente diferente daquilo que o protagonista conheceu. Mas há maneiras de fazer isso sem ofender os outros.

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