Capitã Marvel e protagonismo feminino

Capitã Marvel nem tinha estreado e os bebês chorões mimados dos rincões da internet já estavam chorando lágrimas de sangue porque não tinha um herói bombado e másculo para eles se espelharem. Cobraram que ela sorrisse mais, reclamaram que ela estava excluindo os homens brancos cis e hetero das coletivas de imprensa (que não foi o que ela disse, mas por mim pode) e ainda disseram que iam boicotar o filme, o que aliás foi a melhor propaganda que eles poderiam ter feito a respeito do longa de Brie Larson, que estreou quebrando recordes de bilheteria. Incrível como o protagonismo feminino incomoda, né? Será que é por que a indústria não tem feito o seu trabalho em produzir estes filmes?

Capitã Marvel e protagonismo feminino



Brie Larson é Vers no começo do filme, alguém que trabalha para os Império Kree. Mas vemos que ela é alguém de grande poder, porém incapaz de explorar tudo o que pode fazer. Assim como muitas mulheres, nosso potencial é sempre podado com as mais variadas e machistas desculpas, como de que mulher não é boa ou forte demais para determinadas áreas. Ao longo do filme vemos que Vers parte em missão e a leva a cair na Terra de 1995, o que nos leva a uma das melhores trilhas sonoras dos filmes de super herói dos últimos tempos.

Sabemos que antes de desaparecer no pó, Nick Fury manda uma mensagem e no visor do pager vemos o símbolo da Capitã Marvel. Provavelmente ela é a única forte o suficiente para deter Thanos e vemos como essa força é descoberta conforme Vers vasculha seu passado e descobre que era piloto da Força Aérea. Seu mentor, Yon-Rogg, sempre lhe pede que controle suas habilidades, bem como a inteligência que controla a civilização Kree.

Não é difícil para uma menina e até mulheres adultas se identificarem com o protagonismo de Carol Danvers. Ela teve sua força e sua identidade suprimidas para poder caber em um modelo de sociedade, um papel social definido para ela. Levada a pensar pela cabeça dos outros, Carol luta para descobrir quem e o que ela é. Isso é algo que toda mulher acaba passando numa sociedade como a nossa, que sempre pede que não sejamos ambiciosas, que não tenhamos sonhos grandes demais, que sejamos sempre amáveis e carinhosas e disponíveis.

A jornada da personagem se assemelha e muito à nossa. Quantas vezes alguém disse que aquele não era nosso lugar ou que não éramos boas demais para alguma coisa? "Esse não é o seu lugar!", dizem para uma pequena Carol suja e com machucados depois de bater com o kart. A mensagem enviada por essa menininha que sempre se levanta depois de cair é justamente a de não desistir de ser quem você é.

Outro aspecto positivo do filme é justamente Carol não ter um par romântico, nem depender de um na narrativa. É ela por ela e pelos mais fracos. É assim que definimos o heroísmo afinal, alguém altruísta o suficiente para se colocar por último em seus próprios interesses. Alguém que luta por aqueles que não têm com quem contar. Neste caso, Carol Danvers cumpre bem com seu papel.

Porém tenho problemas com a afirmação de que é o "maior filme feminista de herói já feito" ou que ela é um grande ícone feminista. O filme é legal, curti muito, me diverti e sei que minha eu de 12 anos teria saído do cinema maravilhada, não apenas cantando cada uma das músicas de cor e salteado como também querendo chutar bundas por aí. O filme teria me encantado sem ter nenhum defeito aos meus olhos juvenis. Mas os olhos adultos já pensam diferente, o que não invalida de modo algum a experiência de tantas meninas com o longa, nem mesmo a minha.

O posicionamento da Carol Danvers é muito no estilo "sou legal demais para sofrer com misoginia e machismo". Ou algo do tipo: sou tão boa quanto qualquer homem. Uma dos caras, alguém que compete ombro a ombro com eles. A construção da personagem me pareceu uma versão de um herói masculino que foi transformada numa mulher e não numa mulher que também é uma heroína. Que acredito ser a principal diferença entre ela e a Mulher Maravilha. Diana conseguiu ser uma pessoa emotiva, com motivações, com um propósito, que Carol Danvers não tem durante 95% da narrativa. Diana consegue ser uma heroína mulher que não precisa dispensar seus traços femininos, enquanto Danvers me pareceu uma mulher tão boa quanto qualquer homem e essa comparação é rasa demais para considerar o filme como "o mais feminista de todos".

Se olharmos dentro do mesmo universo Marvel, Wakanda conseguiu empoderar mulheres de maneira diversa e que envolveu força, inteligência, ciência, emoções e amor e cada uma com uma força própria e características, algo que não consegui ver em Capitã Marvel. Danvers é engraçada, faz ótimas piadas, é forte, porradeira, mas essas características não se desenvolvem para além disso. É como se o fato de ela ser uma mulher fosse algo a ser superado. Há um momento que Carol comenta que sempre lutou com uma mão amarrada nas costas, e parece que foi o filme inteiro assim, não apenas pelo treinamento que ela teve, mas pelo roteiro mesmo não desenvolver a personagem. Se foi ou não de propósito, não sei dizer. Espero que em sua próxima aparição, Carol de fato se desenvolva com todo o potencial que ela tem sem deixar de ser mulher, sem deixar suas emoções de lado.

No mais, acho o filme uma excelente adição ao panteão de heróis. Tenho certeza que muitas meninas estão saindo empolgadas dos cinemas, como eu mesma saí. Precisamos é de mais filmes com protagonistas femininas que alcancem seu potencial e que encantem o público. E aos rapazes incomodados com o filme, chorem na cama que é quentinho.

Até mais!

Leia também:
Capitã Marvel e a quebra da programação feminina - Nebulla
Capitã Marvel: o filme de super-heroína que qualquer garota queria e precisava! - Delirium Nerd
Becoming Captain Marvel - Washington Post
Captain Marvel and the Case for Feminist Superheroes - M S Rayed

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Comentários

  1. Olá,

    Gostei do texto e concordo com quase tudo, pois tive uma impressão parecida da sua.

    Apenas gostaria de falar um pouco da comparação feita com o filme da Mulher Maravilha, não que você não tenha colocado pontos importantes nesta parte do texto. Apenas acredito que o fato da Diana ter crescido em uma sociedade Matriarcal quase utópica, onde recebia diversos treinamento e era encorajada e reforçavam que ela era incrível desde pequena, o que é um cenário ideal, ajudou muito para ela ser essa personagem bem inspiradora e criar todo o paralelo apresentado no filme, quando ela adentra a nossa, triste, realidade.

    Já a Carol, apresentada no filme, sempre pareceu ser aquele tipo de garota que quer fazer as coisas de "garoto", ou melhor, quer fazer as coisas que ela acha legais, mesmo sendo desencorajada a cada passo, coisa que é bem normal em nossa sociedade. Claro que isso, no filme, a deixa um pouco parecida com outros heróis homens, mas o que achei legal foi que, diferente do Capitão América, por exemplo, que tinha uma espécie de deficiência física que o fazia ser excluído, ela era apenas uma mulher.

    Claro que não deixo de concordar com o exemplo de Pantera Negra que você deu, mas o filme ainda tinha o problema de ter de adentrar muito mais no MCU, por ser um passo importante para o próximo Vingadores, coisa que, por ter mais liberdade neste sentido, ajudou Pantera Negra a ser o que foi (Isso sem falar em toda equipe de produção do filme, que foi incrível).

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    1. O seu ponto é excelente. A questão da Capitã Marvel, porém, acredito que foi mais falha de roteiro mesmo. Tinha horas que me parecia uma comercial de absorvente, sabe? E aí senti que ficou raso. Mas é um detalhe só, o filme em si está muito bom e na medida para filmes de heróis do universo Marvel.

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  2. Filme ótimo! Eu, que era leitor dos quadrinhos dos 90, lembro bem como muitos dos adolescentes da minha geração, inclusive eu, foi mal acostumado a ver as mulheres daquela maneira como eram retratadas nos desenhos. E gostei demais do filme. Me identifiquei até com a Capitã. Infelizmente muito homem vai continuar com a mentalidade limitada por todas essas décadas em que mulher, só se for pra ser salva e fazer uma cena com apelo. Torcendo pra ela ser decisiva mesmo no Ultimato (vixe ia ter muito idiota revoltadíssimo nos cinemas)

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