Mary Anning, fósseis e misoginia

Mary Anning nasceu em uma família pobre, em 1799, em Lyme Regis, Inglaterra. E se tornou um dos grandes nomes da paleontologia e um símbolo de luta pela educação feminina, já que por ser mulher nunca pode estudar, não foi reconhecida por seus pares na época e teve créditos removidos de várias descobertas única e exclusivamente por ser mulher em uma sociedade machista.

Mary Anning, fósseis e misoginia

A tragédia acometeu a família de Mary várias vezes. Seu pai morreu quando ela era uma adolescente, deixando a mãe e os filhos sem sustento. A única renda dos Anning era a venda de fósseis de amonitas e outros fósseis encontrados na costa aos turistas. No Brasil, os fósseis são bens da União e não podem ser comercializados, mas em boa parte dos países a compra e venda são legalizadas. Esse foi o sustento da família Anning.

Toda a região de Lyme Regis ainda é muito rica em fósseis do período Jurássico, um dos períodos onde os dinossauros floresceram. O trabalho era muitas vezes perigoso e Mary arriscou a vida diversas vezes enquanto escavava nas pedras afiadas e declives traiçoeiros da região. Até mesmo seu cachorrinho e fiel companheiro morreu em um deslizamento em um dia de escavações. Mas Mary era uma especialista e se tornou bem conhecida como caçadora de fósseis na época e logo se tornaria uma autoridade no assunto.

Com tão pouca idade, ela fez uma descoberta surpreendente para a época. Ela encontrou um Ictiossauro, criatura hoje extinta, mas não foi levada à sério pela comunidade científica. Além de ser mulher e pobre, ela não tinha nenhuma formação científica formal no assunto e é óbvio que os cientistas do período viram a descoberta com grande ceticismo. Mary também descobriu o primeiro Plesiossauro e se tornou uma celebridade local por seu conhecimento sobre a anatomia das criaturas que escavou e as hipóteses que teceu sobre eles.

Mary nunca pode ter educação formal. Duas coisas impediam que ela se tornasse a paleontóloga que deveria ter sido: o fato de ser mulher e o fato de ser pobre. Para sua época a ciência era coisa de homens ricos, principalmente lordes, não era coisa de gente da classe trabalhadora. Ciência era quase um hobby, uma coisa que você precisa de tempo livre e um trabalhador se tornar cientista era algo impensável, era algo que tiraria o prestígio de qualquer área. Por mais autodidata que Mary fosse, ela nunca seria aceita pelos letrados professores e cientistas de grandes universidades e museus. Ela era só uma pobre mulher ignorante que arrancava risos de muita gente.

Muita gente parou de rir ao ver o conhecimento que ela tinha, sua curiosidade e suas deduções. Se não fosse a misoginia de sua época, Mary teria sido, muito provavelmente, a grande cientista de seu tempo, um nome imortalizado como Charles Darwin. Mas ela virou uma nota de rodapé, um nome mencionado como curiosidade histórica em algumas aulas da faculdade, o que é uma tremenda injustiça.

A fama de Mary como caçadora de fósseis e paleontóloga amadora chegou aos ouvidos dos lordes professores, que foram até Lyme Regis e ficaram admirados do conhecimento dela e de sua coleção. Mary comparava espécimens, anotava e desenhava diferenças, elucidando boa parte da evolução daqueles animais e fazendo avançar a ciência da época. Muitos paleontólogos lhe pediram conselho e estudaram os fósseis que ela encontrou, para depois não darem um crédito, uma única menção num artigo, nem mesmo uma linha de agradecimento.

Seu trabalho foi fundamental para o desenvolvimento da geologia enquanto ciência. Suas descobertas e anotações forneceram as evidências científicas necessárias que demonstraram os erros do modelo criacionista para a evolução da vida na Terra. Os fósseis ajudaram a montar o quebra-cabeças geológico de nosso planeta e a identificar as eras geológicas com maior precisão. Sem Mary Anning muitas destas evidências levariam tempo para ser descobertas e elucidadas.

Mary morreu muito jovem, aos 47 anos, de câncer de mama. Seu trabalho caiu no esquecimento não por ser um trabalho ruim ou mal feito, mas por ela ser uma mulher pobre e sem estudo formal, estudo esse que lhe foi negado. Certa vez ela escreveu:

O mundo me tratou tão mal, temo que isso tenha me feito desconfiar de qualquer um.

Percorremos um longo caminho desde Mary Anning. Mulheres hoje são a maioria nos cursos universitários e na área da saúde, são a maioria na pós-graduação, porém somos a minoria em cargos de importância como coordenação e reitoria ou chefes de laboratórios. Sem contar que as mulheres cientistas ficam em atraso com suas pesquisas por não haver um plano de ação que apoie estas mulheres quando elas dão à luz e se afastam em licença maternidade.

Que sempre nos lembremos de Mary Anning e de tantas outras mulheres cientistas que tiveram suas pesquisas diminuídas, atribuídas a outros ou que nunca puderam estudar apenas por serem mulheres.

Até mais!

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