Resenha: Vox, de Christina Dalcher

Eu já li Vox em inglês. Na mesma semana em que terminei a leitura, a Editora Arqueiro avisou que estava trazendo este livro em português. Foi ótimo ler de novo, pois pude pegar mais detalhes do que a leitura anterior e analisar a tradução. Neste mundo perturbadoramente próximo ao nosso, os Estados Unidos foram tomados por fundamentalistas que instituíram o silenciamento feminino como uma política de Estado. Seu limite é de 100 palavras ao dia. Mais do que isso e você é punida.

Parceria Momentum Saga e editora Arqueiro

O livro
Quando começamos a leitura, nos deparamos com Jean McClellan, doutora em neurolinguística. Mas ela não pode trabalhar. Na verdade, todas as mulheres estão proibidas de trabalhar e até de falar: um contador no pulso estipula que você só possa falar 100 palavras em um dia. O relógio zera à meia-noite e cada palavra a mais o contador libera um choque que aumenta de intensidade com a quantidade extra de palavras.

Resenha: Vox, de Christina Dalcher

Acompanhamos as mudanças da sociedade aos poucos, pelos olhos de Jean e de como sua amiga feminista, Jackie, avisou que tudo mudaria e seria tão rápido e tão eficaz, que ninguém teria como agir. Ela achou que a amiga estava exagerando. Não é isso o que falam das feministas? Tudo histérica, tudo louca. Jean achava que Jackie estava exagerando, mas no fim era a única que tinha razão. Quando o presidente foi eleito, muitos avisaram que ele não era o mais preparado para o cargo, mas ele foi eleito mesmo assim. Parece familiar?

Sam Myers era uma opção terrível para presidente. Jovem e inexperiente em políticas importantes, com formação militar de um ano no curso preparatório de oficiais da reserva na época da faculdade, Myers fez sua corrida presidencial apoiado em duas muletas. Bobby, seu irmão mais velho e senador de carreira, dava os conselhos práticos, um monte de bosta. A outra muleta era o reverendo Carl, fornecedor de votos, o home as quem as pessoas ouviam.

Página 179

Como neurolinguista, ela sabe que o silêncio trará vários problemas para sua filha menor. Seus outros três meninos já são grandes, mas eles podem falar o quanto quiserem. Sua Sonia não. E se ela não fosse devidamente estimulada na idade correta, a janela se fecharia. Percebe o quanto esse plano é perverso? Em uma ou duas gerações, eles tornariam todas as mulheres seres mudos e subservientes, sem opinião, sem oposição, sem voz.

Gosto da personagem da Jean. Ela comete erros, claro, mas é uma mulher que parece ser real. Alguém que você encontraria no corredor da universidade conversando com algum aluno sobre os últimos experimentos em seu laboratório. Ela e sua equipe estavam perto de descobrir a cura para a Afasia de Wernicke quando todas as mulheres foram convidadas a deixar seus empregos. Seus passaportes foram cancelados, uma pulseira fechada em seu punho.

O governo, porém, a convida para trabalhar novamente, pois o irmão do presidente sofreu um sério acidente. Por ser seu braço direito, Sam Myers resolve pedir a ajuda de especialistas na área para poder curar o irmão o mais rápido possível. É a chance de Jean de poder achar uma saída para ela, para Sonia, para todas as mulheres silenciadas e brutalizadas pelo sistema misógino e homofóbico. Ela vê seu filho mais velho se tornar um partidário do novo sistema, mandando na mãe e dizendo que mulheres são loucas. Só então as palavras de Jackie começam a fazer sentido tantos anos depois.

Gostei muito da tradução de Alves Calado. Encontrei alguns erros de revisão, especialmente sobre a altura de um certo personagem descrita errado duas vezes. Mas a edição está muito bonita, com a capa original e macia. Na orelha da capa, preste atenção na contagem de palavras.

Talvez tenha sido isso o que aconteceu na Alemanha com os nazistas, na Bósnia com os sérvios, em Ruanda com os hutus. Às vezes eu refletia sobre isso, sobre como crianças podem se transformar em monstros, como aprendem que matar é certo e a opressão é justa, como em uma única geração o mundo pode mudar tanto até ficar irreconhecível.

Página 103

Obra e realidade
Quem está antenado nas notícias do mundo, percebe os vários paralelos que a autora deixou de propósito no livro, como por exemplo, dizer que o presidente anterior era negro, fazendo alusão ao Obama e à administração atual de Trump e seu muro ridículo. O que de fato chama a atenção é mostrar como pequenas mudanças vão aparecendo, as pessoas não percebem ou acham que são ótimas para a sociedade e para "salvar a família", e quando veem as meninas estão usando orgulhosamente seus braceletes. Para sobreviver, muitas pessoas aceitam a opressão.

Christina Dalcher
Christina Dalcher

Christina Dalcher é neurolinguista, fala italiano (características de sua protagonista), adora tricotar, ler e cozinhar.

Pontos positivos
Protagonista feminina
Linguística
Feminismo e protagonismo
Pontos negativos

Final apressado e em aberto

Título: Vox
Título em inglês: Vox
Autora: Christina Dalcher
Tradutor: Alves Calado
Editora: Arqueiro
Páginas: 320
Ano de lançamento: 2018
Onde comprar: Amazon

Avaliação do MS?
Foi muito bom voltar ao enredo, desta vez em português. Este é um livro que serve de alerta. A autora pegou o cenário atual dos Estados Unidos (e do mundo) e mostrou o que a radicalização, o que supremacistas misóginos no poder podem fazer caso tenham a oportunidade de fazê-lo. E se não lutarmos para combater isso, também somos coniventes com a situação em que nos encontramos. Mesmo com os problemas do final apressado, foi uma leitura muito necessária e dolorosa. Quatro aliens e uma forte recomendação para você ler também.


Até mais!

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