Li esse livro e fiquei dias digerindo ele, sem saber exatamente o que tinha gostado e desgostado dele. A ideia me pareceu excelente: inverter a balança de poder e colocar na conta do sexo feminino o poder de oprimir. No fim, a conclusão que cheguei foi que o poder, definitivamente, corrompe. Não importa quem o tenha.
O livro
A história que a gente lê no livro é recontada por um escritor que está submetendo seu livro para uma editora. Então existem floreios e excessos na visão dele e até um comentário ácido da editora de que um mundo dominado por homens seria mais "meigo". O verdadeiro mundo dominado pelas mulheres não é visto, mas esse comentário já indica algumas coisas. Ele então reconta a história de algumas pioneiras, aquelas que fizeram a diferença quando o "poder" surgiu.E o que é o tal do poder? As mulheres desenvolvem uma trama elétrica na região da clavícula, que desce pelo braço e para na mão. Assim elas passam a dar choques nas pessoas, alguns fortes o bastante para matar. No começo, ninguém entende direito o que está acontecendo. Acham que são fake news, pegadinhas de internet, mas os governos começam a se preocupar e tentar organizar campos para treinar as meninas. Começam a surgir veículos segregados, já que os meninos estão com medo delas. Gangues de meninas se formam e passam a humilhar e torturar rapazes aqui e ali.
Nós temos quatro personagens principais que não são exatamente os narradores, nós acompanhamos suas vidas, caindo no meio delas quando elas descobrem o poder. Allie é uma adolescente adotada e abusada pelo padrasto; Roxy é uma jovem inglesa que faz parte de uma família criminosa e que viu a mãe sofrer violência; Tunde é um jornalista nigeriano que se envolve com a ascensão do poder pelo mundo e passa a relatá-lo e; Margot, que é prefeita de uma cidade nos Estados Unidos e que vê o poder surgir nas filhas.
Como a história não é um romance sobre uma única mulher que muda o mundo para melhor, o formato pode incomodar. Houve momentos lentos, em que o livro perde ritmo, mas é interessante demais de acompanhar as inversões nas situações sociais, políticas e culturais agora que as mulheres podem revidar da opressão sofrida. Essa inversão de situações foi muito utilizada por mulheres que queriam evidenciar as desigualdades para com o gênero feminino. O primeiro conto de ficção científica feminista, O Sonho da Sultana, é um exemplo. Outras autoras, como Margaret Cavendish também fizeram isso.
O que Naomi fez aqui foi uma inversão 2.0. Ela mostra sim as desigualdades acontecendo, mas são os homens os estuprados, os mortos, os brutalizados, os amedrontados e perseguidos, destituídos de direitos. Os radicais tentam organizar formas de protestar e obter o poder de volta, mas não têm como lutar contra choques e amputações.
O assunto é: de quantos homens nós realmente precisamos? Pensem bem, (...). Os homens são perigosos. Cometem a maioria dos crimes. São menos inteligentes, menos diligentes, menos esforçados, seus cérebros estão nos músculos e no pênis. Ficam doentes mais vezes e drenam os recursos do país. Claro que precisamos deles para produzir bebês, mas de quantos precisamos para isso? Não precisamos do mesmo número de homens e de mulheres. Evidente que sempre haverá lugar para homens bons, limpos, obedientes. Mas de quantos precisamos? Talvez de dez por cento deles.
De pouco em pouco, vemos o mundo dominado pelos homens ruir. As mulheres arrancam seus véus, tomam seus governos, expulsam homens violentos de casa, vão estudar, trabalhar e viver suas vidas como bem entendem. Mas a barbárie também toma conta quando mulheres vendidas como escravas sexuais descobrem o poder e se libertam, tornando-se tão cruéis quanto os homens que as violentaram. Homens começam a ser violentados, continuamente excitados com choques e depois assassinados. Homens desacompanhados precisam ter cartas assinadas por uma mulher que os autorizem a andar pelo país e até viajar... Parece familiar?
Junto dos textos, o livro vem com imagens de relíquias arqueológicas encontradas em várias partes do mundo, inclusive luvas que potencializavam os choques e que serviam para amputações penianas. Ano a ano o mundo se ajusta a essa nova ordem, homens aprendem a não revidar, os que revidam acabam tendo destinos piores do que imaginavam. Interessante que a autora também mostra casos de meninas que não têm tanta força e até alguns casos de rapazes com alterações cromossômicas que podiam dar choques.
Em vários momentos em que as crueldades contra os homens pareciam terríveis demais, eu lembrava de duas coisas: uma é que o "autor" era um homem enviando uma obra romanceada para uma editora e dois é que é uma realidade para muitas mulheres em zonas de guerra. Li a versão em ebook, mas a edição física vem em capa dura e em capa comum.
Obra e realidade
Este livro é uma paródia do patriarcado. Houve vários momentos em que eu me imaginei dona de um poder como esse e de como reagiria com c e r t o s caras se pudesse fazê-los pagar por todas as merdas que me fizeram. Eu sou um ser humano, com qualidades e defeitos e sim, em determinados momentos eu poderia machucar alguém se tivesse o poder. Mas esta é uma paródia de um sistema que existe. Se você, leitor, se sentiu incomodado com a forma como os homens foram tratados no livro, então entendeu por alguns instantes o que é ser tratada assim uma vida toda, temendo por sua integridade.Naomi Alderman é britânica, tendo estudado na Universidade Oxford, escritora de jogos e de vários romances, tendo recebido vários prêmios. É professora de escrita criativa na Universidade Bath Spa e teve como mentora ninguém menos que Margaret Atwood.
PONTOS POSITIVOS
Subversão dos estereótipos
Ilustrações
Críticas sociais
PONTOS NEGATIVOS
Guerra
Violência
Subversão dos estereótipos
Ilustrações
Críticas sociais
PONTOS NEGATIVOS
Guerra
Violência
Avaliação do MS?
Mesmo não tendo gostado de algumas partes e de outras terem sido bem lentas, acredito que o livro vale pela discussão que levanta e pela inversão de papéis que suscita. A discussão apenas nessa inversão vai longe! Aos rapazes que se incomodarem com a forma como são tratados no livro, use isso como um momento de reflexão sobre nossa existência. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também.Até mais! ⚡
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