Resenha: Viva la Vida Tosca, de João Gordo

Admito que fiquei com medo de pegar esse livro para ler, em um primeiro momento. Carregado de palavrões, uma das principais características de João Gordo é falar tudo sem nenhum filtro, disparando o que lhe vem na cabeça. Mas o que temos aqui não é apenas a história de vida do vocalista do Ratos de Porão, ou de João Francisco Benedan, mas sim um grande capítulo conturbado do cenário do punk rock e metal nacionais. Um relato vívido de quem esteve inserido até o talo nele.



Parceria Momentum Saga e
editora DarkSide


O livro
Com um prefácio escrito por Fernanda Young, João Gordo narra sua história, desde criança, até os dias atuais. De um garotinho sonhador, vidrado nas aventuras de super heróis na TV a um jovem revoltado e rude, que passou a roubar dinheiro da mãe, temos muitas fotos de arquivo pessoal de João Gordo em família e ainda bebê. De origem italiana e cearense, a família humilde morava na zona norte de São Paulo. Seu pai era policial militar, ultra conservador, que não via com bons olhos as atitudes do filho peralta e logo os espancamentos começaram.


Aos dez para onze anos, João começou a se interessar pela música e nunca mais parou. Ouvindo a rádio AM ele conheceu todos os nomes da música de raiz e brega como Nelson Ned, Agnaldo Timóteo, Odair José e Waldick Soriano. Foi também por volta dessa época que a gordofobia começou. Sendo obrigado, por falta de dinheiro, a sair da escola particular para ir para a escola pública, João passou a ser hostilizado pelos colegas por ser gordo. Ele apanhava na rua, apanhava na escola e o relacionamento com o pai começou a piorar.

Na tentativa de dar jeito no garoto, ele foi matriculado no Instituto Dom Bosco, um internato linha dura, onde João começou a ter contato com o rock. A partir daí, sua vida mudou. Led Zeppelin, Kiss e Black Sabbath se tornaram nomes comuns. Através do rock, entrou em contato com o movimento punk. Figura conhecida na Galeria do Rock e em lojas de discos, o contato com o álcool e com as drogas chegou em seguida. Através de uma rede de contatos, João Gordo chegou ao Ratos de Porão, que algum tempo depois se tornaria referência no cenário do rock, inclusive lá fora.

Ali começamos a entender melhor o conceito de anarquia. Até então, anarquia pra gente era bagunça e briga. Foi nessa turnê europeia que começamos a questionar a nossa própria homofobia, a entender melhor o conceito dos squats, de invasões de propriedades abandonadas, de boicote a empresas que faziam o mal.

Página 172

Gordo admite que sabia pouco ou quase nada sobre o movimento punk, até a ida do Ratos para uma turnê na Europa. Ele percebeu quantas idiotices cometeu e quantas porradas tomou e ameaças ouviu, além das quebradeiras e bebedeiras em nome de um movimento que ele mesmo não conhecia. A projeção do Ratos elevou seu nome no cenário, mas pessoalmente sua vida era regada a drogas, bebida e uma conturbada vida familiar, onde seu pai não admitia seu estilo de vida. João precisou morar de favor, gastava tudo o que ganhava com brinquedos, drogas ou bebidas, até que começou a ganhar projeção na MTV, com seu jeito escrachado de falar e de ser.

Foi um longo caminho. Mesmo na MTV, ele não parava com drogas, bebida, quase morreu de infecção pulmonar e gastava tudo o que ganhava. Medo de se comprometer com as pessoas, medo de perdê-las depois, anestesiado para a existência. Era essa a vida de João Gordo, até ele conhecer a mulher que o tiraria da letargia e lhe daria amor e uma família. Ainda traumatizado pelas experiência com o pai, Gordo tremeu na base ao ser pai, ao comprar um apartamento, até mesmo um computador parecia um desafio enorme.

O livro é ricamente recheado de fotos de arquivos pessoais. Há relatos sobre seu relacionamento com o pessoal do Sepultura e como um desentendimento besta acabou com a amizade com Max Cavalera. Com uma linguagem direta, até mesmo ofensiva, é possível reconhecer a presença de João Gordo na narrativa que não excluiu nenhuma passagem da vida, nenhuma situação nojenta, tosca, ofensiva ou imoral. Isso pode pegar alguns leitores desprevenidos. A edição da DarkSide está anárquica e belíssima, retratando não apenas a vida de Gordo, mas a vida do rock nacional, as conexões entre diversas bandas brazucas e a evolução do cenário. Capa dura com fitinha para você marcar sua leitura.

Obra e realidade
Nunca fui fã do estilo do Ratos de Porão. Meu estilo era mais o heavy metal clássico, o industrial e nu metal. Mas fiquei bem surpresa com a história da banda. Muitos colegas meu do colégio que tinham banda eram fãs de RdP e fãs do Gordo, com o qual nunca tinha simpatizado. Eu até participei do programa da MTV Garganta e Torcicolo. Perdi, obviamente, mas ganhei uma camiseta. Outra coisa que me surpreendeu é que fazemos aniversário no mesmo dia.

Apesar de ainda não ser fã do som do Ratos de Porão, acredito que a biografia me fez olhar de maneira diferente para João Gordo. É incrível como nos deixamos levar pela imagem que a pessoa cria sobre si, sem que a gente tenha consciência de que por baixo da imagem, há um ser humano. É como nas redes sociais, onde todos são felizes. É só uma imagem, não sabemos da luta de cada um. Com João Gordo, que escancarou sua vida sem deixar detalhes de fora, por mais nojentos que sejam, você consegue ter a visão da pessoa, sua luta interna, seus problemas e assim passa a ver que o cara escroto que ofendia meio mundo na televisão estava sozinho em uma luta contra si próprio. Felizmente, ele fez as pazes com o passado, é um pai amoroso e atencioso e um verdadeiro patrimônio da música nacional.

A verdade é que eu não me importava. Eu não tinha nada a perder. Se eu morresse, foda-se. Eu não tinha família, não me importava com nada nem ninguém. Eu era um camicaze.

Página 265

Pontos positivos
Histórias reais
Biografia
Cenário punk rock nacional
Pontos negativos
Consumo de drogas
Violência
Palavrões

Título: Viva la Vida Tosca
Autora: João Gordo
Editora: DarkSide
Páginas: 350
Ano de lançamento: 2016
Onde comprar: Amazon

Avaliação do MS?
Um retrato do cenário punk rock e do metal nacional por alguém que viu de perto seu desenvolvimento. Um retrato de uma vida conturbada, fundo do poço, depressão e redenção, renascimento. João Gordo não escondeu nada de seus leitores e fãs, então esteja avisada a respeito com o grande número de palavrões e palavras ofensivas usadas na narrativa. Quatro aliens para a biografia de João Gordo e uma forte recomendação para você ler também.


Até mais!

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Comentários

  1. De 0 de interesse passo a querer muito ler o livro, por causa dessa resenha :)

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  2. Poxa, eu mal me aguentava quando vi esse livro na pré-venda da Amazon. Mal saí e devorei ele rapidinho!!! kkkkkkkkkkkkk Cresci ouvindo RxDxP, RATM, Korn e Beatles, então qualquer coisa envolvendo eles, me atrai na hora.
    Uma curiosidade: meus pais se separaram e meu pai fucou morando em São Paulo, eu vim para o interior (Hellbeirão Preto). Toda vez que ia pra SP na casa dele, ele não deixava eu colocar camiseta de banda nem de time (SPFC) pq tinha gangues e tal. Eles tinha medo que eu apanhasse na rua. Sempre achei bobeira, mas tem um trecho no livro que o Gordo conta que tudo isso era verdade!!! Fiquei de boca aberta!! E perdi desculpas pro meu pai...rsrsrs

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  3. Fiquei com vontade de ler, gosto desse tipo de relato e gosto do gordo. E gostei da conclusão da resenha.

    e 3 vivas pelo numetal \o

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  4. Nossa, não fazia ideia de que o Gordo passou por tudo isso. Pela resenha parece uma biografia e tanto.
    Eu gosto bastante do canal de entrevistas (com culinária vegana) dele, apesar dele ter esse jeito "porra louca". As vezes ele é até meio intransigente com os convidados (pode ser impressão minha). Nunca gostei muito dele na MTV, menos ainda na Record, ainda bem que essa fase já foi também.
    Vi um show do RdP recentemente, na verdade fui pra ver outras bandas e vi o RdP de bônus, ao vivo é bem legal e o João Gordo ainda tem bastante fôlego.

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