Resenha: O Mundo de Aisha, de Ugo Bertotti

Este talvez seja um dos quadrinhos mais difíceis que já li pelo conteúdo forte e importante que carrega. Ele fala das silenciosas lutas das mulheres do Iêmen por mais liberdade e independência, em uma das sociedades mais fechadas do mundo, ainda influenciada por antigas tradições tribais e misóginas.



O quadrinho
Inspirado nos relatos de viagem de Agnes Montanari, fotógrafa e documentarista, temos alguns relatos vívidos e dolorosos sobre mulheres reais do Iêmen. Elas falam sobre liberdade, amor, independência, como lidaram com o preconceito dos outros e sua relação com o niqab, o véu preto que cobre o rosto da mulher, deixando apenas os olhos de fora. Não há consenso sobre a obrigatoriedade ou não dele, inclusive nos textos sagrados. Tanto não existe consenso que a vestimenta das mulheres muçulmanas muda em cada país. Há as que usam hijab, outras que usam niqab, outras que nada usam. É mais uma questão cultural e pessoal.

Resenha: O Mundo de Aisha, de Ugo Bertotti

Mas no Iêmen, não usar o niqab pode ser um sinônimo de morte. Ou tentativa de assassinato, como no caso de Sabiha, que por aproveitar o sol cálido da manhã, sem o niqab, em uma janela, o marido atirou contra ela. Obrigada a casar ainda criança, com um marido violento e apegado às tradições tribais, ela acaba numa cama, longe dos filhos, sob o cuidado dos pais. Em um país ocidental ela poderia levar uma vida produtiva em cadeira de rodas, mas em um país sem condições como o Iêmen, sua vida será curta.

Os homens estão habituados ao véu negro e a à roupa que cobre todo o corpo da mulher. Eles se sentem confortáveis assim. E usá-los significa um pouco de liberdade e independência para essas mulheres, mesmo que para nossos olhos ocidentais eles soem como uma prisão. É como explica Aisha para Agnes sobre o uso dele. É a única maneira que algumas mulheres têm para poderem trabalhar e estudar. Ela também argumenta que você não precisa se preocupar se está bonita ou com o cabelo feio, já que ninguém vai ver.

Cada mulher tem um relato parecido. Começaram a trabalhar desde cedo, casaram-se ainda crianças, pois para a família quanto mais cedo ela sair de casa, menor será o custo de seu sustento. Direitos humanos são coisas nebulosas para a sociedade iemenita, já que muitas mulheres não sabem ler nem escrever e não têm acesso aos seus direitos. Uma mulher independente, sem marido, que trabalhe e sustente seus filhos já é mal vista na sociedade e recebe ofensas gratuitas pelas ruas, às vezes até de outras mulheres.

A edição da Nemo é em preto e branco, algumas vezes até sombria quando passamos pela vida dessas mulheres. Não é uma leitura fácil, porém é extremamente necessária. A tradução ficou na mão de Fernando Scheibe.


Ficção e realidade
Poucas obras em quadrinhos foram tão difíceis quanto essa. Saber que a violência misógina que as mulheres sofrem é real faz a gente aqui no Ocidente questionar muitos privilégios e até preconceitos a respeito de culturas diferentes da nossa. Da maneira tímida que lhes é permitida, elas estão tentando mudar seus mundos e os pensamentos das outras pessoas. Mas não é fácil pensar que elas podem ser baleadas, até mortas, por um ato tão comum e banal (para nós) como o de tomar sol em uma janela.

Ugo Bertotti

Um niqab significa muitas coisas para elas. Prisão, liberdade, oportunidade, opressão. São sentimentos conflituosos muitas vezes. Atitudes machistas e violências são o cotidiano dessas mulheres que foram desenhadas e fotografadas, com ambos sendo intercalados na narrativa.

Pontos positivos
Histórias reais
Fotos e quadrinhos
Análise da sociedade iemenita
Pontos negativos
Violência contra a mulher
Opressão

Título: O Mundo de Aisha
Título original em italiano: Il Mondo di Aisha
Autor: Ugo Bertotti
Tradutor: Fernando Scheibe
Editora: Nemo
Páginas: 144
Ano de lançamento: 2015
Onde comprar: na Amazon


Avaliação do MS?
Não é um quadrinho fácil de ler pelo tema, mas é de extrema importância tê-lo na estante, ler de vez em quando, pensar e questionar uma série de coisas, ideias, privilégios e opressões diárias. É uma arte para nos deixar desconfortáveis e existem certos momentos em que é preciso ficar desconfortável, em que é preciso deixar nossa bolha e se chocar. Selo de essencial mais que merecido.

Até mais!

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