O problema de Supernatural com as mulheres

“Durante os 16 dias de ativismo na luta contra a violência à mulher, blogs envoltos pelo #feminismonerd, se propuseram a discutir as problemáticas em torno da representação de mulheres como uma matriz que reitera os discursos de violência e ódio, quanto veículos que visibilizam a discussão. Sabemos que, apenas a exposição e discussões possibilitam o combate direto, a resolução e identificação do problema. Como reitera a escritora e teórica feminista Audre Lorde : é preciso transformar o silêncio em linguagem e ação”.


Supernatural é uma das séries mais longevas da televisão. Tem um fandom grande, apaixonado, como muitas outras séries e filmes por aí. Mas tem um problema que me incomoda nela e não é de agora. Supernatural não gosta de mulheres. Na verdade, todos os grandes estereótipos femininos que odiamos estão lá e com força. E todas elas, com uma exceção, morrem de uma maneira violenta e brutal, muitas vezes para impulsionar o personagem masculino da vez.

Contém spoilers!

O plot básico de todo o enredo já começa com a morte de uma mulher, que é a mãe de Sam e Dean. É a morte dela que faz o pacato John Winchester arrastar seus filhos pelas estradas, caçando criaturas sobrenaturais, deixando-os sozinhos em motéis e trocando de escola a cada três meses. Ela é pregada contra um teto em chamas, sangrando, sendo usada diversas vezes para abalar as estruturas dos dois irmãos. Não se pode esquecer de Jessica, namorada de Sam, que o joga na estrada junto do irmão quando John desaparece. Ela também foi uma vítima para impulsionar Sam.

Supernatural não possui uma voz feminina de destaque. Mulher na série tem papéis bem definidos: mãe, namorada/par romântico, donzela em perigo, bitch. E conte quantas delas se encaixam nessas categorias rígidas e quantas elas morreram. A única mulher que ganhou alguma notoriedade por fugir deste estereótipo foi Charlie, que era tratada como uma igual. Gamer, geek, lésbica, Charlie estava lá por queria estar, não estava ligada a nenhum boy. Mas aí, né? O que fizeram com Charlie foi o que fizeram em todas as temporadas com outras mulheres: ela morreu.

Não é de hoje que críticas recaem sobre a série devido à forma como trata suas personagens femininas. Micha Collins, o anjo problemático Castiel, já reclamou a respeito em uma convenção (falando entre outras coisas que a série é gratuitamente misógina):

Estou bem surpreso com o programa. Tem coisas imbecis - desculpe as pessoas que escrevem a série e todo mundo que trabalha nisso e tal - mas tem coisas imbecis que não deveriam ter. Por exemplo, por que eles têm que xingar de "cadela" e matar todas as mulheres?

Se Supernatural apresenta uma personagem feminina regular, pode esperar que ela vai morrer em algum momento para dar sentido à jornada dos intrépidos protagonistas. Talvez até seja torturada e depois morta de maneira ignóbil para causar revolta. Apenas a ex-namorada de Dean ficou viva com o filho, mas teve sua memória completamente apagada (e sua existência também, pois ela desaparece dos episódios). Qualquer minoria tem pouco destaque ou espaço na série, na verdade, basta ver o que aconteceu com Kevin Tran e a ausência de personagens negros.

Em geral, quando Supernatural precisa de algum personagem maligno, um demônio, por exemplo, ele usa mulher. E sabemos que os demônios em Supernatural sempre são sacrificados. Mas se esse demônio está em uma posição de liderança, esqueça, eles botam o Crowley em todas as temporadas, mas não colocam uma mulher como chefe do inferno. Então, se a mulher não é mãe-namorada-par, ela sempre representa algo maligno, vil e leviano, como vemos com Abaddon, Ruby, Rowena e Amara.

Duas das personagens mais incríveis de Supernatural, Jo e sua filha Ellen sofreram do mesmo mal. Ellen tinha um papel tão importante quanto o de Bobby (acho até que elas dariam um ótimo spinoff de Supernatural como caçadoras), mas no fim o que vemos são as duas desaparecendo aos poucos. Elas possuíam uma história, tinham qualidades e defeitos e apareceram pouquíssimo nas temporadas. E de forma violenta, as duas se sacrificam para salvar os irmãos.

Bela Talbot, uma personagem dúbia e astuta, teve um fim indigno e nunca mais ouvimos falar dela, sendo que sua personagem poderia ter sido infinitamente bem trabalhada, não fosse pelo fato de ter sido abusada pelo pai e de Dean tirar sarro dela fazendo piadas de mau gosto. Bela é levada para o inferno e Sam e Dean nunca questionaram o que aconteceu. Anna Milton é um anjo com vontade própria que depois se torna uma psicopata e resolve matar quem vê pela frente até, claro, morrer de maneira violenta. Ruby nos enganou por um bom tempo para trazer Sam para seu lado para no fim, morrer. Meg foi um demônio que deu muito trabalho para os irmãos, até que ela resolve atuar ao lado deles no melhor estilo "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Foi torturada por bastante tempo até... bem, você já sabe a resposta, não é? A própria atriz foi questionada a respeito e disse que sabia que ela morreria por ser uma mina-demônio.

Ellen e Jo, maravilhosas.

Os comportamentos de Sam, sua sensibilidade, sua forma de agir diferente do irmão Dean já foram alvo de piadas de mau gosto da parte do irmão. Qualquer comportamento tido como feminino da parte de Sam logo é rechaçado pelo irmão valentão e comedor, que já tratou mal e xingou muitas mulheres pela série. Quando Dean descobre que Charlie é lésbica, ele a trata praticamente como um "cara". As personagens femininas de destaque são, em geral, bem construídas e interpretadas, mas poucas são aquelas que interagem entre si ou que sobrevivem o suficiente para fazerem isso.

Se até um dos atores principais fez uma reclamação pública sobre a forma como as mulheres são tratadas - xingadas e mortas - o que acontece com os roteiristas? Não conseguem sair do atoleiro criativo? Seria a falta de mulheres escrevendo, produzindo e dirigindo episódios de Supernatural? Isso certamente faria uma grande diferença para as mulheres da série. E as mulheres negras, onde elas estão? Não existem?

Tirando Mary, que retornou faz pouco tempo por ação de Amara, nenhuma dessas mulheres retorna como vemos acontecer com outros personagens, todos masculinos. Até mesmo Bobby esteve mais presente em vários episódios estando morto do que as personagens femininas. Dean e Sam morreram e voltaram tantas vezes que eles podiam fazer workshops sobre como voltar dos mortos. Mas às mulheres isso não é estendido. Seus arcos terminam violentamente. Elas vivem como satélites ao redor de Sam e Dean, suas histórias passadas pouco importam.

Já vimos que eles são capazes de criar personagens incríveis, com arcos narrativos criativos e intensos. Quando descobrimos que não era John Winchester o caçador original e sim Mary e seu pai que caçavam, estes foram alguns dos melhores episódios de Supernatural. Quando Charlie aparece, ou os episódios de Ellen e Jo, ou quando Bela enganava Sam e Dean mais uma vez foram alguns dos melhores episódios que já assisti. Mas quando os roteiristas querem esquecer que metade do mundo existe, fazem isso muito bem.

Então, vamos lá ao Bingo Supernatural:
  • Bela - morta
  • Pamela - morta
  • Lilith - morta
  • Ruby - morta
  • Meg - morta
  • Ellen e a filha Jo - mortas
  • Mary - morta (voltou depois)
  • Jessica - morta
  • Charlie - morta
  • Abaddon - morta
  • Rowena - viva (por enquanto)
  • Judy - viva (por enquanto)

Supernatural é um mundo onde se deve lutar contra o mal. Então por que apenas caras brancos e heteros têm o direito de fazer isso? A série é recheada de cenas violentas e mortes, não é essa a questão. Mas os roteiristas estão viciados em nos apresentar mulheres fortes e destemidas para matá-las depois ou fazê-las desaparecer (estou olhando pra você, Kali). A falta de uma representatividade feminina é resultado de um mito muito comum na cultura pop, de que as narrativas e histórias femininas são irrelevantes. E se essa personagem não tiver grande relevância ou for uma super vilã, você não se importa se ela morrer. Se essa personagem feminina não lutar, chutar bundas e exorcizar demônios, aí é que ela morre mesmo.

Matar personagens pelo valor do choque no enredo não funciona mais, Supernatural. Sexualizar a morte violenta das personagens não funciona também. E com 12 temporadas, será que não há espaço para uma personagem bem construída? Rowena tem perdurado, apesar de aparecer pouco, mas se ela tentar ser a nova CEO do inferno, certamente os roteiristas vão dar um jeito nela. É uma pena e bastante perturbador ver que o mundo real se reflete na ficção, onde mulheres morrem sem que sua vida tenha relevância ou seja plenamente conhecida.

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Comentários

  1. Parei de assistir Supernatural depois q mataram sem motivo algum a Charlie, então não posso comentar muito sobre o que acontece depois com propriedade, mas acredito que a Rowena não sobreviva pq os fãs gostam muito do Crowley e do ator hahaha. Tem esse problema tbm, os fãs de supernatural compram muito machismo e são birrentos. Eles não deviam ter matado a Charlie, era uma personagem ótima, que poderia ser usada sempre que necessário, como vimos, sem mudar o core da série e agradava muito os fãs. Os roteiristas precisam se reciclar...

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  2. Eu sofri Supernatural até a sétima temporada e fiz questão de comprar os DVD's apenas até a quinta temporada - quando temos o Apocalipse e bem, pra mim aquilo fechou o arco e terminou ali. Cansei das repetições dos clichês, cansei de não ser mais "Saving people, hunting things, the family business". Tudo ficou grandioso demais, caricato demais. Além, é claro, de como foi comentado sobre as personagens femininas: elas são introduzidas nos episódios claramente para que os fãs passem a odiá-las. Eu mesma já sofri disso, mas melhorei, graças à Grande Mãe. Ellen e Jo foram maravilhosas, tinham realmente um background perfeito para ser explorado... E foram sacrificadas. Isso pra mim doeu muito mais do que qualquer coisa nas sete temporadas que vi.
    Infelizmente, virou mais do mesmo e eu prevejo um futuro sombrio. A série deveria ter terminado há muitos anos atrás, quando ainda se faziam episódios interessantes. E se não houver uma evolução nos roteiros - no que tange a representatividade e profundidade das personagens, principalmente - vai definhar diante dos olhos de seu amado fandom...

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    1. Eu comentei com um amigo outro dia que até a quinta temporada os arcos narrativos funcionam bem. Só que depois vc vê todos os arcos se repetindo e fica pensando "hummm, já vi isso antes, onde mesmo?".

      Esses roteiristas são é bem preguiçosos. E não há desculpa pra eles continuarem com a fórmula batida sendo que boa parte do fandom é feminino. Eles fizeram ótimas personagens só pra morrerem depois. É preguiça mesmo.

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  3. PALMAS. Não tem nem o que falar mais, os roteiristas estão nessa de soluções preguiçosas e repetição de conflitos babacas há séculos. Assisti a série de 2009 a 2014, fui trouxa tempo demais. Digo, nada contra quem continua assistindo e gosta, you go girl, mas chega uma hora que nem o nosso carinho pelos dois irmãos é suficiente pra aguentar tanta asneira.
    Que bom que a Sybylla mencionou um spin-off sobre Jo e Ellen, pois eu sempre quis um sobre as vidas das mulheres que morreram em Supernatural - sem os Winchester, por favor. É o mínimo que poderiam fazer pra diminuir a DOR LANCINANTE da morte de tantas possibilidades maravilhosas que eles literalmente destruíram junto com a storyline delas. Só a vida da Bela Talbot já dá uma série incrível por si só.

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    1. Ellen e Jo tinham um grande potencial que foi totalmente desperdiçado, né? Eu fiquei muito triste com o fim delas, porque foi totalmente desnecessária. Um spinoff dessas duas seria tão, mas tão legal... E grande parte do fandom de Supernatural é feminino, não dá pra entender esses caras!

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  4. Em primeiro lugar, gostaria de dizer um sonoro "SIM!!!!" pra esse texto todo! Eu fico muito triste em pensar que uma série que cria personagens femininas tão incríveis as desperdice assim, tão de graça.
    Gostaria de acrescentar duas coisas:
    A primeira delas é que eu também sempre me incomodei um pouco com uma espécie de estereótipo da "adolescente rebelde" no seriado. São raras as personagens femininas adolescentes em Supernatural que são tratadas com seriedade. Basta ver Claire Novak e Krissy, que são meio desacreditadas em seus episódios justamente por causa disso.
    Em segundo lugar, tenho uma dúvida: até onde eu sabia, a atriz que interpretava a segunda Meg pediu para sair do seriado porque ela estava bem doente. Daí os produtores teriam "preferido" matar a personagem porque o público havia criado um vínculo com a atriz. Fiquei na dúvida quanto a isso depois de ler seu texto...

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    1. Tudo bem a atriz pedir pra sair. Ela tem esclerose múltipla, pode ser bem debilitante mesmo. Mas eles não precisavam matar a personagem. A Meg podia voltar no corpo de outra pessoa. Eles preferiram seguir a tradição de matar as personagens fortes.

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  5. Parei de assistir de modo continuado mais ou menos na época da morte de Jo e Ellen. Não foi uma decisão racional mas creio que vc colocou muito bem tudo que me incomoda ali e Micha Collins é mesmo um cara interessante por dizer o que pensa diante dos fãs . Quando Trump foi eleito liguei a Tv, saindo do computador e dei de cara com um anúncio de SPN, Não pude deixar de pensar em como a série era uma alegoria da realidade e que matar monstros pode ser um esporte nacional que talvez explique a longevidade da série. Enfim...

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  6. Excelente! Eu já inclui Supernatural na minha lista de "Guilty Pleasure". Na verdade, tem algumas temporadas que já não aguento mais, acompanho porque né, cheguei até aqui. Mas é aquela série que coloco para quando quero dormir.

    Fiquei muito triste quando a Jo e a Ellen morreram e demorei para superar. A perda da Charlie foi o fim, porque eram os episódios que ela aparecia que eu assistia normalmente. Me identificava muito com a Charlie, e também pelo fato de ser fã da Felicia Day desde a época de The Guild.

    Gosto muito do Misha e fiquei feliz por ele se posicionar, mas o Jensen foi escroto em algumas convenções já e me dá preguiça. O Jared que não questiona nada e ainda vai na onda do Jensen ZzzZ

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