Resenha: As Lendas de Dandara, de Jarid Arraes

Livro de estreia de Jarid Arraes é uma jornada de uma heroína brasileira, cuja vida, nascimento, luta e amores estão envoltos em lendas. Dandara, esposa de Zumbi dos Palmares, ressurge no livro de Jarid e que veio para enriquecer a fantasia nacional!





O livro
Os orixás estão preocupados. A África está machucada, ferida pelos acontecimentos e sofrimentos infligidos ao povo, dobrado e maltratado pela escravidão, um dos capítulos mais vergonhosos da raça humana. O que fazer? Como ajudar o povo a se libertar da opressão, da escravidão, da morte e dos trabalhos forçados? É então que Iansã decide criar uma guerreira capaz de levar liberdade a seu povo, alguém de quem as pessoas teriam orgulho, e os orixás também. Nascia assim, de maneira mítica, Dandara.


Iansã coloca sua bebê no caminho de Baiô, que foge da escravidão. Ela segue um caminho aberto por Iansã, que lançou raios sobre as árvores, deixando um caminho de fogo a ser seguido. É então que ela encontra a bebê Dandara e as duas seguem para o quilombo dos Palmares. Dandara cresce e se mostra uma criança ativa, curiosa, inteligente, que gosta de estar em contato com as pessoas, que não se conforma com a posição de mulher na comunidade, que tem que cozinhar, lavar. Não, ela não quer nada disso, quer treinar com os homens, treinar capoeira, manejo de armas, tudo.

Quando Baiô é ferida e quase morre devido a um tiro, Dandara percebe que estava sendo injusta com ela. É a força mágica e do amor de Dandara que Baiô é curada e ela passa a ficar mais tempo com a mãe adotiva. O tempo passa e Dandara fica mais e mais inconformada com a situação de seus irmãos nas fazendas, nas senzalas. Audaciosa e corajosa, ela se empenha em missões e instiga os companheiros, principalmente Zumbi, a lutar contra a opressão sobre seu povo.

Dandara é uma personagem de múltiplas camadas, uma mulher complexa, que tem falhas, que pode errar e que se frustra. Quantas vezes vemos isso na literatura? Às vezes lemos livros onde a personagem nunca dá um passo em falso, uma perfeita Mary Sue. Jarid teve o cuidado de retratar uma mulher, mesmo que envolta em lendas, mesmo que seu nascimento tenha sido mítico, pois existem poucos fatos a respeito de Dandara dos Palmares. Há quem diga que ela sequer existiu. Os poucos dados a respeito indicam que ela era mesmo esposa de zumbi e mãe de seus três filhos.

O livro tem ilustrações e a capa feitas pela Aline Valek, o que deixou o caráter mítico de Dandara ainda mais especial. É uma obra que pode ser aplicada no fundamental II e médio tranquilamente. É uma leitura rápida, mas não se engane, é carregada de significado. Mas o livro tem duas falhas que me incomodaram. Uma é a respeito da brochura (minha edição é a primeira, que foi publicada de maneira independente). Como ela não é costurada e sim colada, as últimas folhas começaram a soltar antes que eu chegasse ao final da leitura. E essa edição é muito querida, pois está autografada.

O segundo problema é que não há uma referência espacial de onde ocorrem os eventos do livro. Mesmo tendo um caráter mágico, envolto em brumas de lendas, Dandara e o próprio Quilombo dos Palmares existiram e não há menção de localização espacial. Era necessário, ao menos, indicar onde ele ficava. Tive aulas sobre Palmares apenas no ensino médio, que terminei há 15 anos. Tive que procurar no Google para lembrar onde ficava Palmares para saber onde o enredo se passava. Senti falta disso na obra.


Ficção e realidade
Jarid faz uma introdução muito bonita no livro a respeito das origens das pessoas. Enquanto muitos brancos sabem de, ao menos, a origem de seus avós italianos, alemães, portugueses, espanhóis, os descendentes dos negros não têm como saber sobre isso. Assim que eles foram sequestrados na África e trazidos para o Brasil, sua cultura, seus nomes, suas crenças, foram apagadas. Seus nomes foram trocados por nomes cristãos e os sobrenomes eram os dos seus "donos".

Jarid Arraes

Este apagamento sistemático de uma cultura, além do sequestro, das mortes, da vinda desumana para outro continente para trabalhos forçados e, muitas vezes, mortais, são partes vergonhosas da raça humana e ainda assim tem gente que diminua a escravidão, dizendo que ela não foi tão traumática quanto dizem. Não me surpreende ver que quem normalmente diz isso é branco. Numa sociedade racista, misógina e homo/lesbo/bi/transfóbica, capacitista todos nós precisamos ouvir os grupos oprimidos, ao invés de falar por eles ou o quanto eles sofrem.

O racismo nunca devia ter acontecido então você não ganha um doce por ele ter diminuído.

Chimamanda Ngozi Adichie

Pontos positivos
Protagonista feminina
Valorização da cultura negra
Fantasia nacional
Pontos negativos
Brochura
Não sabemos onde ficava Palmares


Título: As Lendas de Dandara
Autor: Jarid Arraes
Editora: Liro Editora Livre
Ano: 2015
Páginas: 146
Onde comprar: na Amazon ou direto no site


Avaliação do MS?
As Lendas de Dandara é um ar novo e necessário para a fantasia nacional, tão carregada de enredos míticos baseados em lendas europeias e por autores homens. Sabemos que o nosso cenário é dominado por esse tipo de literatura e Dandara nada contra a corrente para nos apresentar um pedacinho de sua história, mesmo que mítica. É um livro que pode ser trabalhado com os alunos, tem ilustrações muito bonitas, que colocam Dandara em movimento, a deixam viva nas páginas. Quatro aliens para o livro e uma recomendação para você ler também.


Até mais!

Comentários

Form for Contact Page (Do not remove)