Star Trek e o Teste de Bechdel

Essa semana eu vi um texto compartilhado no Tumblr que falava do desempenho de Star Trek e suas séries de TV no famoso Teste de Bechdel, um teste utilizado para avaliar a representatividade feminina em telas. Não me surpreendi com o resultado, apesar de notar que algumas respostas foram dadas com ele a respeito da série e do ódio mortal de alguns ~fãs~ por certas personagens.

Star Trek e o Teste de Bechdel




O que é o Teste de Bechdel?
O teste foi criado em 1987 pela a cartunista norte-americana Alison Bechdel. Em sua famosa tirinha Dykes do Watch Out For, ela estabeleceu o que ganharia o nome de Teste de Bechdel. E ele é ridiculamente simples:

1. Tenham ao menos duas personagens femininas;
2. Que conversem entre si em alguma cena;
3. Sobre algo que não seja homens.

O teste não implica que um filme ou série de TV seja bom, tampouco feminista. Ele apenas pede que as pessoas analisem o papel relegado às mulheres nos filmes e daí façam sua própria reflexão. E mesmo sendo tão simplista, basta observar alguns poucos filmes e séries que veremos o quão, miseravelmente, poucos deles passam.

Pensando nisso, várias blogueiras e usuárias do Tumblr resolveram se engajar em um projeto audacioso: medir a porcentagem de cada série de Star Trek, desde a clássica até Enterprise que passam no teste. Os filmes não estão bem quando o assunto é representatividade feminina, porém ninguém ainda tinha testado as séries para ver a quantas a coisa andava. E pode não parecer, mas as séries, em geral, pecaram com relação à representatividade de gays e trans*. Foram pouquíssimas as vezes em que o assunto foi abordado e de cabeça lembrei apenas de um episódio em A Nova Geração e outro em Deep Space 9.

Quando o assunto é a representatividade feminina por série, o resultado foi:


E o resultado por temporada:


Não me espantou nem um pouco a supremacia de Voyager como sendo a que mais tem representatividade feminina. Além da presença de uma capitã, temos uma mulher como chefe da engenharia, uma ocampa, Kes, e depois a borg tentando ser humana, Sete de Nove. O elenco feminino interage diversas vezes, com os mais variados temas e por várias vezes dominam completamente os episódios. Não é de se estranhar também que Voyager seja a série mais odiada por muitos talifãs que xingam Janeway e endeusam Kirk.

Se ao invés de ser mulher, Janeway fosse homem, pode apostar que todos o amariam. Mas como mulher os velhos clichês ofensivos recaem sobre ela como "falta de pica", "encalhada", "velha", "arrogante". Muitos disseram que ela arriscou a nave e sua tripulação várias vezes e que foi inconsequente. Mas e se ela fosse homem? Encarariam isso como atos de bravura e ele não sofreria uma crítica sequer. Aliás, as personagens de Star Trek que são mais velhas, como a Dra. Pulaski e a capitã Janeway, e que não andam com um colant brilhante e salto alto pela nave, são as que mais sofrem todo o tipo de misoginia escancarada nos portais de Star Trek.

Quando falo que minha série favorita de Star Trek é justamente Voyager, muita gente torce o nariz. "Ainn, claro, só porque tem mulher no comando". E muitos já emendam com um "Odeio a Janeway". Mas não é apenas pela presença de uma mulher no comando: nós temos um vulcano negro como oficial tático, um segundo oficial que, além de ex-guerrilheiro, é também indígena (que praticamente nunca aparece em séries de TV e portanto Chakotay é um marco televisivo, como Uhura foi), temos uma mulher humana/klingon e ex-guerrilheira como chefe da engenharia e temos uma humana assimilada pelos Borg ainda criança que tenta voltar a ser um indivíduo.

Todas as séries, em especial as mais recentes e sou sincera em admitir que não tenho tanto apelo pela série original, trataram de temas profundos e mostraram que uma humanidade plural, vivendo em comunidade, onde todos possam ter sua chance na vida e possa viver sossegado. ST foi bem sucedida onde outras tantas não foram, retratando um mundo que acabou com quase todos os conflitos e problemas para levar à uma humanidade unida, com representatividade. Onde um cego pudesse enxergar e ser chefe de engenharia. Onde um androide tivesse atitudes mais humanas do que muitos humanos. Onde uma mulher era capitã de uma nave estelar e fez desta nave um lar para mais de 100 tripulantes perdidos numa terra estranha.

O teste de Bechdel tem suas falhas, mas sua simplicidade engana o espectador menos atento. Esta simplicidade mostra o abismo de representatividade nas produções, apesar de apontar melhoras significativas e de mostrar que é sim possível mostrar enredos com mulheres sem cair em clichês óbvios e sem deixar ninguém de fora ou oprimido. Ainda esperamos pelo dia em que gays, trans*, negros e pessoas com deficiência estejam presentes nas produções sem os estereótipos negativos que costumam cair nestes personagens.

Até mais!


Leia mais:
Why film schools teach screenwriters not to pass the Bechdel test
How Does Your Favorite Star Trek Series Fare on the Bechdel Test?
Poderosas até o episódio dois


Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Eu gosto de todas as séries ST, até a Enterprise que vi recentemente no Netflix eu gostei....Sempre curti a série clássica, mas por tudo que ela representava, os conflitos, como eles colocaram certas questões e o que eles lapidaram para as próximas......e porque eu amo o Spock ahahahaha....mas quando eu vi a voyager a primeira vez, nossa! Quero ser a Janeway quando crescer!!!! Só porque ela é mulher na cadeira de comando? Talvez, mas principalmente porque ela é foda! Na minha opinião acertaram em tudo lá!!!!!! Tudo na voyager é foda, o Vulcano, a Belana klingon que casa com um humano..porra, a mulher é chefe da engenharia, vc não vê muitas mulheres nessas áreas, mesmo sendo só na ficção, já é uma boa ehehehe...as interações do médico com a Borg, nossa! Sem palavras..
    Eu nem sabia que o povo torce o nariz para ela, que gente mais besta...

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  2. Não gosto de nenhuma oitra série de Star Trek que não são a Voyager, todas são muito frias e mecânicas, em minha opinião a Voyager é a mais quente, humana e diversificada!

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  3. Gente, quem é o humano que não gosta da minha amada Capitã Janeway?

    Voyager é a minha série preferida de toda a franquia, a que eu mais re-assisti, e a que eu mais sofri com o fim.
    Além de ter um Vulcano negro. Foi a primeira vez que me senti representado em uma série.

    Sobre o teste, depois de ter lido sobre ele passei a prestar atenção, e realmente há poucas "oportunidades" de personagens mulheres serem retratadas como pessoas, cheias de vida, dilemas e fortes. Na maior parte das vezes, quando tem mais de uma mulher em cena, são retratadas como fúteis, frágeis, que sempre precisam de ajuda, e fazem coro para magnificar o protagonista.
    Tem mudado, mas está longe do ideal.

    Assim como ainda está longe do homem negro deixar de ser o bobo alegre alívio cômico do protagonista.

    Mas um dia chegaremos lá.

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