Por que a representatividade importa?

Uhura e racismo
Arte de M. Steffens. Designer e ilustradora brasileira.



Como fã de ficção científica e como alguém que tenta ao máximo espalhar essa palavra, eu percebo que temos uma FC masculina, branca, hetero e cuja representatividade é em geral usada em metáforas com alienígenas. Mas por que transportar para aliens os problemas humanos? Para suavizar a mensagem? Suavizar o que? O genocídio causado pela escravidão de negros e indígenas? Para suavizar os crimes cometidos contra à mulher apenas por ser mulher? Os assassinatos de gays, única e exclusivamente, porque não seguem uma sociedade heteronormativa? Por que tapar o sol com a peneira ao invés de apertar a ferida?

A importância social de Star Trek foi em inovar e incluir. Isso nos anos 60, antes mesmo de a humanidade chegar à Lua, uma nave de uma série de televisão mostrava um futuro onde norte-americanos e soviéticos conviviam amigavelmente, onde uma negra era oficial da ponte, onde alienígenas eram bem recebidos como membros da tripulação. Mostrou a polêmica minissaia e o primeiro beijo inter-racial da TV.

Capitão Benjamon Sisko - Deep Space 9

Não só para Whoopi, mas para quantas meninas negras se ver como uma oficial da Frota Estelar foi importante para seus futuros? Para quantos jovens ver o capitão Sisko como a peça chave no enredo de Deep Space 9 foi importante para que eles erguessem a cabeça e vislumbrassem um futuro melhor? Ver alguém com quem se identificar é uma referência importante para se sentir incluído em um universo que deve prezar pela diversidade. É sentir o impulso necessário para crescer cada vez mais em um mundo competitivo como o nosso. É um caráter que a arte pode e deve produzir em seus vários segmentos.

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Eu digo deve, mas não é o que acontece. Tirando o pioneirismo de Star Trek e seus spin offs, a ficção científica continua presa no mais do mesmo. Seja na televisão, seja no cinema, seja nos livros, continuamos com personagens majoritariamente brancos e heteros. Mesmo Star Trek mal tocou no universo homossexual e arranhou as questões de gênero. O escândalo que a cena de Lenara Khan e Jadzia Dax causou apenas mostra o que a audiência pensa a respeito. O episódio Rejoined (4ª temporada, 6º episódio) é um dos mais controversos de toda a série Deep Space 9. As duas personagens são Trills, possuindo cada uma um simbionte muito antigo, cujos hospedeiros anteriores já foram casados. Pelas leis do planeta Trill, antigos parceiros devem evitar uma nova relação com os novos para impedir que os velhos sentimentos ressurjam.

Mas os dois simbiontes se amavam e a cena do beijo é uma declaração de que ainda existe sentimento ali. A produção de Deep Space 9 ouviu horrores da audiência escandalizada. Um pai ligou para o estúdio e reclamou com um assistente sobre o "escândalo" que o beijo das duas causou e que tipo de mensagem ele estava passando aos seus filhos. O assistente então perguntou: e se fosse uma mulher atirando na outra, seus filhos poderiam ver? O homem respondeu que sim, tudo bem com isso. A resposta do assistente foi: então é melhor o senhor pensar quem está estragando a educação dos seus filhos.

Lenara Khan e Jadzia Dax - Deep Space 9

Mesmo assim, foi um episódio dentre as setes temporadas que o programa teve. Um. Uma sociedade escandalizada com o amor entre duas pessoas, sejam duas mulheres, dois homens ou um homem e uma mulher, definitivamente tem algo de errado. A representação de uma raça humana e plural nos enredos de ficção científica é necessária, porque somos plurais. E a violência é permitida na televisão em qualquer horário, enquanto que um beijo entre duas mulheres escandaliza. É extremamente preocupante que o amor e o sexo sejam tabus, enquanto a violência descarada seja permitida e até desejada.

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Uma sociedade que verdadeiramente se importa em ser plural se preocuparia em representar melhor seus membros. Devemos exercitar a experimentação. Não entendo porque a ficção científica se preza a fazer mais do mesmo quando até o universo sobrenatural e fantástico estão inovando, gêneros estes que pareciam ter pouco a oferecer. E aquele que poderia trazer a inovação, está empacado.

Tenente Anastasia Dualla - Battlestar Galactica.

Para outras crianças se maravilharem com a ficção científica é que precisamos de um universo mais plural sendo representado. Para que as próximas gerações não achem anormal o amor entre duas pessoas do mesmo sexo, nem se surpreendam em ver uma negra em uma posição de destaque em um enredo.

Até mais!



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