O futuro da previsão


Muito se diz por aí, sustentando o mito, que ficção científica boa é aquela que prevê o futuro. Claro, não podemos negar que alguns autores escreveram seu enredos, pensando no futuro, pensando na evolução da tecnologia e da relação dos seres humanos com ela. Muita coisa muda ao longo do tempo. Eu mesma estranhei em ter que usar um celular comum, com teclas, de tão acostumada que estou em manusear o smartphone. Podemos prever o que vai ser da ficção científica e da sua tão aclamada previsão do futuro?



Minha primeira observação a respeito é que devemos parar de cobrar os autores de FC para que prevejam o futuro e que devemos também parar de detonar uma obra que pareça tecnológica e socialmente "atrasada". Ao ler algumas coisas precisamos ter a noção da época em que foi escrita e o que o autor pretendia dizer com isso. Dizer que Neuromancer, de William Gibson, é um livro ruim por causa da tecnologia que ele apresenta é desmerecer o enredo que ele tem. Ninguém fala isso de Júlio Verne.

A segunda é que devemos parar de chamar de "previsão do futuro". Sim, alguns autores e roteiristas conseguiram prever algumas inovações, mas é injusto cobrar que eles nos deem uma visão do que teremos pela frente, pois ninguém consegue fazer isso. Desta forma, devemos falar que estes autores anteciparam inovações, com base no conhecimento científico que tinham e com uma boa dose de criatividade, aliada às tendências da época.

Um autor/roteirista é antes de tudo um inventor. Além de um contador de histórias, ele é um inventor de equipamentos, mundos, linhas do tempo, personagens e tecnologias. E como todo inventor, nem tudo dá certo. Desta forma, ele cria o que é plausível para seu enredo e para o que ele quer contar. Se tirarmos isso, exigindo que seu livro, sua série, seu filme, faça previsões de novos gadgets ou tecnologias, vamos podar a habilidade de criar e rebaixar a obra à uma versão barata de Mãe Diná.

Clarke acertou, bacana. Mas quantos autores erraram? Alguém gostaria de ter um mundo de A Estrada no futuro? Não, certamente que não. Então paremos agora de cobrar de autores de FC que eles inventem um novo mundo em cada página, em cada episódio, em cada filme. Se queremos prever o futuro, temos ainda que inventá-lo.

Então, como fica a questão da previsão? Um autor não pode ser celebrado por ter previsto algo que usamos atualmente? Claro que deve, mas não deve ser endeusado, nem outros autores devem ser punidos por não terem alcançado o que escreveram. Talvez a queda representativa de leitores do gênero se deva ao excesso de descrições tecnológicas de inovações que os autores acreditam que vão existir. Por que se preocupar com isso se até na FC Hard, aquela que prega pelo rigor das explicações científicas, temos tecnologias que não existem e podem nunca vir a existir?

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A questão que fica é que sim, um livro/uma série de TV/um filme pode acertar em algumas previsões ou inovações dispostas no enredo, mas isso não deve nortear o enredo para que a qualidade dele não se perca. Vejo tantos autores preocupados em descrever cada parte do funcionamento de um determinado motor de uma nave que, quando vai ver a obra final, você perde o ritmo da obra e para de ler porque todo o blá blá blá científico é mais ou menos conhecido do público que lê FC. E mesmo para alguém que nunca leu FC pegue um livro desses, todo didático, com cada parte ínfima descrita, ele vai ficar de saco cheio e o livro voa pela janela.

Quem estiver disposto a escrever ficção científica, tem que deixar de lado a questão da previsão. Não se preocupe com isso, escreva, crie enredos cativantes, crie suas tecnologias fictícias, extrapole os limites do espaço-tempo, crie civilizações alienígenas, heróis e vilões, mas deixe de lado a questão didática de mostrar todas as peças da sua nave-mãe. Ou isso cai, ou a ficção científica vai ficar estagnada, com seus poucos leitores inconformados com obras "imprecisas".

Até mais!

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