Ficção científica e ciência fictícia


É muito comum eu ouvir algumas críticas por dizer que certos filmes/livros/séries são de ficção científica, já que muita gente não os considera como tal. Tudo bem, eu entendo a questão do gosto. Cultura, literatura, cinema, não é restrito aos meios acadêmicos, ela é feita todos os dias onde tem um ser humano agindo e pensando. Já vimos que tentar definir este gênero é tortuoso demais. Podemos estabelecer alguns parâmetros. Mas para ser ficção científica, que tipo de ciência precisamos?



O que é ciência? Pergunta difícil de responder. É o mesmo que perguntar o que é fruta? O que é praia? São conceitos que muitas vezes não têm uma definição clara e tampouco merece uma, afinal seria um reducionismo do mesmo. Mas veja, definir a palavra não define o conceito. Com ficção científica é a mesma coisa. Podemos ter alguns parâmetros para nortear obras e classificações, mas tudo o que é muito rígido acaba diminuindo o raio de ação das coisas. Não é isso que queremos.

Quando alguém reclama que um filme como Os Vingadores não é um filme de ficção científica, pois está cheio de ação, explosões, heróis bonitos e gostosos, ele está cometendo um reducionismo. Super-heróis são um tema batido da FC já não é de hoje. Mas temos aí a questão da fantasia. Se o Super-Homem não tivesse nascido em Kripton e sim na Grécia Antiga, ele seria um alienígena ou um semi-deus? Como ele nasceu em Kripton, um planeta que não é a Terra, ele é um alienígena, por mais que ele use aqueles óculos para disfarçar.


Ficção científica pede ciência sim... Mas e se essa ciência for fictícia? Ninguém tem dúvidas que Jornada nas Estrelas seja uma ficção científica. E ela de fato tem várias cenas de explicações científicas elaboradas, sendo que muitas delas são de uma tecnologia ou uma parte da ciência que não existe. E que talvez nunca venha a existir. Só por que essa ciência fictícia não existe hoje (ou nunca exista), vamos desclassificar Jornada nas Estrelas? Acho que não, né?

Encontro com Rama fala de uma nave alienígena cilíndrica, que aparece em nosso sistema solar e se manda depois que os humanos lá pisaram e saíram. É uma ideia científica elaborada, baseada no Cilindro de O'Neill. Suas dimensões são imensas, com 20km de largura e 50km de comprimento. Pode ser que nunca tenhamos a capacidade técnica para criar um cilindro de tamanhas proporções para viagens espaciais. Ninguém nem é louco de desclassificar a obra de Clarke.

A própria ciência trabalha na base de ficção. Começamos com uma hipótese, pensando se poderemos ou não comprová-la. Tentamos preencher suas lacunas e partimos para a experimentação na tentativa de achar a resposta. Se não acharmos, a ideia fica lá, uma obra de ficção baseada na verdade.

O que dizer então do mundo de Fahrenheit 451? A obra clássica de Ray Bradbury é toda ela voltada para o social, para o impacto na vida das pessoas que são proibidas de ler. Tem alguma ciência metida nesse meio? Alguma explicação prolongada de princípios físicos como aqueles que víamos nos episódios de Star Trek? Temos alguma máquina fenomenal capaz de nos transportar através do espaço e do tempo? Ainda é ficção científica, pois ele mexe com as realidades alternativas. Mas não tem uma explicação científica elaborada no texto todo.

Se formos pensar bem, tudo tem uma explicação científica. Do chuveiro, a pegar ônibus (e ser jogado para frente dentro do coletivo quando o motorista pisa no freio). Do pão assando no forno ao videogame. Tudo tem uma explicação baseada em um princípio científico. Por sua vez, não classificamos Velocidade Máxima como ficção científica, ele é um filme de ação. A linha que divide a ficção científica de outras obras é tênue demais para que isso seja FC, aquilo não. Isso é, isso não.

Que a discussão é válida, sim, ela é. Mas partir para a crítica pessoal sem uma opinião embasada, sem pensar no assunto da maneira que se deve, é mais uma vez um reducionismo. Não precisamos de longas teses acadêmicas em obras de ficção. Mesmo que a ciência seja fictícia, ela é capaz ainda de criar ótimos enredos e nos encantar.

Deixe seu comentário. Até que ponto ciência é de fato necessária na ficção científica?

Até mais!

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