Sabe aqueles livros que você se pega pensando depois de terminar a leitura? Então, Outras vidas, de Claire North é desse tipo. É daqueles livros estranhos muito bem escritos, com personagens perturbadores, que você não consegue parar de ler porque precisa saber o que vai acontecer no final. Este livro é, sobretudo, uma história de amor.
O livro
Eles estão entre nós. Espíritos capazes de pular de corpo em corpo, vivendo ao longo dos séculos nos corpos dos outros. Seus hospedeiros não têm lembranças desse período em que foram usados por essas entidades. Kepler é um deles, pulando no último minuto em que Josephine Cebula, sua última hospedeira, foi morta na Turquia. Para poder sobreviver, ele pula de corpo, o primeiro que tocou a pele nua de Josephine. Está habitando um senhor de bengala, enquanto foge pelo metrô, as mãos sujas de sangue, o sangue dela.
As melhores coisas da vida não duram para sempre. A realidade interfere como um tiro pelas costas.
Seu assassino está logo atrás dele. Os dois se veem entre o mar de gente do vagão, mas antes que o assassino possa fazer qualquer coisa, Kepler o toca e troca de corpo. Ele agora é o assassino. Kepler é um fantasma, resultado de uma morte violenta anos atrás que o fez descobrir a capacidade de saltar de corpo em corpo. Ao saltar para a pele de outra pessoa, Kepler assume controle total sobre o corpo e deixa seus hospedeiros sem qualquer memória do que aconteceu neste período. O mais assustador é saber que Kepler não é o único. Várias entidades estão por aí.
Em geral, não curto histórias de fantasmas. Mas este livro aqui é uma história diferente. Eles não estão aqui para arrastar correntes pela casa nem assustar crianças dentro de armários. Eles apenas querem viver, mas perderam seus corpos originais. E, além disso, eles amam. Amam incondicionalmente seus hospedeiros mais queridos, assim como Kepler amava Josephine.
Assim como Kepler, existem outras entidades e nos deparamos com várias delas ao longo da leitura. Quase como uma autobiografia de Kepler, o vemos em diferentes momentos da vida, conforme relembra seus principais hospedeiros, as situações de perigo e de amor intenso ao longo dos anos. Por um tempo, ele chegou a ajudar entidades a encontrar hospedeiros perfeitos para seus propósitos, mas parou assim que se deparou com uma entidade perigosa chamada Galileu, que fará da vida de Kepler um inferno ao longo do livro.
Kepler pode ser considerado um anti-herói, alguém envolvente, compreensivo, que tenta minimizar os danos de sua presença enquanto luta para sobreviver em um mundo que quer matar todas as entidades. Como acompanhamos sua vida, o livro é bastante íntimo e reflexivo, quase como uma conversa de bar com alguém que já viveu demais. Porém, sua sobrevivência é sempre às custas dos outros. Seu existir implica na violação da intimidade do outro. E por incrível que pareça, muita gente concorda com essa possessão, como Josephine Cebula. Ou um duque russo que tentar salvar a filha da vergonha e da exclusão da sociedade.
Algumas pessoas sabem que essas entidades existem, oferecendo acordos por um tempo. Outras simplesmente perdem longos períodos de tempo e depois não sabem o que lhes aconteceu. É sempre angustiante ver essas pessoas lutando para retomarem suas vidas depois do que consideram um surto psicótico ou de amnésia. Kepler é um monstro, mas um monstro que vive sob restrições terríveis e escolhe a vida e o amor a todo momento. Seu apelo é seu amor pela humanidade, por todo tipo de pessoas interessantes que pode habitar. Ele existe para amar as pessoas e precisa equilibrar o desejo de proteger e nutrir as pessoas que ama com a realidade de que amá-las é violá-las e destruí-las.
Amo minhas peles, caso contrário não as manteria. Amo todos aqueles que sou, senão não os seria.
Kepler se esforça para deixar o menor rastro possível com a intenção de tornar a vida do hospedeiro melhor, mas acaba destruindo vidas no processo. É difícil simpatizar com um ser imortal como Kepler, especialmente alguém tão hipócrita que não consegue ver o mal que causa, mas North imbui Kepler de qualidades tão cativantes que você não consegue deixar de se fascinar por essa maldita entidade e todas as coisas incríveis e terríveis que ela faz. Me peguei torcendo por Kepler, em tantos corpos, em tantas situações, que me pegava pensando: será que eu faria diferente na tentativa de sobreviver?
Sabemos ao longo da leitura que existe uma organização caçando e matando entidades. Então é uma corrida contra o tempo, na esperança de descobrir quem está por trás dela e porque ela quer tanto destruir Kepler das piores formas. Nem toda entidade é boazinha, como Galileu prova no livro, e sabemos que haverá um encontro apoteótico desses dois em algum momento. O livro dá uma derrapada no ritmo do meio para o final, mas vale à pena continuar a leitura.
A tradução de Leandro Durazzo está ótima e não encontrei problemas de revisão ou diagramação no livro.
Obra e realidade
Abordar questões sobre consentimento, gênero, empatia, responsabilidade e ética enquanto se aventura em uma montanha-russa de alto risco pela Europa e América do Norte não é tarefa fácil. North consegue discutir todos esses temas e ainda entregar um enredo tocante e aterrador. As questões levantadas não são fáceis de se responder. Quem faria diferente de Kepler estando na mesma situação?Outra questão: muitos de seus hospedeiros foram voluntários. Eles trocaram alguns meses de sua vida para poderem servir de hospedeiros. A promessa de Kepler era entregar corpos limpos de drogas ou dinheiro e uma situação material confortável depois desse período. Algumas pessoas o contrataram para procurar pessoas sequestradas e Kepler se viu obrigada a habitar a pele de uma moça viciada em heroína, enquanto lutava contra a abstinência para voltar para a família. Essas foram escolhas de Kepler e ainda assim é difícil não sofrer com ele.
Não há solidão pior do que estar sozinho em meio a uma multidão. Nenhum embaraço mais desconfortável do que aquela piada interna que você não entende.

Claire North é o pseudônimo de Catherine Webb, autora britânica nascida em 1986.
PONTOS POSITIVOS
Kepler
Bem escrito
Discussão sobre o amor
PONTOS NEGATIVOS
Se enrola do meio para o final
Começa devagar
Kepler
Bem escrito
Discussão sobre o amor
PONTOS NEGATIVOS
Se enrola do meio para o final
Começa devagar
Avaliação do MS?
Outras vidas vai ficar na sua cabeça quando você terminar essa leitura. Volta e meia me pego pensando em Kepler e em sua fuga desenfreada pela Europa enquanto tenta sobreviver e penso em como sair daquela situação. Você também vai se pegar pensando em Kepler depois que terminar de ler. Quatro aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!
Até mais!
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