Resenha: Femina - uma nova história da Idade Média, através das mulheres que ficaram de fora dela, de Janina Ramirez

Esse livro aqui me interessou assim que saiu na gringa, pois o assunto mulheres + Idade Média me chama a atenção logo de cara. Aprendemos na escola e nas representações do período que as mulheres não tinham voz ou representação. Eram meras coadjuvantes de seus maridos, filhos e irmãos, que tiveram seus nomes e suas biografias registrados. Mas elas existiram e elas também têm história para contar!

O livro
A Idade Média é comumente vista como um período violento, repleto de doenças, fome e homens poderosos. Era uma época de vikings, santos e reis, em uma sociedade patriarcal que oprimia as mulheres. Porém, muito do que sabemos sobre o período não está correto, tendo sido filtrado pelos estudiosos vitorianos. Ao se cavar nas histórias e eventos medievais, percebemos haver muita coisa para se descobrir e uma delas é a presença de incríveis mulheres que marcaram época.

Resenha: Femina - uma nova história da Idade Média, através das mulheres que ficaram de fora dela, de Janina Ramirez

Essas poucas mulheres que apresento a você aqui são parte de uma maioria silenciosa e muitas outras vozes aguardam para serem ouvidas.

A historiadora Janina Ramirez descobriu inúmeros nomes de mulheres influentes riscados de registros históricos, com a palavra FEMINA anotada ao lado. À medida que guardiões do passado ordenavam a queima de livros, a destruição de obras de arte e a produção de novas versões de mitos, lendas e documentos históricos, nossa visão da história foi manipulada. Este livro se destina a contar as histórias, aliado a uma narrativa envolvente que passeia pela Europa medieval e pelo Oriente Médio em busca de nomes e vidas. Porém, ela evita mencionar os nomes mais óbvios como Joana d'Arc, imperatriz Matilde e Leonor da Aquitânia, que podem ser mais conhecidos do público.

Não que essas mulheres não sejam importantes; elas são, mas não foram as únicas desse período. O elenco de Ramirez inclui uma mulher sueca enterrada com armadura completa, armas e dois cavalos na região de Birka, uma espiã cátara da Inquisição, uma trabalhadora sexual transgênero na Londres do século XIV e as mulheres anônimas, possivelmente freiras, que costuraram a Batalha de Hastings e noventa e três pênis na Tapeçaria de Bayeux, que conta a história da conquista normanda da Inglaterra em 1066, liderada por Guilherme II da Normandia. Tapeçaria e confecção de tecidos eram exclusivamente femininas, o que diz muito sobre a peça.

Ramirez inicia seu mergulho na Idade Média examinando a conexão entre as mulheres medievais e as sufragistas. Em junho de 1913, a sufragista Emily Davison foi fatalmente ferida após pisar na frente do cavalo do rei durante o Derby de Epsom. E adivinha só? Ela era especialista em Idade Média. Vemos como as mulheres medievais eram percebidas na arte, nos livros e nos movimentos políticos que as sufragistas entenderiam e seguiriam os passos de mulheres medievais como Joana d'Arc. Novas pesquisas arqueológicas deram novo fôlego ao que significava ser uma mulher medieval e nos deram novas heroínas que impactaram o passado.

Cada capítulo começa com a história de como um artefato ou documento foi descoberto e, em seguida, nos aprofundamos no que esses artefatos nos contam sobre o passado. O mergulho começa no século VII com a história da Princesa de Loftus. Em seguida, avançamos para a Mércia do século VIII, onde somos apresentados à rainha Cynethryth e à senhora da Mércia, rainha Etelfleda. Admito que conheço o nome de Etelfleda devido às Crônicas Saxônicas, de Bernard Cornwell, mas aqui Ramirez dá sua total atenção à uma das mais hábeis rainhas da Bretanha quando a Inglaterra nem existia.

Uma figura muito discutida no livro é a monja beneditina Hildegarda de Bingen, autoridade em assuntos teológicos, louvada por seus contemporâneos e consultada por papas e reis. Inclusive, a imagem da capa é uma iluminura de Scivias, uma das obras de Hildegarda, mostrando a estrutura do cosmos. Seus vários escritos mostram que ela possuía uma concepção mística e integrada do universo, ainda que essa concepção não excluísse o realismo e encontrasse no mundo muitos problemas. A solução para eles, de acordo com suas ideias, devia advir de uma união cooperativa e harmoniosa entre corpo e espírito, entre natureza, vontade humana e graça divina.

Um nome que eu desconhecia totalmente era a rei Jadwiga (ou Edviges) da Polônia. Uma das poucas mulheres coroadas como rei e não como rainha, Jadwiga é ainda hoje reverenciada em seu pai, tendo sido canonizada por João Paulo II. Seu título era Hedvig Rex Poloniæ e não Hedvig Regina Poloniæ. Jadwiga morreu muito jovem, mas sua devoção ao povo e a à igreja da Polônia a tornaram um símbolo nacional.

Munida de imagens e reproduções, além de uma escrita envolvente, acompanhamos a vida e os escritos de mulheres incríveis e a maneira como impactaram o período em que viveram. Um dos últimos nomes que Ramirez discute é o de Margery Kempe, autora da primeira autobiografia da Inglaterra e que nos dá um vislumbre em primeira mão da vida de uma mulher que não era da nobreza, que dizia ter visões místicas e que viajara até a Terra Santa numa época perigosa para qualquer viajante na estrada.

Controlar o acesso ao passado é controlar as populações no presente, e determinar quem escreve história pode afetar pensamentos e comportamentos.

A revisão deixa a desejar em vários momentos, como se a editora tivesse tido pressa para publicar e passou por cima de coisas bobas que qualquer revisão mais atenta teria visto. São palavras com letras sobrando ou faltando, às vezes palavras inteiras somem e deixam o entendimento na mão de quem está lendo. A tradução de Ana Maria Fiorini está ótima.

Obra e realidade
Uma coisa que a autora deixa claro é que as mulheres aqui apresentadas também estavam presas aos ditames de sua época. Em algumas de suas cartas, Hildegarda de Bingen comenta sobre seu defeito de ser mulher. A autora também admite o que não sabe, sem engrandecer demasiadamente alguma dessas mulheres. Quando há evidências arqueológicas ou artefatos e escritos, ela os menciona, tanto que no final há uma longa e detalhada lista de referências usadas pela autora.

Nem todas as mulheres são mencionadas por nomes, porque apenas seu esqueleto é conhecido. Nesse caso, a autora se vale da análise osteoarqueológica e a escavação feita nas covas para poder especular.

Janina Ramirez

Janina Ramirez é historiadora, pesquisadora, professora universitária, escritora e apresentadora britânica. É pesquisadora de História da Arte no Harris Manchester College, da Universidade de Oxford, e professora visitante de Estudos Medievais na Universidade de Lincoln.

PONTOS POSITIVOS
Idade Média sob outra visão
Bem escrito e com várias fontes
Imagens
PONTOS NEGATIVOS
Revisão
Preço


Título: Femina: A New History of the Middle Ages, Through the Women Written Out of It
Título original em inglês: Femina - uma nova história da Idade Média, através das mulheres que ficaram de fora dela
Autora: Janina Ramirez
Tradutora: Ana Maria Fiorini
Editora: Planeta (selo Crítica)
Ano: 2025
Páginas: 416
Onde comprar: na Amazon!

Avaliação do MS?
Foi uma leitura incrível! Mesmo com os problemas de revisão, a leitura prende desde o início e logo você está lendo até altas horas da madrugada porque não consegue parar. Cinco aliens para o livro e uma forte recomendação para você ler também!


Até mais! 🏛️

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