A força feminina em The Legend of Tomiris

Em 2019, tal como sua heroína homônima, The Legend of Tomiris varreu as estepes da Eurásia, recebendo elogios de público e crítica. A cinebiografia dessa personagem mítica, por Akan Satayev, foi patrocinado pelo Ministério da Cultura e do Esporte do Cazaquistão, com uma rica fotografia, figurinos caprichados e muitas cenas de batalhas sobre cavalos, retratando as lutas pelo poder entre os povos das estepes asiáticas e contra os persas. Uma coisa que o filme destaca, por sua vez, é a força feminina, tanto na presença de Tomiris, quanto na de guerreiras das estepes que lutam ao seu lado.

A força feminina em The Legend of Tomiris

Segundo os relatos de Heródoto, escrevendo mais de cem anos depois dos eventos reais, Tomiris foi a rainha dos massagetas, um povo iraniano Saka da Ásia Central, a leste do Mar Cáspio, em partes do atual Turcomenistão, Afeganistão, oeste do Uzbequistão e sul do Cazaquistão. Tomiris liderou seus exércitos para se defender contra um ataque de Ciro, o Grande, do Império Aquemênida, onde o derrotou e o matou em 530 AEC. Ela teria colocado sua cabeça decepada em um saco ou tigela cheia de sangue, dizendo-lhe: "Pronto: beba até se fartar de sangue!"

Filha do rei Espargapises, no longa a pequena foi criada como uma guerreira, como uma líder, depois da morte de sua mãe. Espargapises acaba sendo vítima de traição da parte de outros líderes tribais, mas soldados leais ao rei conseguem tirar a pequena Tomiris do assentamento e um pequeno grupo de sobreviventes se refugia em uma floresta durante alguns anos, enquanto Tomiris sonha em poder vingar seu pai e reaver seu trono. Acolhida por um povo aliado de seu pai após um ataque que deixou apenas a princesa viva, a adolescente Tomiris se torna uma guerreira ágil e mortal, na companhia de outras amazonas do assentamento, e se torna uma ameaça àqueles que mataram seu pai.

Já adulta, ela se casa com um príncipe de um povo aliado e tem um filho, também chamado Espargapises. Interessante apontar que mesmo abandonando as lutas nas estepes, Tomiris se mantém como uma chefe astuta, desconfiada, alguém que escolheu o caminho da família ao invés de ser empurrada para ele. Casou-se quando quis, como quis. Mas um estratagema cruel do rei Ciro mata seu marido e seu filho. Ciro então pediu a mão de Tomiris com a intenção de anexar seu reino através do casamento, mas ela entendeu os objetivos de Ciro e rejeitou sua proposta. Ciro invadiu as terras dos masságetas em retaliação.

As cenas foram filmadas em diferentes partes das estepes do Cazaquistão. Os heróis masságetas falam a antiga língua turca, enquanto os heróis persas falam o novo persa no filme, apesar de historiadores modernos considerarem os masságetas um povo nômade iraniano, fato que gerou algumas críticas ao longa de 2019. A psicóloga e atriz cazaque, Almira Tursyn, concorreu com outras 15 mil mulheres pelo papel, sendo este seu primeiro longa.

Sabe-se muito pouco sobre a atuação feminina nas estepes, pois muitos destes povos não deixaram relatos escritos. Assim, muito do que se sabe é incompleto ou passado de fontes antigas, como o próprio Heródoto, que mencionou apenas casamentos e relacionamentos com escravas. Além disso, pessoas de fora, em geral, não compreendiam o modo de vida nômade e tinham uma visão limitada sobre estes grupos. O que se sabe é que há evidências arqueológicas que revelam a existência de mulheres guerreiras nas estepes da Eurásia tão habilidosas quanto os homens.

Na região de Pokrovka, uma vila na região de Talas, no Quirguistão, uma escavação arqueológica em 1994, conduzida por Jeannine Davis-Kimball e Leonid T. Yablonsky, revelou vários sepultamentos de mulheres acompanhadas de armas, inclusive espadas cerca de 2500 anos atrás. Uma mulher foi encontrada com uma ponta de flecha ainda cravada no corpo e o arqueamento das pernas indica que ela era uma experiente amazona. Os homens do local foram enterrados sem artefatos, um deles inclusive com uma criança. Já os sepultamentos das mulheres eram todos desprovidos de crianças, o que pode indicar que os povos das estepes dividiam as tarefas de cuidados das crianças e o treino a cavalo e com armas.

Guerreira Savromat
Sardana, guerreira Savromat, por Aizhan Lighg

No longa, vemos essas mulheres completamente confortáveis sobre o cavalo, principalmente usando arco e flecha com precisão, como no caso das mulheres Savromat (Sármatas), o povo que acolheu a adolescente Tomiris. Elas também estão na frente da batalha e estão sempre no centro das discussões. E é bem provável que os roteiristas tenham se arvorado em descobertas arqueólogicas como essa para criar as sociedades nômades que vemos no filme. Tomiris no filme é dona de seu destino, ágil em luta corporal e sobre o cavalo, muito provavelmente uma guerreira bem próxima das mulheres das estepes originais.

A lenda sobre a rainha dos masságetas se tornou muito comum na Idade Média. É possível ver quadros e ilustrações de Tomiris por vários pintores, como Rubens, além de esculturas e peças de porcelana. É difícil dizer se sua história é real, tal como conta Heródoto, mas Jordanes, funcionário e historiador de origem gótica do Império Bizantino, que viveu no século VI, também fala sobre Tomiris em seu trabalho Sobre a Origem e os Feitos dos Getas e sua luta contra Ciro. Entretanto, os historiadores sabem que Ciro foi sepultado no vale de Pasárgada, no Irã e que Alexandre, o Grande, teria visitado a tumba e visto o corpo embalsamado do rei. Teria seu cadáver sido trazido das estepes da Ásia Central até lá? Tomiris teria mantido sua cabeça como um troféu?

Se você quiser um filme que foge dos padrões norte-americanos, entregando uma heroína do Cazaquistão que luta contra um império para defender seu povo, invista nesse filme! Não vai se decepcionar.

Até mais!

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