Voo final da Cassini

No dia 15 de setembro, uma das mais bem sucedidas missões da NASA e da Agência Espacial Europeia chegou ao fim dramático. A sonda Cassini, depois de 7 anos de viagem e 13 anos estudando Saturno e suas luas, foi arremessada no planeta, com cobertura ao vivo pelas redes sociais.

Voo final da Cassini



Sou fã das missões espaciais assim como sou fã de ficção científica. Sou daquelas que ficava ansiosa pela transmissão dos lançamentos dos ônibus espaciais e acompanhei com tensão todo o trabalho de conserto do telescópio Hubble, quando ele ficou míope devido à uma falha no polimento do espelho. Missões espaciais mostram o melhor do ser humano, o quanto podemos nos esforçar para elevar o conhecimento e conhecer melhor o universo. Para muita gente, isso é desperdício de dinheiro, mas em geral pensamentos assim só mostram o quanto muitos não entendem de ciência e sua importância.

Como voar pelo espaço é caro, são as sondas e robôs que enviamos por aí que estão nos trazendo as informações que queremos, servindo de emissários do espaço. Fiquei anos aguardando a aproximação da New Horizons a Plutão, depois de nove anos e meio de viagem. Então quando uma missão chega ao fim, como a da Cassini, fica difícil explicar a sensação. Admito, me emocionei com o mergulho da Cassini. Seres humanos não conseguem desligar a empatia e a gente se afeiçoa a objetos, robôs e claro, sondas espaciais.

A missão Cassini-Huygens foi lançada em 15 de outubro de 1997 e entrou em órbita de Saturno em 1 de julho de 2004. Em dezembro do mesmo ano, a sonda europeia Huygens se separou da Cassini e mergulhou na atmosfera de Titã em 14 de janeiro de 2005, sendo o primeiro objeto humano a pousar em um corpo celeste do sistema solar exterior. Alguns números da missão da Cassini:

  • 2,5 milhões de comandos executados;
  • 7,9 bilhões de quilômetros rodados;
  • 162 sobrevôos sobre as luas de Saturno, tendo descoberto 6 novas;
  • 294 órbitas completas;
  • 635 GB de dados;
  • 360 acionamentos de motor;
  • 453.048 imagens captadas;
  • 3.948 artigos científicos publicados;
  • 27 nações cooperaram no projeto.

Por que destruir a Cassini?
Seu combustível nuclear a base de plutônio tinha grande autonomia, mas se a Cassini permanecesse à deriva com o fim de sua missão, ela poderia cair em alguma lua de Saturno que tenha condições de abrigar vida. A fim de impedir qualquer contaminação a esse ambiente, as agências espaciais decidiram que o melhor era mergulhar a sonda na atmosfera intensa e na grande pressão do planeta.

A Cassini passou por entre os anéis do planeta e sobrevoou sua atmosfera mais próximo que qualquer outra sonda. Por isso, alterar sua rota para fazê-la mergulhar em Saturno não foi difícil. A uma velocidade de 113 mil km/h, a Cassini deve ter parecido como um brilhante meteoro, se desintegrando totalmente em alguns minutos.

A importância
A missão da sonda Cassini começou a ser idealizada em 1982 depois do sucesso das sondas Voyager e o mistério que se seguiu a respeito de Titã. Em seus 13 anos ao redor de Saturno, seus instrumentos e câmeras nos trouxeram incríveis informações sobre o planeta que revolucionaram tudo o que conhecíamos a seu respeito. Os lagos de hidrocarbonetos de Titã, os jatos na superfície de Encélado, as estruturas tridimensionais dos anéis de Saturno e uma imensa tempestade que varre o planeta.

Os processos físicos identificados pela sonda nos deram uma amostra do desenvolvimento do nosso próprio sistema solar e o que pode acontecer ao redor de outras estrelas. Ao observar Titã e Encélado, podemos ver mundos que em muitas características lembram nosso próprio planeta em seus estágios mais primitivos. O volume de informações coletado vai gerar ainda mais conhecimento e artigos científicos em anos vindouros, pois nem tudo ainda foi analisado. A complexidade técnica e humana envolvida na missão da sonda mostraram maneiras inovadoras e criativas de se utilizar seus instrumentos, dando novas ideias para futuras sondas. Saturno, não terminamos ainda, querido!

Há também um caráter filosófico trazido por essa missão: o de obrigar os cientistas a repensar muitas concepções há muito tempo sedimentadas a respeitos do Sistema Solar e da própria ciência planetária. Este momentos únicos não ocorrem o tempo inteiro. E eu queria muito que as pessoas compreendessem como isso impulsiona a humanidade a querer descobrir, pesquisar e conhecer mais. Quando observamos a beleza de um planeta, quando tentamos entender sua formação, seu futuro, seus componentes ou simplesmente admiramos suas imagens, adotamos uma posição mais humilde diante da nossa própria existência.

planeta Terra aparece como um pontinho brilhante abaixo dos anéis de Saturno

O palco de nossa tragédia, o cemitério humano, o berço de nossa raça, esse lugar abençoado que nos deu tanto e exige respeito, tudo isso sintetizado neste frágil ponto brilhante abaixo dos anéis de Saturno. E ainda tem quem se ache o centro do universo.

As missões não acabaram. Em breve novas sondas, modernas, mais bem equipadas, mais velozes, estarão voando por aí, seguindo pelos caminhos pavimentados por outras sondas desbravadoras, como as Pioneers, as Voyagers, as Veneras, a Galileo, a Cassini, a Curiosity. E para quem se questiona por que gastar milhões de dólares com missões espaciais, deixo aqui uma pequena comparação. A missão do Curiosity para Marte custou cerca de 2 bilhões de dólares. A Guerra do Iraque, apenas ela, beira 1,6 trilhão de dólares. Me diga então o que causa mais mortes, fome e miséria: as missões espaciais ou as guerras?

Vida longa e próspera, Cassini! Obrigada por tudo!

Leia mais:
Why Cassini matters? - NASA/JPL
The Grand Finale Toolkit - NASA/JPL
A sonda Cassini prepara se para morrer - Observador
As principais revelações da sonda Cassini antes de 'missão suicida' na atmosfera de Saturno - BBC


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