Resenha: O Golem e o Gênio, de Helene Wecker

O problema de você começar um livro com altas expectativas é a grande possibilidade de quebrar a cara no final. O que me atraiu em O Golem e o Gênio foi o encontro de duas culturas e por ser escrito por mulher. Normalmente não tenho grandes expectativas com livros e digamos que com esse livro é bom não chegar esperando muito.



O livro
Dois seres de mitologias diferentes se encontram nas ruas de Nova York no final do século XIX. A cidade fervilha com a chegada de imigrantes de vários lugares do mundo e temos uma visão muito particular e acurada dos bairros de imigrantes, como a Pequena Síria, com seus cortiços, padarias e oficinas, o vai e vem das pessoas em suas tarefas cotidianas.


Começamos o livro vendo a criação de Chava, uma golem, criada por um místico bruxo do leste europeu a pedido de um falido comerciante. Porém, no navio, a caminho dos Estados Unidos, contrariando o conselho, o comerciante desperta a golem. Golem são seres feitos de barro e animados por rabinos experientes através do mesmo poder que animou Adão e Eva. O golem lê a mente do mestre e está ligado a ele de forma a obedecer todas as suas ordens. Porém, o mestre de Chava começa a passar mal e morre antes mesmo de chegarem ao destino. A essência do golem precisa da ligação com um mestre, precisa de um controle sobre sua natureza violenta, mas Chava anda pelas ruas da cidade sem um mestre. Até que ela é reconhecida por um idoso rabino e acolhida por ele, que inclusive lhe atribui seu nome.

O gênio, segundo a mitologia árabe, é um ser de ar e fogo. De acordo com o Alcorão, é uma das três criações de Deus, junto dos seres humanos e dos anjos. Eles podem assumir formas físicas e vivem em uma realidade paralela à nossa. O gênio, ou Djin, da história de Wecker, foi aprisionado há centenas de anos em uma garrafa que, ao longo do tempo, mudou de mãos até chegar às mãos de um ferreiro, em Nova York, que na tentativa de consertá-la, acabou liberando um Djin raivoso e desorientado, a quem chamou de Ahmad.

É notável a pesquisa de Helene Wecker e a forma como os bairros imigrantes são nitidamente descritos. O Cenário não é apenas parte da paisagem, é personagem ativo na história. É possível sentir o ambiente pelos olhos dos personagens, já que os capítulos se intercalam. E o Djin e a Golem são absolutamente diferentes em essência e cultura, porém iguais em sua situação atual, ocultos nas figuras de pessoas comuns, mas que de comuns nada têm. Os dois não precisam dormir, por exemplo, o que é uma tortura para eles. Quando finalmente se conhecem, superando a desconfiança natural, os dois passam a caminhar pela cidade de madrugada para passar o tempo e começam a conhecer um ao outro.

O problema do livro é que até isso acontecer você já leu umas 200 páginas e nada. O começo é muito devagar e cheguei a largar o livro para ler outra coisa. Mesmo com personagens principais e secundários muito bem construídos, uma ambientação primorosa, até que alguma coisa aconteça, mais de 200 páginas se passaram e você já se cansou. Além disso, se a intenção da autora é tornar o Djin e a Golem um casal, sinto muito, mas não há possibilidade de algo assim acontecer. Não é um casal que dá para shipar.

Paralelamente à narrativa dos dois, a autora nos conta a história do gênio e de como ele foi parar na garrafa. Além dessa narrativa, existem outras histórias paralelas de personagens secundários que acabam não tendo muita função ao longo das mais de 500 páginas do livro. Fiquei bem decepcionada com isso, porque algumas dessas histórias não têm resolução e eram bem interessantes.

Não li o livro físico, li o ebook, que está bem diagramado, mas precisa de uma revisão por causa de errinhos bobos como letras faltando ou sobrando. A tradução ficou na mão de Cláudia Guimarães e está muito boa.

Mas lembre-se disso: uma criatura não pode ser totalmente afastada de sua natureza primordial.


Ficção e realidade
Em um mundo como o nosso, com tensões tão grandes entre árabes e israelenses, ver um enredo onde seus seres místicos precisam se ajudar para sobreviver é bastante oportuno e importante. Se estes seres tão poderosos, tão fortes e intensos, de tradição milenar, conseguiram encontrar uma maneira de sobreviver, a única coisa que impede nós, meros mortais, de fazer o mesmo é a estupidez. São bem óbvias as diferenças culturais entre os dois e entre os bairros e pessoas que os ajudam, mas eles puderam passar por cima das diferenças. Conseguiram co-existir.

Uma das principais mensagens do livro é a tolerância. Para um ser orgulhoso como o Gênio é bem difícil ser humilde e tolerante com as pessoas que o ajudam, mas tanto ele quanto a Golem precisam conhecer seus limites, conhecer os outros e, o principal, entender a si mesmos.

Helene Wecker


Helene Deborah Wecker é uma escritora norte-americana, ganhadora do Mythopoeic Award por O Golem e o Gênio.


Pontos positivos
A Golem
O Djin
Pesquisa histórica
Pontos negativos
Começa muito devagar
Final em aberto
Desnecessariamente longo


Título: O Golem e o Gênio
Título original: Golem and the Jinni
Série Chava e Ahmad
1. O Golem e o Gênio
2. The Hidden Palace (2021)
Autora: Helene Wecker
Tradutora: Cláudia Guimarães
Editora: DarkSide
Páginas: 514
Ano de lançamento: 2015
Onde comprar: Amazon


Avaliação do MS?
Não é um livro ruim, eu curti o enredo, o cenário. Além de ter personagens muito bem construídos, sua ambientação foi primorosa. Percebe-se o esmero da autora com os detalhes, o clima dos bairros imigrantes, como as pessoas viviam, a vida comum delas. É praticamente uma ficção histórica se tirarmos os aspectos mágicos. Infelizmente, o livro demora a engatar e tem problemas com personagens secundários e com o final. Recomendo a leitura, mas apenas três aliens.




Até mais!

Já que você chegou aqui...

Comentários

  1. Fiquei com bastante sono ao ler esse livro também. Fui com a expectativa muito alta, e quebrei a cara, como vc mesma pontuou, hahaha.

    Não gostei da personalidade de nenhum dos dois protagonistas e a história mais interessante era a vida pregressa do Ahmad. Fora isso.... =(

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